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Reportagem

No leste de Paris, escola pública oferece ensino médio com especialização em português do Brasil

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No refeitório da escola nessa terça-feira, o cardápio é arroz, feijão preto, linguiça e saladas. Enquanto os adolescentes se servem, um funk do MC Kevinho ressoa ao fundo. A cantina, no entanto, está a milhares de quilômetros do Brasil. Essa cena acontece nos arredores de Paris, na única escola pública da França metropolitana a oferecer a especialização em português do Brasil para seus alunos do ensino médio, o Liceu Internacional do Leste Parisiense (LIEP).

Prédio do liceu internacional do Leste parisiense, única escola da França metropolitana a oferecer ensino médio com especialização em português do Brasil
Prédio do liceu internacional do Leste parisiense, única escola da França metropolitana a oferecer ensino médio com especialização em português do Brasil © Photographie Luc Boegly - 2014/Divulgação
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Em um prédio novo com ares modernistas e um grande jardim, cerca de 75 estudantes do ensino médio têm o "português brasileiro" como sua principal língua estrangeira. A escola ao lado, dedicada aos anos finais do ensino fundamental, reúne outros cem alunos da seção brasileira.

Além de estudar o idioma, esses estudantes assistem a cerca de 6 horas semanais de aulas de literatura, história e cultura brasileira, explica a professora e coordenadora do curso Rita Carvalho.

Criada em 2016, a escola tem um projeto ambicioso: oferecer educação aprofundada em idiomas e culturas internacionais para estudantes de uma área da periferia pobre de Paris, na região de Seine Saint-Denis. 

"Foi uma decisão muito política. A ideia era vamos abrir um liceu internacional voltado para o novo mundo. E o novo mundo eram os países emergentes e as novas economias", conta a coordenadora. A escola oferece especialização em quatro línguas: inglês dos Estados Unidos, árabe, chinês e português do Brasil.

A especialidade brasileira é uma novidade no território europeu da França. A única escola pública com aprofundamento em língua, literatura e história brasileira até então estava na Guiana Francesa. 

Franceses de olho no Brasil

A trajetória começa nos anos finais do ensino fundamental, quando os estudantes podem ingressar no colégio internacional, aos 12 anos. Foi o que aconteceu com Bruno Naviner, um jovem nascido na França de mãe brasileira.

"Eu sempre falei português em casa. Meu pai, que é francês, fala perfeitamente o português. Mas eu cheguei no colégio internacional porque minha mãe queria que eu continuasse a aprender a língua brasileira", conta.

Entre os alunos da seção brasileira, alguns têm raízes familiares na lusofonia, mas mais de um terço são apenas jovens franceses atraídos pela imagem do Brasil, como explica o diretor da escola, Pierre Grand.

Na periferia de Paris, escola pública oferece especialização em português do Brasil

"Temos cerca de metade de alunos lusófonos de família portuguesa e temos alguns poucos alunos que são brasileiros ou de família brasileira. Todos os outros são jovens franceses sem relação particular com a língua, mas com vontade de aprender o português do Brasil", pontua.

E, segundo Grand, o Brasil tem um potencial de atração maior do que o português europeu. A escola internacional com especialização em português de Portugal na região pena para completar suas salas com 25 alunos.

Este interesse vem muitas vezes de clichês, como o futebol, mas também da imagem construída do país ao longo da última década.

"Em 2016, tinha tido a Copa do Mundo e tinha as Olimpíadas. Então havia um interesse geral pelo Brasil, que caiu um pouco agora. Mas isso me deu vontade de estudar o português e eu agarrei a oportunidade", conta Damien Penaud, de 16 anos.

Com seis anos de estudo na especialização brasileira, Damien não tem dificuldades em comentar literatura brasileira e citar contos de Machado de Assis como suas referências. Isso se explica pela estrutura do currículo da seção internacional brasileira, que reúne aulas de literatura, história e geografia com um olhar sobre o Brasil.

"A ideia é que eles desenvolvam o francês e o português brasileiro ao mesmo tempo. Eles vão trabalhar o teatro francês do século 19, vamos também tentar ao máximo se aproximar disso em literatura brasileira. Em geografia e história, eles vão falar sobre a globalização, a urbanização, a proteção do meio ambiente, temas que são próprios ao universo brasileiro", enumera Rita Carvalho.

Para potencializar o ensino do português brasileiro, a escola recebe assistentes de ensino diretamente do Brasil para um estágio ao longo do ano escolar. Desde a abertura da escola, seis profissionais já passaram pela escola para trazer novos sotaques e uma visão atual do país.

Além disso, a escola francesa faz projetos em comum com unidades públicas brasileiras para que os estudantes dos dois países façam contato. Atualmente, a parceria acontece com o Centro Paula Souza, da rede estadual paulista.

Escola de excelência

Apesar de ser uma escola pública, para entrar, os alunos passam por uma forte seleção de acordo com seu histórico escolar. São cerca de 1.000 inscritos por ano para 200 vagas nas quatro línguas. A escola é considerada de excelência, explica o diretor. 

"Não podemos negar que o Colégio Internacional é um colégio de elite, de excelência. É um dos melhores colégios públicos da França, isso seguramente atrai os pais que, além da língua ou da seção internacional, vão procurar colocar seu filho em uma escola de excelência", sublinha o diretor.

Para o jovem de origem curda Baran e sua irmã gêmea, a qualidade da educação foi o atrativo do colégio para seus pais. Escolhido o colégio, os dois decidiram pelo português como língua de especialização.

"Era preciso fazer uma escolha entre a seção brasileira, chinesa, inglesa e árabe. Eu já falava inglês, então não via muito interesse. Queria descobrir uma nova língua. E a seção brasileira me interessou mais", conta esse adolescente que, aos 16 anos, fala cinco idiomas: francês, inglês, turco, curdo e português.

Importância da mistura social

Há uma preocupação, no entanto, para que a escola não se gentrifique ao longo dos anos, recebendo alunos de classes cada vez mais abastadas. Para isso, há projetos feitos com escolas de alta vulnerabilidade social de ensino fundamental para apresentar o colégio e garimpar alunos.

Dessa maneira, a escola forma um quadro bem variado de alunos. Com um terço vindo de famílias de classes populares e 10% de grupos de classe média alta.

O boca a boca sobre a qualidade do ensino na escola tem funcionado. Para o próximo ano, o liceu terá pela primeira vez duas salas de 1° ano do ensino médio dedicadas ao português do Brasil. "Em breve devemos ter 300 alunos na seção brasileira, e seremos o local da França com mais gente aprendendo a língua e a cultura brasileira", comemora a coordenadora.

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