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Reportagem

Eleitores da periferia de Paris estão indecisos entre barrar extrema direita e boicotar segundo turno da eleição presidencial

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Eleitores do departamento de Seine-Saint-Denis, na periferia norte de Paris, estão decepcionados com os finalistas do segundo turno da presidencial francesa, no próximo domingo (24). Eles votaram em massa no candidato da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon, terceiro colocado no primeiro turno, e agora hesitam entre votar em branco, se abster ou barrar a candidata da extrema direita, Marine Le Pen. Para muitos, o presidente Emmanuel Macron aumentou o sofrimento dos pobres no país.

Eleitores do departamento de Seine-Saint-Denis, na periferia norte de Paris. Da esquerda para a direita: Daniel Chergui, Fahida Sebbarh, casal Sacko e Bernard Kowou.
Eleitores do departamento de Seine-Saint-Denis, na periferia norte de Paris. Da esquerda para a direita: Daniel Chergui, Fahida Sebbarh, casal Sacko e Bernard Kowou. © Captura de tela
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Adriana Moysés, em Saint-Denis

Em Saint-Denis, maior município do departamento de mesmo nome ao norte da capital, Mélenchon, líder da sigla A França Insubmissa, triunfou com 61% dos votos, contra 16% obtidos por Macron e 8% por Le Pen. Esse sucesso nas urnas coroa anos de trabalho ao lado de uma parcela da população que se sente marginalizada e sofre com a redução da oferta de serviços públicos. Críticos dessa estratégia dizem que Mélenchon cresceu com um programa "clientelista" destinado aos muçulmanos. O esquerdista elege como prioridade as políticas sociais.

Um levantamento do instituto Ifop revelou que 69% dos eleitores franceses muçulmanos votaram no candidato da esquerda radical. Em Seine-Saint-Denis não foi diferente. O departamento, apontado como o mais pobre da França continental, tem a maior proporção de imigrantes e descendentes de ex-colônias francesas na África entre sua população, em relação a outras áreas do território. 

Entre os dois turnos da eleição presidencial, a reportagem da RFI esteve na feira livre do centro de Saint-Denis e encontrou cidadãos que votaram em Mélenchon. Muitos permanecem indecisos sobre o que fazer no domingo. 

O vendedor de seguros Daniel Chergui, 61 anos, disse não estar convencido de que irá votar. "Acho que não irei votar porque não vai servir para nada. Se for para votar em um dos dois, não vai dar e prefiro ficar em casa", afirmou. "Depois que elegemos Macron só tivemos problemas; com Marine Le Pen, ela pensa que irá resolver os problemas expulsando os estrangeiros, o que não adianta nada", avalia o vendedor.

O vendedor de seguros Daniel Chergui
O vendedor de seguros Daniel Chergui © Captura de tela

Segundo Chergui, "com o aumento dos preços, a guerra, as pessoas querem a paz, viver tranquilas, ter acesso às coisas por um preço razoável". Ele cita os preços do litro de óleo de cozinha, vendido atualmente a € 4 ou 5, e da gasolina a cerca de € 2, produtos cujas importações foram impactadas pela guerra na Ucrânia. "São aumentos abusivos", protesta. "Todos os franceses estão decepcionados, não sei como isso vai terminar", diz Chergui. 

Em meio a barracas de frutas, legumes, roupas e calçados, o aposentado Bernard Kowou, 73 anos, de origem togolesa, opina que o segundo turno "vai ser interessante". Ele mora na região parisiense há 56 anos e assistiu à eleição de vários presidentes. 

O aposentado Bernard Kowou, 73 anos
O aposentado Bernard Kowou, 73 anos © Captura de tela

"Sou um imigrante francês, meus filhos são franceses, são casados, têm filhos aqui, eles nunca vão voltar para nosso país", conta o franco-togolês. "Se a Marine Le Pen tirar do programa dela que irá expulsar os imigrantes, ela pode passar", analisa. "O problema é que a Marine diz coisas que eu discordo, por isso tenho dúvidas em quem vou votar; ela tem a desvantagem de não gostar dos imigrantes", pondera. "Eu sou negro, não posso mudar de cor para verde ou amarelo", afirma em tom bem-humorado. Em relação ao presidente Macron, o aposentado receia que o centrista faça um segundo mandato semelhante ao primeiro, e isso "não será nada bom". 

"Tudo vai para os ricos", protesta eleitora

O casal franco-maliano de sobrenome Sacko perdeu a confiança nos políticos. Eles nasceram na França depois que suas respectivas famílias emigraram do Mali. Votaram em Mélenchon no primeiro turno por ser, segundo eles, "o único candidato que se preocupa com os jovens e as aposentadorias".

"Os jovens são esquecidos nesse país, tudo vai para os mais ricos", condena a mulher de 35 anos. Questionada pela reportagem se considera os dois pretendentes ao Palácio do Eliseu iguais, ela diz: "Os dois não são iguais, mas valem a mesma coisa". "Ao menos Marine Le Pen é direta, transparente, enquanto Macron fala bem mas por trás é outra coisa", assinala. 

O casal franco-maliano de sobrenome Sacko
O casal franco-maliano de sobrenome Sacko © Captura de tela

O marido, "mais politizado", de acordo com a companheira, acredita que irá votar em branco no segundo turno. Eleitor de Macron em 2017, ele diz ter ficado "muito decepcionado" com uma promessa não cumprida pelo centrista no primeiro mandato: o restabelecimento do serviço militar para os jovens.

"Isso era uma coisa muito importante para mim", recorda o homem. "Quando vemos os jovens nos bairros populares, eles só fazem besteira, não vão à escola e não trabalham", diz. Na percepção do eleitor de 40 anos, "se fizessem ao menos 3 meses de serviço militar, já seria suficiente para compreenderem que a vida não é fácil, que a gente não consegue as coisas em um estalar de dedos", argumenta. Ao mesmo tempo, ele não se vê votando em Le Pen. "Ela vai dividir os franceses por nada", constata com reprovação. 

Depois do primeiro turno, o partido de esquerda radical A França Insubmissa fez uma consulta entre seus afiliados e militantes mais ativos para definir uma posição sobre o segundo turno. Dois terços dos participantes optaram por votar em branco, anular a cédula ou se abster, enquanto apenas um terço declarou que pretende votar em Macron. Logo após a derrota em 10 de abril, Mélenchon insistiu com as bases que "nenhum voto deveria ir para Marine Le Pen". 

Bloquear Le Pen no segundo turno

A brasileira Silvia Capanema, historiadora, membro do Conselho Departamental de Seine-Saint-Denis e militante ativa na campanha da União Popular de Mélenchon, escolheu "bloquear" Le Pen no próximo domingo. Ela afirma que o esquerdista "passou a seus eleitores a mensagem de que a extrema direita representa um risco muito maior para o país". Capanema defende, entretanto, a liberdade de cada um votar com a sua consciência. 

Silvia Capanema, integrante do Conselho Departamental de Seine-Saint Denis e membro da campanha de Jean-Luc Mélenchon
Silvia Capanema, integrante do Conselho Departamental de Seine-Saint Denis e membro da campanha de Jean-Luc Mélenchon © Adriana Moysés/ RFI

"Nós conhecemos nossos militantes, tem a questão da liberdade de pensamento, as críticas e o sofrimento que foi a era Macron", diz a brasileira. "O Macron de 2022 não é o mesmo de 2017, ele vem com um balanço de medidas muito antissociais", explica. "Os salários estão arrochados, o custo de vida muito alto e os serviços públicos deteriorados", assinala. "As manifestações dos coletes amarelos foram reprimidas intensamente e tudo isso deixou uma percepção de grande sofrimento da população francesa, não dá para esquecer", ressalta. De acordo com Capanema, votar em Macron "é impossível para os coletes amarelos".

Na avaliação do partido, a abstenção ou o voto em branco "devem ser considerados como um ato político", insiste Capanema. Ela acredita que o resultado da consulta interna feita pela legenda é suficiente para que Le Pen não seja eleita. "Domingo nós bloqueamos a Marine Le Pen e, a partir de segunda-feira, vamos tentar bloquear Macron, construindo a mobilização nas ruas para conquistarmos a maioria no Parlamento (que será eleito em junho)", conclui a brasileira. 

Polêmica do véu incita muçulmanas a votar em Macron 

A líder da extrema direita passou a campanha dizendo que iria proibir o uso do véu muçulmano no espaço público, caso fosse eleita. Mas desde que foi cobrada por muçulmanas nas ruas e percebeu que necessita de votos dessa fatia do eleitorado para derrotar Macron, Le Pen voltou atrás, atenuando suas declarações anteriores. 

A babá Kahima, 45 anos, eleitora de Mélenchon, diz que irá votar em Macron "por desespero, para barrar Marine Le Pen". Amargurada com os resultados do primeiro turno, ela deixa claro que não compartilha as ideias da candidata de extrema direita, assim como não concorda com Macron, mas considera o presidente um "mal menor". Com um ponta de esperança, Kahima espera que se Macron for reeleito, "ele pare de falar do que não tem importância e resolva os verdadeiros problemas do país".  

A dona de casa Fahida Sebbarh, outra simpatizante da esquerda radical, não consegue imaginar a França dirigida por Le Pen. "Vamos votar novamente em Macron, como nas eleições passadas, há cinco anos", garante. "Vamos dar uma segunda chance a ele", diz a franco-marroquina, com um sorriso nos lábios. "Aguentar a Marine Le Pen falando é muito duro, principalmente para nós muçulmanos; ela não é conveniente para nós", desabafa a eleitora de 42 anos que usava um véu para cobrir os cabelos na feira de Saint-Denis.

A dona de casa Fahida Sebbarh
A dona de casa Fahida Sebbarh © Captura de tela

As últimas pesquisas dos institutos Ifop e Ipsos, publicadas na terça-feira (19), apontam vitória de Emmanuel Macron no segundo turno, com 55% a 56,5% dos votos contra a adversária nacionalista e xenófoba de extrema direita. 

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