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Reportagem

"São todos iguais": Eleitores de Marselha expressam desencanto com candidatos à presidência

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Os moradores de Marselha têm a impressão de presenciar uma campanha presidencial atípica e frustrante pela falta de renovação dos candidatos. Os três primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto – Emmanuel Macron (centro-direita), Marine Le Pen (extrema direita) e Jean-Luc Mélenchon (esquerda radical) – disputaram o Palácio do Eliseu em 2017.

Montagem com as fotos dos 12 candidatos à eleição presidencial da França.
Montagem com as fotos dos 12 candidatos à eleição presidencial da França. © Reuters /STAFF
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Adriana Moysés, enviada especial a Marselha

Nas ruas de Marselha, a segunda maior cidade da França, a reportagem da RFI encontrou eleitores insatisfeitos, descrentes na política, desanimados após dois anos de pandemia de Covid-19 e preocupados com o futuro. A guerra lançada pela Rússia na Ucrânia, no final de fevereiro, ofuscou a campanha francesa. Como o voto na França não é obrigatório, muitos eleitores deixam para decidir sua participação na última hora.

Gautier Pirault, dono de um restaurante brasileiro no bairro de negócios Joliette, está surpreso com o desinteresse na votação. O primeiro grande comício na cidade, realizado pelo candidato da esquerda radical, aconteceu no dia 27 de março. "O povo não está ligado no que está acontecendo, teve a Covid, depois a guerra na Ucrânia, tem tantas coisas envolvidas que a eleição passou para o segundo plano", diz Pirault. Ele recorda que em eleições anteriores, a dois meses da votação todos os candidatos já tinham passado pela cidade. "O clima, este ano, não é de eleição, ainda mais presidencial, que é a mais importante para o mundo inteiro", afirma o francês.  

O dono de restaurante Gautier Pirault lamenta o desinteresse de eleitores e candidatos na atual campanha presidencial.
O dono de restaurante Gautier Pirault lamenta o desinteresse de eleitores e candidatos na atual campanha presidencial. © Adriana Moysés/RFI

Mehdi, um eleitor marselhês de 33 anos, gerente de hotel no Vieux Port, o bairro turístico da cidade, diz ter perdido o interesse pela política. "Pessoalmente, eu não votarei em ninguém, porque eles são todos iguais", afirma, referindo-se aos políticos de maneira geral. "Na minha opinião, aquele que mais merece ser presidente é o Mélenchon", opina. "Ele já se apresentou às eleições presidenciais várias vezes e merece ter uma oportunidade", acrescenta. "A política de Macron e dos outros é uma porcaria, por isso eu não pretendo votar", argumenta Mehdi, com uma ponta dúvida. "Mas, se mudar de ideia, vai ser em Mélenchon, porque acredito que ele é sincero em seu programa, no que diz e mais próximo da população", destaca o eleitor. "Talvez ele consiga mudar alguma coisa." 

Militantes ausentes das ruas

Em campanhas passadas, militantes dos partidos distribuíam folhetos com os programas dos candidatos nas feiras livres e pontos de grande circulação. Em 2022, eles praticamente desapareceram do centro de Marselha. Os poucos militantes envolvidos na campanha têm privilegiado o porta-a-porta na zona norte da cidade, onde moram 250 mil pessoas, a maioria descendentes de imigrantes originários de ex-colônias francesas na África. Essa população carente vota pouco, por falta de identificação com os candidatos.

Os militantes de partidos políticos já não distribuem mais folhetos de candidatos nas feiras livres de Marselha, como acontecia no passado.
Os militantes de partidos políticos já não distribuem mais folhetos de candidatos nas feiras livres de Marselha, como acontecia no passado. © Adriana Moysés/RFI

O aposentado Jean-Pierre, 74 anos, atribui a atmosfera eleitoral morosa ao desinteresse pela votação. Conversando com o amigo Thierry, que tem uma barraca de venda de "paella", o prato típico espanhol, na feira do bairro da Castellane, no 6° distrito de Marselha, o aposentado deu sua versão sobre o clima eleitoral:

"Desde as últimas eleições, a gente não vê mais ninguém nas ruas, não tem mais militantes. Antigamente, eles ficavam na saída do metrô, mas agora não se vê mais ninguém. Além disso, as pessoas estão cheias, cansadas da política. Tenho a impressão de que há cada vez menos militantes. Acho que eles também não acreditam mais na política. Esse é o meu sentimento, talvez eu esteja enganado, mas é o que eu constato diariamente. Acho que haverá uma enorme, enorme abstenção na eleição. As pessoas estão fartas desses grandes mentirosos e não acreditam mais na política. Mesmo assim, eu ainda me interesso."

O presidente Emmanuel Macron, que ainda não conseguiu estabelecer sua influência política em Marselha, e terminou em terceiro lugar no primeiro turno em 2017, atrás de Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa), da esquerda radical, e de Marine Le Pen (Reunião Nacional), de extrema direita, desta vez preparou o terreno para a campanha da reeleição. 

Em setembro passado, Macron anunciou um plano de investimentos de € 3,6 bilhões em Marselha, para a renovação das infraestruturas em estado precário. O pacote destina verbas para a reforma de escolas, ampliação de hospitais, melhoria do transporte público e reabilitação de prédios de moradia popular em estado de abandono. 

Na avaliação do aposentado Jean-Pierre, esse pacote bilionário não irá impressionar os eleitores de Marselha: 

"Macron gosta muito de Marselha, ele ama Marselha. Mas como todo presidente, ele fala mais do que faz, promete muito dinheiro, mas a gente não vê a cidade melhorar. É esse o problema. Ele vive em Paris e não conhece os problemas que nós enfrentamos aqui. Na minha opinião, o maior problema de Marselha é a delinquência. Mas os candidatos prometem, prometem e não fazem nada. Eu vou votar, mas certamente em branco, porque não quero que ele seja reeleito. Macron e seus amigos de governo devem todos ir embora." 

Na feira de pescadores autônomos do Vieux Port, Cécile, 32 anos, dona de um ponto de venda, quer uma mudança no governo e sabe perfeitamente em quem não vai votar. "Eu não vou votar em Macron, isso eu tenho certeza; está claro que não quero o mesmo (presidente)."

O mercado de peixe do Vieux Port, em Marselha.
O mercado de peixe do Vieux Port, em Marselha. © Adriana Moysés/RFI

O setor da hotelaria e de restaurantes, que sofreu com a perda de clientes durante a pandemia de Covid-19, está na expectativa de saber se terá uma temporada de primavera-verão menos tumultuada em 2022. 

"Onde vamos parar?", pergunta eleitor

Nadal, filho de pai tunisiano e mãe francesa, gerente de um café-restaurante nos arredores do Vieux Port, diz que vai votar, mas ainda não fez sua escolha definitiva. Sua principal preocupação é com a perda de poder aquisitivo dos franceses. "Os preços aumentaram muito e está ficando difícil para os comerciantes porque a clientela mudou", relata. Segundo Nadal, quando as pessoas ganham um pouco de dinheiro, elas procuram economizar. "Eu espero que aconteça uma boa mudança, que todo mundo tenha um trabalho", diz. "A atmosfera está muito negativa, infelizmente: primeiro veio a Covid, depois a guerra, onde vamos parar?", questiona o gerente.  

Aurore, 30 anos, ativista na Ong WWF, disse à reportagem que vai votar sem grandes expectativas de mudança. "Para mim, os políticos são todos iguais e não vão conseguir mudar muita coisa", afirma. "A pessoa que chega no poder sofre muitas pressões e por mais que tente mudar o mundo, a realidade é mais complicada", diz. Para ilustrar sua argumentação, ela aponta a situação do atual presidente da República. "Basta olhar o que está acontecendo com o Macron, que está pagando um preço alto e não sei se outro faria melhor do que ele", estima Aurore. 

Macron é o presidente mais jovem que os franceses já elegeram. Com um programa reformista de centro, ele tentou se posicionar acima das rivalidades entre a direita e a esquerda, em 2017, mas termina o mandato criticado por todas as forças do espectro político.

Jovens criticam candidatos que tentam dividir o país 

A retórica identitária e xenófoba dos dois candidatos de extrema direita, Marine Le Pen e Éric Zemmour, que opõem franceses brancos, cristãos, aos descendentes da imigração magrebina, em sua maioria muçulmanos, é criticada por eleitores por buscar dividir o país, como destacou a estudante de Direito Victoria, 24 anos, mais preocupada com seu futuro profissional. "Acho que tem muita gente falando o tempo todo de problemas de identidade, de problemas entre as comunidades, quando o importante é a economia, que todos tenham um trabalho e a gente possa ser feliz", diz Victoria, "não ficar aí tentando dividir os outros", complementa. 

Ao lado de Victoria, a estudante Emma, colega na mesma faculdade de Direito, afirma que seus amigos vão votar com a mesma preocupação. Mas ela vem de uma cidade pequena onde a visão conservadora é dominante. "Meus amigos vão votar, mas eu moro num pequeno vilarejo do sul onde as pessoas têm a tendência de votar mais na direita e na extrema direita, enquanto em cidades maiores e com um nível de ensino superior, as opiniões são mais moderadas."

Em uma cidade onde um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza, com menos de € 1.100 por mês, cerca de R$ 5.800, "o mais importante é combater as desigualdades", considera o web designer e desenvolvedor free-lance Maxime, 24 anos. "Se a riqueza fosse mais bem distribuída, todos os problemas relacionados com a imigração e o desemprego não existiriam", acredita o jovem. "No primeiro turno, eu vou votar num pequeno candidato e no segundo, a escolha recairá sobre o menos ruim, o que não é nada excitante", observa Maxime.

Ao lado dele, Clara, designer gráfica de 25 anos, conta que irá votar pela primeira vez. "Acho importante porque sou feminista e como mulher é importante votar neste país", sublinha. "Estou tentando fazer uma escolha que vá na direção dos meus valores, de mais igualdade, mas está difícil encontrar alguém que me corresponda", explica. "Sei que não irei votar em candidatos como Valérie Pécresse (direita) ou Éric Zemmour (extrema direita), mas mesmo nos partidos de esquerda existem problemas", nota com certa decepção. 

Perdidos a poucos dias da votação

Esta indefinição aparece na fala de inúmeros eleitores. Cyril, um taxista de 44 anos, vê os marselheses "perdidos" nesta campanha presidencial. "Tem gente que queria votar em Marine Le Pen, mas não aprova o programa completo", diz. "Macron está bem nesse momento, em tudo o que ele faz pela Ucrânia, mas tem um balanço de governo catastrófico", opina o taxista. "Isso faz com que as pessoas estejam perdidas e percam o interesse em votar", conclui.   

Cyril, taxista em Marselha, vê os eleitores "perdidos" entre os programas dos candidatos.
Cyril, taxista em Marselha, vê os eleitores "perdidos" entre os programas dos candidatos. © RFI/Adriana Moysés

Alexandre, 33 anos, aderecista na Ópera de Marselha, pretende votar nos dois turnos e revelou à RFI suas expectativas em relação ao próximo dirigente do país. "O que eu espero do nosso futuro presidente ou presidenta é mais segurança, mais consideração em relação a todos os cidadãos, de todas as categorias sociais, e que a gente possa progredir depois de tudo o que aconteceu com a pandemia de Covid e a guerra na Ucrânia."

Apesar da insatisfação com a repetição dos candidatos, o número de inscritos para votar em 2022 aumentou em Marselha. Serão 20 mil eleitores a mais do que em 2017, mas isto não significa que irão depositar o voto na urna nos dias 10 e 24 de abril, quando acontecem o primeiro e o segundo turno. No próximo domingo, os especialistas vão estar atentos à taxa de abstenção, que pode ser determinante para a definição dos dois finalistas.

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