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Rendez-vous cultural

Museu de Lodève na França resgata historiografia da arte primitiva brasileira do século 20

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Tudo começou com um misterioso mecenas francês, que exige permanecer no anonimato. Ele convidou Ivonne Papin-Drastik, diretora do Museu de Lodève, no sul da França, a visitar sua curiosa e vasta coleção de pinturas brasileiras datadas do século 20. Fascinada pela originalidade e potência do que encontrou, a conservadora do patrimônio da instituição francesa catalogou, organizou e fez dialogar entre si 120 telas de 49 grandes nomes da arte primitiva brasileira na mostra "Brasil, Identidades".

"São Francisco", pintura de 1984 do ceramista, pintor e escultor brasileiro Antônio Baptista de Souza, conhecido como "Antônio Poteiro", em destaque no Museu de Lodève, no sul da França.
"São Francisco", pintura de 1984 do ceramista, pintor e escultor brasileiro Antônio Baptista de Souza, conhecido como "Antônio Poteiro", em destaque no Museu de Lodève, no sul da França. © J. Ardies/Y.Refalo/L.Reis
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Marcia Bechara, enviada especial a Lodève

Encrustrado em pleno vale do Larzac, em meio a tesouros arqueológicos que datam de mais de 500 milhões de anos, com uma coleção inigualável de fósseis que atravessam o Neolítico até as primeiras formas de agricultura desenvolvidas pela humanidade, o Museu de Lodève se impõe como uma parada obrigatória para turistas de todo o mundo no sul da França.

Inicialmente um Museu de Arte Moderna, Arqueologia, Paleontologia e Ciências Naturais, ele é hoje um dos poucos museus na França a exibir peças de um período tão vasto da história da Terra, usando apenas objetos de origem local.

"É uma área extremamente rica, especialmente em termos de paisagens. É muito raro ter isso. Em uma área tão pequena, ter uma história geológica tão longa, como em Lodève, que vai de 540 milhões de anos a 2 milhões de anos atrás, o que é algo absolutamente considerável", relata a diretora do Museu de Lodève, Ivonne Papin-Drastik. E é no meio de toda essa panaceia pré-histórica que ela decidiu erigir um verdadeiro monumento historiográfico à arte primitiva brasileira, cujos principais protagonistas continuam desconhecidos do grande público em seu país natal. 

À reportagem da RFI, ela contou não se supreender com isso. "Não me choca porque você não é a primeira a me dizer isso, há outros brasileiros que vieram, especialmente na noite do vernissage, e que me disseram a mesma coisa, que para eles foi uma descoberta", afirma Ivonne, fazendo um paralelo com seu próprio país.

"Acho que também é assim na França. Eu não conheço necessariamente os artistas que são um pouco incomuns e acho que todos nós estamos realmente formatados para conhecer uma certa história da arte, mas talvez não necessariamente as outras. E é contra isso que estou lutando. Para mim, há sempre um pouco de reivindicação em relação a uma forma de arte que é um pouco menos conhecida", disse.

Para Papin-Drastik, "há um desejo de romper barreiras". "A arte primitiva é vista como menos importante, ou de uma forma menos prestigiosa do que a arte acadêmica. Portanto, há um desejo de dizer não a isso, porque esses artistas também têm coisas a dizer", afirma a diretora do Museu de Lodève.

"O que também me interessou foi sublinhar o vínculo da arte primitiva brasileira com o Museu de Lodève, o que significa que esses artistas estão imersos em sua própria cultura, no contexto de toda a diversidade cultural e geográfica que compõem o Brasil. Eu realmente achei interessante ir além de considerações como 'esse pintor sabe pintar bem ou não?' 'Será que ele domina a técnica da perspectiva?' Não é disso que trata essa exposição. Ela conta a história de como esses artistas se apropriam, ou, de alguma forma, transmitem um tipo de memória", argumenta.

Territórios & imaginários

Ivonne Papin-Drastik contou como organizou e fez dialogar as telas de grandes nomes da arte primitiva brasileira, como Silvia (1905-1987), Chico da Silva (1922-1983), Maria Auxiliadora (1935-1974), José Antônio da Silva (1909-1996), Ranchinho (1923-2003), Lia Mittarakis (1934-1998) ou Antônio Poteiro (1925-2010): "criei três temas principais em torno dessa noção de território. Um território geográfico, um território cultural e depois um território mais abstrato que chamei de imaginário porque, nessa seção, encontramos pintores que têm um universo muito pessoal, com um vocabulário muito idílico, além das outras seções que falam mais de fauna e flora, da água, da cidade e de manifestações como o sincretismo religioso".

Ivonne Papin-Drastik, diretora do Museu de Lodève, no sul da França, e curadora da exposição "Brasil, Identidades", que resgata a historiografia da arte primitiva brasileira do século 20.
Ivonne Papin-Drastik, diretora do Museu de Lodève, no sul da França, e curadora da exposição "Brasil, Identidades", que resgata a historiografia da arte primitiva brasileira do século 20. © RFI/Marcia Bechara

"O que me chama a atenção é exatamente essa diversidade de paleta e pictoral... O que também acho surpreendente é o aspecto muito alegre dessa pintura, que se expressa com tons muito brilhantes, cores muito abundantes e assim por diante, ao mesmo tempo que, muitas vezes, trata de assuntos que são sérios, e isso é o que acho que mais me surpreendeu", conta a curadora da exposição.

Sobre a reação dos franceses à coleção exposta, ela afirma que, além de uma mostra, os visitantes que passam pelo museu desta pequena cidade de sete mil habitantes descobrem, mais do que pinturas, a diversidade de um país. "Ainda não tive tempo de parar para ouvir direito o feedback dos visitantes franceses, mas tenho a impressão de que o que os surpreende também é a descoberta, porque trata-se realmente disso, de uma descoberta; em outras palavras, tenho a impressão de que o público está descobrindo não apenas pintores, mas também um país e talvez sua riqueza, por meio desses pintores. E esse também foi o objetivo dessa exposição", finaliza Ivonne Papin-Drastik.

A exposição "Brasil, Identidades" fica em cartaz no Museu de Lodève, no sul da França, até 21 de abril de 2024.

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