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Rendez-vous cultural

Mostra revela a Normandia como palco desconhecido do tráfico negreiro e a presença do pau-brasil

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A região da Normandia, no noroeste da França, organiza uma exposição em quatro partes divididas por três cidades – Rouen, Honfleur e o Havre. A mostra “Escravidão, memórias normadas”, em cartaz até 10 de novembro, mostra o papel ativo da Normandia no tráfico de escravos.

No Havre, dois museus fazem parte do ciclo "Escravidão, memórias normandas".
No Havre, dois museus fazem parte do ciclo "Escravidão, memórias normandas". © Anne-Bettina Brunet
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Patrícia Moribe, enviada especial da RFI à Normandia

Rouen, Honfleur e o Havre são cidades portuárias, pitorescas e turísticas. Mas por trás da história do enriquecimento dessas cidades, está a ativa participação no nefasto tráfico negreiro.

A França foi um dos países mais ativos no tráfico negreiro durante os séculos XVII e XVIII, principalmente nas regiões do Caribe e da América do Norte, onde ficavam suas colônias.

As estimativas são de que a França tenha transportando aproximadamente 1,4 milhão de africanos escravizados para suas colônias nas Américas.

“Há uma grande demanda na Europa Ocidental por produtos supérfluos, de luxo, como açúcar, café, algodão e cacau”, explica a curadora Emmanuelle Riand. “Os franceses se dão conta que os territórios ocupados nas Índias Ocidentais parecem propícios ao cultivo desses bens. [Mas] rapidamente percebemos que não podemos mobilizar as populações locais porque elas são dizimadas muito rapidamente”, acrescenta.

Tornozeleiras usadas em negros escravizados.Exposição em Rouen, 09/06/23.
Tornozeleiras usadas em negros escravizados.Exposição em Rouen, 09/06/23. © Patricia Moribe / RFI

Os franceses buscam, na sequência, outras fontes de mão de obra. “Primeiro, tenta-se na própria Franca, com trabalhadores contratados – franceses ou europeus – enviados por três anos”, explica Riand. “Mas rapidamente percebe-se que essa força de trabalho não é resistente o suficiente, pois as condições de trabalho são muito difíceis. E foi mais ou menos na época em que o rei Luís XII autorizou o comércio de escravos. Assim começamos a praticar deportações sistemáticas de cativos da África para as Américas”.

A cidade de Nantes, no oeste da França, foi um dos principais centros do comércio de escravos, com navios partindo de lá em direção à África para comprar e transportar escravos. A exposição na Normandia traz à luz a participação de cidades portuárias da região no comércio de negros escravizados.

"Madeira de brasa"

O tráfico negreiro organizado pelos franceses foi essencialmente direcionado às suas próprias colônias. No entanto, o comércio transatlântico levou à descoberta de matérias até então desconhecidas, como o pau-brasil, que era chamado de madeira de brasa. Na exposição de Rouen, uma peça esculpida em pau-brasil retrata uma festa tupinambá realizada na cidade.

Fachada em pau-brasil, esculpida por volta de 1550, em Rouen, exibida na exposição "Escravidão, Memórias Normandas" (09/06/23).
Fachada em pau-brasil, esculpida por volta de 1550, em Rouen, exibida na exposição "Escravidão, Memórias Normandas" (09/06/23). © Patricia Moribe / RFI

“Esta peça pertence à coleção do Museu de Antiguidades de Rouen”, explica Mathilde Schneider, co-comissária da exposição. “Ela foi certamente esculpida por ocasião da chegada de um navio em 1550. Foi quando as autoridades de Rouen reconstituíram um vilarejo tupinambá na atual margem esquerda da cidade. Esta aldeia era para mostrar ao rei até que ponto os normandos já se dedicavam ao comércio do que chamamos madeira de brasa, que deu o nome ao Brasil, claro. O painel foi esculpido por um artista normando, com uma estética completamente maneirista retratando os nativos e os representantes europeus. Podemos ver a madeira derrubada que vai ser carregada em barcos e depois nas caravelas ao fundo. Essa madeira chega à Normandia onde vai ser triturada e usada para tingir de vermelhos os tecidos como linho e, depois, o algodão”.

"Festa brasileira", reprodução de um manuscrito sobre a chegada do rei henri II, à Rouen, em 1° de outubro de 1550. Rouen, 9/06/23.
"Festa brasileira", reprodução de um manuscrito sobre a chegada do rei henri II, à Rouen, em 1° de outubro de 1550. Rouen, 9/06/23. © Patricia Moribe / RFI

As exposições nas três cidades remetem constantemente à história da escravidão no Brasil. Há relatos sobre famílias e cidades que enriqueceram às custas dos negros, documentos de contabilidade com números de cativos e valores. Há coleiras, algemas, tornozeleiras e muitos relatos de maus tratos.

Os documentos originais também mostram os famigerados navios negreiros e sua evolução no tempo, pois no início eram navios de segunda mão, adaptados para separar os brancos dos negros, e depois embarcações feitas especialmente para o tráfico.

Detalhe de instalação de Emmanuelle Gall, inspirada por relatos de sua tia-bisavó escrava, em Rouen. 09/06/23
Detalhe de instalação de Emmanuelle Gall, inspirada por relatos de sua tia-bisavó escrava, em Rouen. 09/06/23 © Patricia Moribe / RFI

Para fazer um contraponto artístico, os organizadores convidaram artistas contemporâneos para “dialogar” com os objetos históricos, por meio de instalações, vídeos e fotografias.

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