Irreverência e vanguarda marcam retrospectiva da estilista Elsa Schiaparelli em Paris
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“Shocking!”, ou “Chocante!”, é a mostra em cartaz no Museu de Artes Decorativas, de Paris, sobre o trabalho da estilista italiana Elsa Schiaparelli (1890-1973), quase 20 anos depois da última grande retrospectiva (2004) sobre a designer de moda.
Elsa Schiaparelli foi um dos grandes nomes da vanguarda parisiense dos anos 1920 e 1930. Exuberante e inovadora, ela criou peças icônicas, como um chapéu na forma de sapato, luvas com apliques imitando unhas coloridas, além de batizar e popularizar uma cor – o rosa-choque.
Schiaparelli nasceu em 1890, em Roma, em uma família de acadêmicos e aristocratas – o tio astrônomo Giovanni Schiaparelli foi homenageado em 2016, dando nome a uma sonda europeia lançada em direção a Marte. Viajando pela Europa, Elsa conhece o futuro marido, o conde William de Wendt de Kerlor, com quem se casa em 1914. O casal se instala em Nova York e depois em Boston. Nos Estados Unidos, ela conhece os artistas Marcel Duchamp e Man Ray.
Schiaparelli deixa o marido mulherengo e volta para a Europa com a filha do casal, Gogo, no começo dos anos 1920. Em Paris, fica amiga dos dadaístas e tem como mentor o estilista francês Paul Poiret. Em 1927, ela apresenta sua primeira coleção, tendo como destaques peças em malha tecidas com ilustrações de ilusão de ótica, como gravatas e laços, hoje um design tão banalizado. Ela tem colaborações de artistas como Jean Cocteau e Salvador Dalí, mas foi rival histórica de Coco Chanel, com quem vivia trocando agulhadas.
“Estrangeira e italiana, ela se projeta na primeira metade do século 20, em uma cultura de moda necessariamente francesa”, ressalta Suzana Avelar, professora doutora dos cursos de graduação e mestrado em Têxtil e Moda (USP). “É um momento em que Paris recebe tantas pessoas do mundo todo, principalmente da Europa, bem como artistas das vanguardas modernas – e Elsa Schiaparelli faz parte desse grupo extenso de pessoas que vêm das artes, design e moda. Ela convive e está de acordo com essas notórias vanguardas”, acrescenta.
Além de subverter a função das roupas, Schiaparelli vai trabalhar outras fibras, não só as naturais, explorando materiais sintéticos e químicos. “Tanto ela, quanto Chanel, trazem isso para a alta costura”, diz a historiadora, que cita ainda uma coleção de estampas circenses, onde mais uma vez Schiaparelli contempla situações do cotidiano.
“A gente vê a moda como um reflexo da cultura, mas na verdade é preciso entender a moda como elemento de composição na nossa cultura”, observa a historiadora. “A moda é o que torna o nosso corpo culturalmente visível, como citam várias teóricas como Kaja Silverman e Elizabeth Wilson. Mulheres como Elsa Schiaparelli, Coco Chanel e madame Grès tornam o corpo da mulher visível, mas do ponto de vista das próprias mulheres”, explica Suzana Avelar.
Depois do apogeu entre as duas grandes guerras, a grife Schiaparelli viveu uma fase de declínio. A maison apresentou sua última coleção em 1954 e fechou as portas pouco depois. Elsa Schiaparelli morreu em 1973, em Paris, aos 83 anos.
A marca Schiaparelli caiu em desuso durante algumas décadas, até ser comprada pelo italiano Diego Della Valle em 2007 e relançada com estardalhaço em 2012. Em 2019, o estilista texano Daniel Roseberry, 33 anos, foi escolhido para ser o novo diretor artístico da casa.
Desde então a grife passou a frequentar os holofotes com frequência. Lady Gaga vestiu uma criação quando cantou o hino nacional em Washington para a posse de Joe Biden, em janeiro de 2021. Assim como a cantora Beyoncé, quando recebeu seu 28° prêmio Grammy, em março do ano passado, ou a modelo Bella Hadid, no tapete vermelho de Cannes, também em 2021. E, mais recentemente, Anitta vestiu um Schiaparelli vermelho e ousado para receber o prêmio VMA (Video Music Awards) por "Envolver", em Newark (Nova Jérsey), no dia 28 de agosto.
O Museu de Artes Decorativas de Paris, uma referência em design, reuniu 520 peças para a exposição, incluindo vestidos, acessórios, objetos de decoração, quadros e fotografias assinadas por grandes nomes da época. Há peças emprestadas, como o vestido com estampa de lagosta, uma colaboração com Salvador Dali, do Museu de Arte da Filadélfia (EUA).
Ao lado de peças originais, a retrospectiva mostra a influência de Schiaparelli sobre estilistas que vieram na sequência, como Yves Saint Laurent, Azzedine Alaïa, John Galliano, Jean-Paul Gaultier e Christian Lacroix. Saint-Laurent já revistou o rosa-choque, por exemplo, enquanto Galliano se inspirou nas gravatas com estampas de jornal para criar tailleurs. E é impossível não se lembrar das embalagens de perfume de Gaultier diante dos frascos de Schiaparelli, principalmente do mítico Shocking, de 1937.
A filha da designer casou-se com um americano e teve duas filhas, a modelo e atriz Marisa Berenson (“Cabaré”, “Barry Lindon”, entre outros) e a modelo e fotógrafa Berry Berenson, que morreu aos 53 anos em um dos aviões sequetrados por terroristas em 11 de setembro de 2001, em Nova York.
“Shocking! – os mundos surrealistas de Elsa Schiaparelli” fica em cartaz até 22 de janeiro de 2023, no Museu de Artes Decorativas de Paris.
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