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Rendez-vous cultural

Exposição em Paris revela a força da diáspora judaica portuguesa no Brasil

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Em 1497, a comunidade judaica em Portugal foi batizada à força na fé católica. A perseguição deu início a um longo período de imigração forçada para estes "novos cristãos", que se intensificou com o estabelecimento da Inquisição portuguesa, em 1536. Mas essa diáspora marcou territórios e continentes por onde passou, interagindo como agente criador desse "Novo Mundo", como conta a exposição em Paris “Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação”.

Lívia Parnes, historiadora e curadora da exposição  “Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação (séculos XV-XXI)”, em cartaz na subprefeitura do 3° distrito de Paris, 15 de junho de 2022.
Lívia Parnes, historiadora e curadora da exposição “Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação (séculos XV-XXI)”, em cartaz na subprefeitura do 3° distrito de Paris, 15 de junho de 2022. © RFI/Marcia Bechara
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Do século 16 ao 18, a diáspora judaico-portuguesa esteve no centro das profundas transformações sócio-econômicas, religiosas e intelectuais do mundo europeu e participou do surgimento de uma "certa modernidade" no Ocidente.

Mas que ameaça os judeus representavam para o poder e a sociedade portuguesa no final do século XV, a ponto de serem perseguidos e fugirem numa diáspora global? “Na verdade, os judeus não representavam nenhuma ameaça para a Coroa portuguesa, muito pelo contrário", explica Livia Parnes, historiadora especializada na história judaica e curadora da exposição “Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação”, em cartaz na subprefeitura do 3° distrito da capital francesa.

"A Coroa portuguesa, desde a fundação de sua monarquia, foi estabelecida a partir da integração de judeus em Portugal; podemos dizer que tudo que era administração da Coroa ou finanças recaía sobre os judeus, dos quais havia dinastias inteiras que coletavam impostos para o Rei”, diz Parnes. Segundo ela, o problema “começa em Portugal, alguns anos após a expulsão dos judeus da Espanha”.

“Depois de 1492, muitos judeus espanhóis se refugiam em Portugal, especialmente os mais ricos. Os que ficavam se tornavam escravos", relata a historiadora. "Mas o grande problema começa em 1496 quando o Rei português contrai um contrato de casamento com a filha dos reis católicos da Espanha. Uma das cláusulas dessa união era expulsar os judeus. Um decreto de “pureza do sangue” destinado a essa expulsão é então emitido em Portugal. Como cerca de 10% da população portuguesa era judia, e a economia portuguesa dependia de uma certa classe de judeus portugueses, o Rei decide suprimir a existência do judaísmo, sem expulsar os judeus”, diz.

A solução foi então a conversão forçada de todos os judeus de Portugal. Eles se tornarão os novos cristãos e poderão ter acesso a diversas profissões que eram proibidas aos judeus. A raiva e o preconceito anteriores contra os judeus, foram então acrescidos de uma inveja, conta a historiadora. “Haverá um massacre de judeus em Lisboa em 1506”, lembra Parnes.

"Ao mesmo tempo, o que é extraordinário em Portugal é que o Rei queria que esses novos cristãos fossem assimilados à sociedade portuguesa. Eles proíbem o judaísmo oficialmente, mas permitem que vivenciem sua fé tranquilamente e secretamente em suas vidas privadas, praticando uma forma de judaísmo”, detalha a curadora da exposição, idealizada pela editora francesa Chandeigne, especializada em literatura de língua portuguesa na França.

Primeira sinagoga do continente em Recife, no Brasil, fruto da diáspora judaica portuguesa instalada no país.
Primeira sinagoga do continente em Recife, no Brasil, fruto da diáspora judaica portuguesa instalada no país. © DR

“Em 1536, começa a Inquisição em Portugal, e, neste momento, todos os novos cristãos, mesmo aqueles que já haviam perdido contato com o judaísmo, serão suspeitos de ‘judaizar’, de serem ‘cripto-judeus’, ou seja, de praticar o judaísmo em segredo, e então começam os três séculos de Inquisição e perseguições ferozes em Portugal, que serão depois estendidas às colônias portuguesas”, relata a historiadora. 

Os "novos cristãos" no Brasil

“Desde que os portugueses chegam ao Brasil para colonizar este vasto território, os ‘novos cristãos’, que já tinham experiência com a cultura da cana de açúcar, farão parte dos primeiros colonos que importarão essa cultura da ilha da Madeira para o Nordeste brasileiro, criando os famosos “engenhos”. Eles participarão de toda a produção e a comercialização da cana de açúcar, eles serão os grandes senhores dessa ‘indústria’, sendo, evidentemente e infelizmente, envolvidos no tráfico negreiro. Uma grande quantidade de escravos era necessária para fazer funcionar os engenhos de cana de açúcar”, conta Livia Parnes.

O Brasil parecia, a princípio, o local ideal para se fugir da terrível Inquisição. “O que vai acontecer é que, no começo, no Brasil, eles estam longe da Inquisição, mas a Inquisição vai conseguir chegar até eles...", lembra a historiadora. "Haverá visitas da Igreja Católica no país que vai deixá-los inquietos e que vai levá-los a Lisboa para serem julgados. No século 17, em 1630, serão os holandeses com a Companhia das Índias Ocidentais que vão conquistar o Nordeste brasileiro, criando um momento de descanso e alívio para esses novos cristãos, que poderão retornar ao Judaismo. É dessa época que data a fundação da primeira sinagoga no continente americano, em Recife, na ‘rua dos Judeus’, que antes era a rua do Bom Jesus”, relata.  

No Brasil, a calmaria durou pouco, cerca de 25 anos. “Com o retorno dos portugueses ao Brasil, haverá um novo êxodo, um novo período de perseguições que vai durar até o século 18. Mas entre esses novos cristãos, que voltaram a ser judeus e que serão obrigados a partir do Brasil, alguns irão à chamada ‘Nova Amsterdã’, que se tornará posteriormente a cidade de Nova York. A primeira comunidade judaica do continente americano, é, portanto, uma comunidade de judeus vindos do Brasil”, conclui a curadora.

A exposição “Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação (séculos XV-XXI)” fica em cartaz em Paris dentro da programação do Festival de Culturas Judaicas até o dia 4 de julho de 2022.

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