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Rendez-vous cultural

Mostra "Picasso, o estrangeiro" em Paris expõe relação ambígua da França com refugiados e artistas

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Picasso é um monumento nacional na França. No entanto, nem sempre foi assim. Pouca gente sabe, mas a França recusou, em plena Segunda Guerra Mundial, o pedido de cidadania francesa do gênio espanhol, que nunca foi renovado. Em 1901, Picasso foi registrado na polícia francesa como "anarquista" e, por 40 anos, foi visto na França com suspeita por ser estrangeiro e um "esquerdista". Até 1949, sua obra, embora celebrada no mundo ocidental, incluía apenas duas pinturas nas coleções francesas. 

Carta enviada por Picasso para um pedido de naturalização francesa, em 1940.
Carta enviada por Picasso para um pedido de naturalização francesa, em 1940. © Archives de la Préfecture de Police de Paris.
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"Sempre temos ideias exageradas sobre o que não conhecemos"    (O Estrangeiro, Albert Camus)

Para a curadora da exposição, a historiadora Annie Cohen-Solal, cujo livro "Um Estrangeiro chamado Picasso" acaba de ter os direitos comprados pela Editora Record no Brasil, o contexto vivido pelo artista espanhol na França moldou sua obra.

"É capital compreender as condições de vida de um artista. Primeiro é preciso compreender as condições de vida de um artista para entender a obra que ele produz. Picasso sempre subverteu tradições, foi um homem de avant garde por excelência, e a França, que é um país extremamente tradicional, tentou 'prender' Picasso nos cânones da Academia de Belas Artes, numa abordagem formalista", avalia Cohen-Solal, curadora da exposição "Picasso, o Estrangeiro", no Museu da História da Imigração de Paris.

"O que se questionava na época é quando ele passaria do período rosa ao azul, do cubismo analítico ao sintético... Para mim, estas problemáticas representam o oposto ao que vivia Picasso", aponta a historiadora. "Ele foi alguém que chegou da Espanha com 18 anos com uma cultura plural, que entra num país extremamente tradicional, centralizado e arrogante e que enfrentou rejeições, crises e guerras. Ele construiu sua obra estética neste contexto, ou seja, na França do século 20. Um país que vive crises de xenofobia profundas, com duas instituições muito poderosas, a famosa Polícia dos Estrangeiros de um lado, e a Academia de Belas Artes de outro", diz Cohen-Solal.

Cartaz da exposição Picasso
Cartaz da exposição Picasso © RMN-Grand Palais (Musée national Picasso-Paris) / Adrien Didierjean

A curadora lembra que essa ambiguidade da França com relação aos migrantes é histórica. "Nossa história nos lembra que existe sempre duas Franças na França: um país de acolhimento, aberto a tudo que é mais irregular, e um buraco grosseiro que ainda sonha em fechar portas e janelas", dispara.

"Agora estamos em plena campanha presidencial e toda essa direita, que tinha uma certa abertura, está agora completamente focada na rejeição aos outros, aos direitos dos imigrantes. É de uma violência incrível... Temos 40% da população francesa que sonha apenas em poder rejeitar os imigrantes", contextualiza Annie Cohen-Solal.

Entre acolhimento e rejeição, a curadora acusa o formalismo francês de ter fechado portas para Picasso em Paris. "Picasso foi sufocado pelas pessoas da Academia de Belas Artes na França, pessoas que o haviam inclusive proibido de ter visibilidade até 1947. Aqueles que tiveram um olhar original, aberto e interdisciplinar sobre o artista foram os alemães. Os historiadores de arte alemães eram muito cultos, viajados, que haviam aprendido várias línguas, que passaram pela Antropologia, pela Linguística. Não os franceses. Os franceses pensavam que, na arte, era imperativo impor o bom-gosto francês, que vinha da época de Luís 14", diz, em relação ao monarca que reinou no século 17.

Para a jovem arquiteta Alexianne que visitou a mostra no Museu da História da Imigração de Paris, a exposição foi reveladora. "Em outros museus podemos ver Picasso em diversos períodos artísticos, e aqui o conhecemos através de sua vida. Acho bem interessante ver esse outro ponto de vista", diz. "Gostei bastante dos murais da exposição na entrada, com palavras ou mesmo manuscritos, isso traz uma outra vida, e os painéis descritivos sob a forma de diários são bastante interessantes", avalia.

A exposição Picasso, o Estrangeiro fica em cartaz no Museu da História da Imigração de Paris até 13 de fevereiro de 2022. 

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