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Radar econômico

Reforma da Previdência de Macron falha ao ignorar falta de empregos para os mais velhos

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O presidente francês, Emmanuel Macron, enfrenta um dos maiores testes do seu governo, o de aprovar uma reforma da Previdência que visa a aumentar a idade mínima para a aposentadoria dos atuais 62 para 64 anos no país. O projeto enfrenta forte rejeição da opinião pública – entre outras razões, por dar pouca atenção para um aspecto crucial dessa transição, melhorar o mercado de trabalho e combater o desemprego entre os ativos com mais de 55 anos.

Sindicalista participa de protesto contra o plano de reforma previdenciária do governo francês, em Nice. (7 de fevereiro de 2023)
Sindicalista participa de protesto contra o plano de reforma previdenciária do governo francês, em Nice. (7 de fevereiro de 2023) REUTERS - ERIC GAILLARD
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Atualmente, apenas um terço das pessoas acima de 60 anos tem uma vaga na França, e 75% daquelas com idade entre 55 e 60 anos. O texto que está sendo analisado pelo Parlamento instaura um dispositivo inédito para obrigar as empresas a monitorarem e divulgarem os dados sobre a porcentagem de empregados nas faixas etárias mais elevadas. As empresas com mais de 300 funcionários também deverão informar o que está sendo feito para contratar pessoas mais velhas e mantê-las em boas condições de trabalho.

O problema, na visão de Bruno Palier, um dos maiores especialistas em proteção social do país, é que a medida não vem acompanhada de políticas públicas para garantir a empregabilidade ao longo de toda a vida, ao contrário do que promovem os países escandinavos ou a vizinha Alemanha – onde a idade mínima para se aposentar já é mais elevada.

“O principal são duas coisas: primeiro, políticas de qualificação, permitindo aos mais velhos de continuar a se formar. Na França, é muito difícil os empregadores darem acesso a cursos para os funcionários a partir de 50 anos, enquanto que, na Alemanha, os empregados da indústria, por exemplo, continuam se formando com 55 ou 60 anos”, explica o diretor de pesquisas no Centro de Pesquisas Europeias da Sciences Po de Paris. "E o segundo elemento indispensável é melhorar as condições de trabalho, de modo que seja possível resistir às dificuldades físicas e psicológicas do emprego e estar em forma por mais tempo.”

Atividades adaptadas ao longo da vida

Medidas simples podem fazer a diferença. Na Suécia, onde 70% dos suecos com idade entre 60 e 64 anos ainda trabalham, as empresas têm salas de ginástica ou pagam academia para os funcionários, além de um ergonomista à disposição para escolher a melhor poltrona de trabalho conforme a idade e a função. A troca de atividade na última etapa da carreira, para aquelas que exigem mais esforço físico, também é facilitada.

Na Finlândia, uma ampla campanha de sensibilização para os “tesouros nacionais" – os trabalhadores experientes – foi promovida nos anos 1990, com estratégias para os planos de carreira e ajuda fiscal para as empresas melhorarem condições de trabalho ao longo dos anos.

Na França, ao contrário, o foco foi exaltar as dificuldades ligadas trabalho, para as quais a solução foi possibilitar a saída antecipada do cargo – liberando-o para um funcionário mais jovem.

"O que nós fizemos na França foi colocar pressão sobre os empregados e quando achamos que eles estão bastante pressionados e acabados, nós os dispensamos. É por isso que as empresas francesas continuam a demitir os mais velhos: porque acham que eles são caros demais e pouco produtivos, já que estão esgotados”, salienta o autor de obras como Réformer les retraites (Reformar as aposentadorias, em tradução livre). "Nós não buscamos manter a capacidade produtiva deles", afirma Palier, que já foi professor convidado de renomadas instituições como as universidades de Harvard e de Estocolmo.

Aumento da idade para a aposentadoria integral na França gera grande mobilização social pelo país, como em Nice. (6 de fevereiro de 2023)
Aumento da idade para a aposentadoria integral na França gera grande mobilização social pelo país, como em Nice. (6 de fevereiro de 2023) REUTERS - ERIC GAILLARD

“Descarte" antecipado

Uma das medidas previstas pelo projeto de reforma facilita, justamente, o “descarte" antecipado, ao ampliar a abertura de negociações entre o trabalhador e a empresa dois anos anos antes da data prevista para a aposentadoria. Uma solução comum é que ele mantenha o salário, mas só tenha de trabalhar em meio período. A mensagem, por trás, é sem piedade: os mais velhos mais atrapalham do que ajudam.

“A situação é muito binária na França: ou você está empregado e é pressionado o tempo todo, ou você é descartado e fica sem emprego. É por isso que os franceses não compreendem a mensagem quando o governo diz que eles vão precisar trabalhar mais tempo”, observa o pesquisador. "Uma grande parte dos que têm mais 55 anos não tem mais emprego e, mesmo assim, nos dizem que vamos precisar trabalhar mais. E a outra parte, o um terço dos que têm entre 60 e 62 anos e que ainda está empregado, fala: ‘mas eu não aguento mais!”, diz.

Bruno Palier afirma que uma das formas que têm se mostrado mais eficazes para manter os trabalhadores motivados, mesmo após décadas na mesma empresa, é horizontalizar a estrutura de gestão. Nos países nórdicos, mas também na Califórnia, nos Estados Unidos, um grande número de decisões ocorre dentro das equipes, e não de cima para baixo. Os funcionários mantêm, assim, a sensação de valorização tão importante para continuarem ativos.

“Mas a França manteve a velha estrutura vertical. As pessoas vão perdendo o sentido do trabalho, não têm mais reconhecimento, nem prazer. E, junto, aparecem mais problemas de saúde física e mental, decorrentes do trabalho”, constata o especialista.

As previsões do Conselho de Orientação das Aposentadorias (COR, na sigla em francês) alertam para o perigo dessa tendência: hoje, 17 milhões de aposentados franceses são financiados por 28,8 milhões de ativos, mas em 2050 o número de aposentados subirá para 23 milhões, com a parcela de ativos semelhante à atual.

 

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