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Radar econômico

Disparada de orgânicos na Europa sofre golpe da inflação e multiplicação da oferta

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Um círculo virtuoso inspirador está em plena crise na Europa. Nos últimos 10 anos, países da Europa experimentaram uma disparada da produção e das vendas de produtos orgânicos, em resposta ao interesse crescente dos consumidores em hábitos mais saudáveis e a proteção do meio ambiente. Mas o movimento levou a uma explosão da oferta que a demanda não conseguiu acompanhar – ainda mais no contexto de inflação alta, que tornou os produtos sem agrotóxicos ainda mais caros.  

Redes de supermercados ampliaram gama de produtos orgânicos nos últimos anos e agora são obrigadas a rever estratégia.
Redes de supermercados ampliaram gama de produtos orgânicos nos últimos anos e agora são obrigadas a rever estratégia. © https://www.lsa-conso.fr/
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Países como a França estão sentindo o baque. Com a ajuda de generosas subvenções, a área plantada com orgânicos dobrou no país entre 2017 e 2022, chegando a 2,78 milhões de hectares e tornando os franceses os maiores produtores do setor na União Europeia. A seção de orgânicos nos supermercados saiu de um canto da prateleira de hortifrutigranjeiros e se espalhou pelas mais variadas seções, dos produtos de limpeza aos temperos na culinária. Nas ruas, a quantidade de lojas especializadas crescia a olhos vistos – a rede Biocoop, líder no setor, passou a ter 700 filiais pelo país.

Do outro lado, porém, apenas 6% dos franceses passaram a consumir cotidianamente produtos orgânicos e somente 2% dos restaurantes ofereciam, no ano passado, pratos livres de agrotóxicos. A queda de 6,3% das vendas 2022 agora leva dezenas de produtores a questionar a conversão e voltar para a agricultura tradicional.

“Foi um mercado que só cresceu, com progressões a dois dígitos até 2019/ 2020. Porém, depois da pandemia as vendas começaram a cair e o mercado de orgânicos realmente teve uma reviravolta nos supermercados em 2021, e até mesmo nos mercados especializados em orgânicos”, afirma a especialista em hábitos de consumo no varejo Emily Mayer, diretora de estudos no Instituto de Pesquisa e Inovação (IRI). “Nós esperávamos uma desaceleração, afinal não se pode ter crescimento de dois dígitos para sempre, mas não esperávamos que entraria no vermelho.”

A saturação do mercado veio por diversas frentes. A multiplicação dos pontos de venda foi um aspecto crucial, mas a de ofertas também impactou negativamente. Do alimento orgânico, abriu-se o leque para produções com fabricação local, respeitosa dos animais, sem embalagens ou sem aditivos – características que podem se combinar, ou não, entre si. Na cabeça do consumidor, os conceitos se confundiram e o resultado foi uma perda de confiança.

“Os consumidores descobriram que os orgânicos nem sempre eram produzidos na França, que eles vinham em embalagens nem sempre respeitosas do meio ambiente, e até que os componentes nutricionais dos produtos orgânicos poderiam ser piores que os produtos ditos convencionais. Tudo isso fez muitos franceses se questionarem se valia mesmo a pena pagar mais caro por um produto orgânico”, observa Mayer.  

Na pequena Kelbongoo, instalada em uma rua simpática do 20º distrito de Paris, as vendas caíram 25%, abaladas pela inflação que chegou a 10% na França no segundo semestre do ano.

“Temos menos gente, as compras são menores. Com a inflação, tivemos que mudar os preços várias vezes. Tentamos ficar abaixo da taxa de inflação, mas é muito complicado”, lamenta o gerente Geoffroy Brothier.

No Kelbongoo do 20º distrito de Paris, vendas caíram 25% em 2022.
No Kelbongoo do 20º distrito de Paris, vendas caíram 25% em 2022. © Alexis Bédu/RFI

“O circuito curto e o orgânico sofrem pela imagem de serem caros. Percebemos que as pessoas vêm para ver se é possível comprar”, complementa Natacha Gan, diretora de marketing da rede, especializada em circuitos locais de produção. “Temos os nossos clientes fiéis, mas tem muitos que vem no começo do mês e, no fim do mês, eles estão com dificuldades e acabam voltando a comprar em supermercados mais baratos.”

Apesar dos contratempos, Emily Mayer não tem dúvidas de que essa fase representa uma transição para o amadurecimento de setor. Para ela, a preocupação com a qualidade sanitária e ambiental dos produtos veio para ficar no mercado europeu.

Pierrick De Ronne, presidente da rede Biocoop, também vê o horizonte com otimismo. Ele espera ainda mais apoio do governo francês para transformar o nicho dos orgânicos em um dos motores da transição ecológica.

“Acho que os consumidores voltarão cedo ou tarde. Estamos numa fase de acomodação do mercado, mas tenho certeza de que ele pode atingir 10 a 12% das vendas no varejo, ou seja, voltar a dobrar”, aposta.

As reportagens e entrevistas desta edição foram publicadas originalmente no programa Eco d’ici et d’ailleurs, da RFI em francês.

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