Acessar o conteúdo principal
Radar econômico

Guerra na Ucrânia dá ao Brics chance de relançar bloco de emergentes

Publicado em:

Há anos, divergências políticas enfraquecem o Brics, o grupo de potências emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Mas, agora, a ofensiva de Vladimir Putin na Ucrânia traz a oportunidade de o bloco resgatar a relevância internacional, ao evidenciar as relações comerciais cruciais entre os seus membros e com o resto do mundo, em meio à onda de sanções ocidentais a Moscou.

Reunião virtual do Brics durante a 13ª cúpula em Pequim, China, em 9 de setembro de 2021.
Reunião virtual do Brics durante a 13ª cúpula em Pequim, China, em 9 de setembro de 2021. AP - Yue Yuewei
Publicidade

O grupo se tornou a porta de escape para a Rússia contornar as drásticas medidas econômicas americanas e europeias. "O comércio intra-Brics, com um peso absolutamente preponderante da China, é muito relevante para os demais membros. Na verdade, o isolamento comercial não ocorre devido ao fato de a China ser o principal parceiro comercial do Brasil, importantíssimo para a Rússia e Africa do Sul, e um pouco menos relevante para a India”, resume a professora de Relações Internacionais Ana Garcia, coordenadora do Brics Policy Center, ligado à PUC-Rio.

Nos últimos anos, a ascensão de governos de extrema direita na Índia e no Brasil, o enfraquecimento das instituições multilaterais e o aumento das hostilidades entre Índia e Brasil com a China foram levando o Brics a segundo plano. Mas o conflito na Ucrânia dá a chance de o bloco se fortalecer enquanto organismo "não alinhado”, além de representar os interesses dos demais emergentes e países em desenvolvimento.

Guerra não interessa a ninguém

Os membros do Brics têm se esforçado para manter um posicionamento relativamente neutro sobre a guerra – se abstiveram na votação de condenação à Rússia na ONU e são contidos nas críticas a Putin.

"É bastante intrigante, mas há, sim, um relançamento de uma dinâmica dos países em desenvolvimento. Não que eles pensem que o conflito não lhes interessa, mas se unem em torno da ideia segundo a qual eles não tem que escolher um lado: o nosso lado é o desenvolvimento, do crescimento”, analisa o economista francês Jean-Joseph Boillot, autor de diversos livros sobre as potências emergentes, como Chindiafrique.

Boillot avalia que, para além das sanções ocidentais, que sufocam a economia russa, a pressão dos emergentes para o fim do conflito também deverá pesar para Putin acelerar o fim da ofensiva – que acentua os problemas de abastecimento alimentar e energético e eleva a inflação mundial.

“O mundo em desenvolvimento não quer guerra, e isso é muito claro. A razão é muito simples: ele é o que mais sofreu, em todos os pós-guerra. Ele percebe e já sente que essa lei da selva só pode lhes conduzir à miséria”, relembra o pesquisador francês.

“O que está acontecendo agora, com países como o Brasil, claro, mas também a China e a Índia, é provavelmente a constituição não de um grupo contrário à globalização, afinal não estamos mais nessa lógica e os países em desenvolvimento hoje representam um peso tão importante na economia mundial que se tornaram um ator completo. Mas, sim, de um grupo politico-econômico que vai ajudar a definir os contornos de uma economia mundial pós globalização dos anos 2000”, prevê.

Reposicionamento

Para Ana Garcia, não é exagero dizer que o conflito, ao envolver um dos países-fundadores do grupo, coloca o Brics no seu maior desafio em mais de 20 anos de criação.

"Sem dúvida nenhuma, a grande questão é se os Brics se recompõem e se reposicionam – mas, nesse caso, terão, sim, de apoiar a Rússia na saída dessa crise, e podemos ver a China atuar como um estabilizador global, como uma potência que vai conseguir guiar uma saída da crise”, afirma a professora da PUC-Rio. "Ou então, do lado inverso, é se os Brics não funcionarem mais como um agrupamento político e permanecerem simplesmente países emergentes, com mercados internos amplos, e com o seu Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), que hoje já expandiu para além dos cinco membros fundadores.”

A abertura do NDB para novos países, entretanto, tende a desacelerar, já que a Rússia não só é mais cautelosa em relação a esse projeto, como exige que não sejam incluídos países que já tenham adotado sanções contra algum dos sócios fundadores, observa Karin Vazquez, pesquisadora do Centro de Estudos sobre os Brics da Universidade de Fudan, em Shangai.

Fortalecimento do “Banco do Brics”

No começo de março, a instituição financeira decidiu congelar o financiamento de projetos na Rússia, apesar de o país ser um dos seus criadores, em 2015. Mas a medida está longe de representar qualquer tipo de sanção ao governo russo, assinala a pesquisadora.

“Esse não foi um movimento exclusivo do NDB, e sim se somou a uma ação coletiva de vários outros bancos multilaterais, diante das circunstâncias na Rússia”, disse Vazquez.

"É muito mais uma tentativa do NBD de se firmar como uma instituição financeira crível no mercado internacional, sendo bem avaliada. O NBD tem essa pretensão de se estabelecer como uma instituição financeira que vai emprestar para outros países, muito além dos membros fundadores, e emprestar para terceiros, ser aceito à mesa com as demais instituições internacionais”, complementa Garcia.

Vazquez ressalta ainda que o conflito poderá fortalecer a ideia de aumentar as transações nas moedas nacionais dos membros fundadores do bloco, um antigo projeto dos países do Brics.

"Essas discussões já vêm acontecendo entre a Rússia e a China. O yuan já é utilizado, mais do que o rublo, e essas discussões também acontecem no âmbito dos Brics”, explica a pesquisadora da Universidade de Fudan. "A proposta de criar um mecanismo de pagamentos em moedas locais já vem há alguns anos e tende a ganhar corpo diante da nova conjuntura mundial. O próprio NDB já tem feito empréstimos em moedas locais, como aqui na China e na África do Sul.”

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.