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A eleição de Lai Ching-te e o baile sino-americano em Taiwan

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A recente eleição presidencial de Taiwan, culminando na vitória de Lai Ching-te, uma figura considerada "perigosa" por Pequim, colocou a nação insular no centro de uma delicada dança geopolítica. Enquanto as tensões fervilham no Estreito de Taiwan, surge um sentimento cauteloso de otimismo, natural num período pós-eleitoral. No entanto, as reações de Pequim demonstram que um eventual otimismo pode durar pouco, pois a unificação inevitável, segundo a China, paira no ar.

A eleição de Lai Ching-te e o baile sino-americano em Taiwan
A eleição de Lai Ching-te e o baile sino-americano em Taiwan © Reuters
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Thiago de Aragão, analista político

Apesar das declarações pré-eleitorais de "esmagar os planos separatistas de independência de Taiwan'", após a vitória de Lai, a China adotou um tom relativamente conciliatório. Essa posição, embora frágil, é vital para manter a estabilidade na região. A retórica inflamada que tantas vezes caracterizou as relações entre os dois lados do Estreito se mostrou contraproducente, alienando os eleitores taiwaneses e complicando ainda mais uma resolução. Essa argumentação, por mais que esteja temporariamente dormente por conta do processo eleitoral, deverá voltar com tudo logo nas próximas semanas. A medida que um grupo de ex-membros do governo americano chega à ilha, a China sabe que não lhe resta outra alternativa nessa dança diplomática a não ser retomar as ameaças e o discurso de confrontação.

A vitória de Lai, embora alcançada com apenas 40% dos votos, sinaliza uma mensagem de desafio às táticas de pressão de Pequim. No entanto, o novo presidente também enfatizou seu compromisso com a paz e a estabilidade, reconhecendo a "importante responsabilidade" de gerenciar as relações com a China. Encontrar um equilíbrio entre afirmar o direito de Taiwan à autodeterminação e buscar o diálogo com o continente será um desafio decisivo para seu governo. Lai já deixou uma dica sobre como imagina conduzir a questão. Num comício pouco antes de sua vitória, afirmou que Taiwan não precisa declarar sua independência da China, pois já é independente. 

Os Estados Unidos se encontram em uma posição precária, reafirmando simultaneamente seu compromisso com a segurança de Taiwan e procurando evitar provocar desnecessariamente a China. A visita planejada de uma delegação de alto nível de ex-funcionários, embora respeitando o precedente, destaca a dança delicada que Washington deve realizar. Manter relações não oficiais com Taiwan requer uma calibração cuidadosa, garantindo apoio sem inflamar ainda mais as tensões. Esse é justamente um dos pontos de grande dificuldade. Chegamos num momento em que praticamente qualquer gesto ou ato dos EUA em relação a Taiwan, já é, por si só, uma provocação a Pequim. Essa posição americana é precária justamente porque não existem saídas para a situação atual. EUA, China e Taiwan sabem que não há no menu, pelo menos no futuro próximo, uma solução que satisfaça as três partes.

O atual cenário geopolítico em torno de Taiwan é indiscutivelmente inflamável e frágil. É imperativo que todas as partes reconheçam e respeitem as "linhas vermelhas" nas relações entre os dois lados do Estreito, exercendo moderação tanto em palavras quanto em ações. Pequim deve ir além de manobras militares ameaçadoras e retórica inflamada, optando pelo diálogo e intercâmbio entre pessoas. Porém, sabemos que isso depende muito do humor de Xi Jinping, que varia cada vez mais rápido, desde que a última vitória para liderar o país acabou por isolando alas mais moderadas do Partido Comunista Chinês. Taiwan, sob a liderança de Lai, deve manter a disciplina e buscar caminhos para um engajamento construtivo com o continente. Os EUA, por sua vez, devem continuar a agir como garantidor da estabilidade regional, calibrando cuidadosamente sua comunicação e ações para evitar provocações desnecessárias.

A alternativa – a erupção de conflito no Estreito de Taiwan – é impensável. As consequências de tal cenário, potencialmente escalando para uma guerra de superpotências, são sombrias demais para serem contempladas. Escolher o caminho da moderação, embora seja desafiador, continua sendo a única opção viável para garantir a paz e a segurança na região. É uma caminhada na corda bamba para todos os envolvidos, mas que deve ser realizada com o máximo cuidado e precisão. Se a eleição de Lai fez com que o mundo inteiro prendesse a respiração acerca de como Pequim reagiria, a eleição americana mais para o fim do ano deverá ser um teste de fogo ainda maior. 

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