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O Mundo Agora

Ucrânia será palco de nova ‘Batalha de Itararé’, o conflito que não aconteceu?

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Todo historiador brasileiro tem a obrigação de saber o que foi a Batalha de Itararé. Em outubro de 1930 as tropas lideradas por Getúlio Vargas avançavam do extremo sul em direção à Capital Federal. As forças leais ao governo do presidente Washington Luís se preparavam para enfrentá-las em Itararé, uma cidade do estado de São Paulo, na divisa com o Paraná. Acontece que no meio do caminho os ministros militares depuseram Washington Luís no Rio de Janeiro, para entregar o poder a Getúlio.

Pessoas evacuadas das regiões controladas pelos separatistas no leste da Ucrânia chegam a um acampamento de barracas montado pelo Ministério de Emergências russo perto do posto de controle fronteiriço de Matveyev Kurgan na região de Rostov, Rússia, 19 de fevereiro de 2022.
Pessoas evacuadas das regiões controladas pelos separatistas no leste da Ucrânia chegam a um acampamento de barracas montado pelo Ministério de Emergências russo perto do posto de controle fronteiriço de Matveyev Kurgan na região de Rostov, Rússia, 19 de fevereiro de 2022. REUTERS - SERGEY PIVOVAROV
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Flávio Aguiar, analista político

Itararé entrou para a história do Brasil como a famosa batalha que não aconteceu. Tão famosa ficou que um dos melhores humoristas do país, Aparício Torelly, adotou o apelido de “Barão de Itararé”.

Será a Ucrânia, em 2022, o palco de uma “Batalha de Itararé”? É cedo para afirmar tal previsão, mas ela é uma das possibilidades, ainda que o risco de um confronto armado não esteja fora dos radares. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos e do Reino Unido tinham até data e hora previstas para o começo da guerra, com a Ucrânia sendo invadida pela Rússia em 15 de fevereiro, às 3 horas da madrugada, hora local. Nesta data, pelo menos, a invasão não aconteceu.

Enquanto isto, a guerra de informações e contra-informações prosseguiu. O presidente Joe Biden alertou que a invasão ainda poderia ocorrer nos próximos dias.

A Rússia anunciou que estava afastando parte de suas tropas e blindados da fronteira com a Ucrânia. Estados Unidos e o Reino Unido declararam que, ao contrário, Moscou estava aumentando seu contingente na região.

A Ucrânia, espremida entre a OTAN e a Rússia, lamentava a perda de investimentos, a suspensão de voos do estrangeiro e a debandada de diplomatas de vários países e seus familiares.

Esforços diplomáticos

Os governos da Alemanha e da França prosseguiam seus esforços para encontrar uma saída diplomática para a crise. Todas as partes envolvidas dizem que querem continuar conversando, mas seguem se valendo de uma retórica agressiva, expulsando diplomatas de um lado e outro.

Enquanto isto, continuam as perigosas escaramuças armadas entre as forças do governo de Kiev e os separatistas da região de Donbas, que têm apoio da Rússia. Ambos os lados acusam o outro de ter rompido o cessar-fogo. 

O governo russo alega que a OTAN desrespeitou acordos anteriores e aceitou o alistamento de países do antigo bloco soviético, alguns com fronteira direta com a Rússia. Washington, Londres e a OTAN alegam que cada país é soberano para decidir suas alianças. A Rússia retruca que também é soberana e pode dispor suas tropas como quiser, em seu território. Quando mais não seja, esta queda de braço pode se prolongar por muito tempo.

Nova face geopolítica do mundo

O fato é que esta crise evidenciou que o mundo geopolítico será diferente daqui por diante. A oeste, apesar das juras de unidade inquebrantável, ficou evidente que há uma divisão entre os principais aliados da OTAN. 

De um lado, mais agressivos, estão os Estados Unidos, sócio majoritário da Organização, e o Reino Unido. De outro, cautelosas e na defensiva, estão a Alemanha e a França, que têm mais a perder no caso de um conflito aberto com a Rússia.

Do outro lado, aconteceu algo impensável algumas décadas atrás. A crise consolidou a aliança entre a enorme Rússia e a gigantesca China, que apoia a narrativa de Moscou sobre o conflito. Diante das ameaças que recebeu de pesadas sanções econômicas, Vladimir Putin correu de vez para debaixo da asa do presidente chinês Xi Jinping.

Quando eram países comunistas, a União Soviética e a República Popular da China não se bicavam e disputavam ferozmente a liderança dos países e partidos políticos simpatizantes. Convertidas ao capitalismo, ainda que com estilos diferentes, ao invés de concorrerem, como antes, passaram a andar aos afagos e abraços, e a Rússia vai se tornando mais um elo na expansionista nova Rota da Seda que Pequim vem construindo.

China: alvo subliminar dos EUA

Alguns analistas afirmam que o alvo subliminar das declarações aguerridas de Washington sobre a questão ucraniana é a China que, com sua proverbial paciência milenar, vai aplainando o caminho para sua hegemonia.

A respeito, corre uma anedota que, si non è vera, è ben trovata. Um jornalista do mundo ocidental teria perguntado ao presidente Xi Jinping o que o governo chinês pensava sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte durante a Revolução Francesa de 1789. O presidente chinês teria respondido: “Nós, chineses, não costumamos comentar acontecimentos recentes”. O Barão de Itararé apreciaria a anedota.

Portanto, preparemo-nos: aconteça o que acontecer na Ucrânia, este “bravo novo mundo” veio para ficar. 

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