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Linha Direta

Javier Milei enfrenta primeira prova de fogo no Congresso com leis cruciais para o novo governo

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Nesta quarta-feira, às 10 da manhã, começa a sessão plenária na Câmara de Deputados para dar meia sanção ao pacote de leis básicas do governo de Javier Milei. O debate e a votação podem durar entre 40 e 50 horas, estendendo-se até quinta ou sexta-feira. Para ter chances de ser aprovado, o governo, em minoria absoluta, cortou pela metade o seu mega pacote inicial, deixando pelo caminho artigos fundamentais para os planos de Milei.

O presidente argentino Javier Milei em Buenos Aires, na sexta-feira 26 de janeiro de 2024.
O presidente argentino Javier Milei em Buenos Aires, na sexta-feira 26 de janeiro de 2024. AP - Natacha Pisarenko
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Na prática, é o ponto de largada do novo governo. A chamada “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos” é o pilar para modernizar o Estado e para desregular a economia. Foi apresentada assim pelo presidente Javier Milei no final de dezembro, mas, ao longo desse mês de negociações com parlamentares, quase metade do pacote foi diluído.

Dos 664 artigos iniciais apresentados em dezembro, restaram 386. Os 278 artigos retirados envolveram capítulos inteiros e fundamentais para a economia. No total, o pacote foi encolhido em 42% da sua pretensão inicial.

“O governo recuou fortemente. É um desmantelamento quase pela metade. Em termos discursivos, Milei não demonstra ceder, mas não há dúvidas do retrocesso”, indica à RFI a analista política Shila Vilker, diretora da consultora Trespuntozero.

“Milei não assume a derrota abertamente, mas não há outra leitura possível para quem precisava desse pacote para a meta de déficit zero”, avalia o cientista político Patricio Giusto, diretor da consultora Diagnóstico Político e professor na Universidade Católica Argentina e na Universidade de La Plata.

De qualquer forma, ainda tem um volume expressivo de artigos e deve ser a primeira vitória do novo governo de Javier Milei.

Paralelamente, do lado de fora do Congresso, haverá protestos de organizações sociais de esquerda para pressionar os deputados a votarem contra o pacote de Milei.

Pacote diluído

Ficou de fora tudo aquilo que representava uma resistência por parte dos deputados, inclusive o capítulo Econômico e Fiscal, essencial para o novo governo poder cumprir com a meta de déficit fiscal zero até o final do ano (6,1%, sendo déficit primário 3% + déficit financeiro 3,1%).

Esse capítulo era o mais esperado pelos mercados e pelo Fundo Monetário Internacional porque continha a receita para o equilíbrio fiscal, para o consequente combate à inflação galopante e para um posterior plano de estabilização da economia.

O governo retirou esse capítulo na sexta-feira passada (26) para que o restante do pacote fosse aprovado agora, sem mais dilatações no tempo. O ministro da Economia, Luis Caputo, sinalizou que o reapresentará depois e que a meta de déficit fiscal zero não mudou. Sem o capítulo Econômico e Fiscal do pacote, haverá mais cortes no Estado e no repasse de verbas às províncias, avançou o ministro.

“Milei garante que a meta de déficit fiscal zero é irrenunciável, mas, sem as ferramentas previstas no pacote, as opções são diluir salários públicos e pensões, algo insustentável. O governo precisa apresentar rapidamente o plano de onde o dinheiro vai sair”, sublinha Giusto.

O objetivo de Milei foi mostrar aos governadores das províncias - e aos legisladores que respondem a esses governadores -, que, sem as medidas que o governo propõe, o ajuste vai doer muito mais nas contas das províncias. A estratégia visa levá-los a ceder.

Isso acontece porque Javier Milei foi eleito com 55,7% dos votos no segundo turno, mas possui apenas 15% dos deputados. É um presidente com popularidade, mas com minoria absoluta.

“A sociedade está dividida. Milei tem cartas muito valiosas: tem apoio na opinião pública e tem em frente uma oposição sem uma liderança. A aprovação de Milei chega a 49%. É o político com melhor imagem do país. Porém, o pacote de leis tem apoio de 42% e, no que se refere à concessão de superpoderes ao presidente, o apoio cai ainda mais: 38%. Ou seja: a popularidade de Milei é boa, mas não é irrestrita e o apoio às iniciativas têm matizes”, analisa Shila Vilker.

Mais concessões

Nas últimas 48 horas, o governo precisou retirar ainda mais artigos do pacote de leis se quisesse uma votação com chances de aprovação.

Assim, retirou também o capítulo com uma reforma política que alterava as regras eleitorais, um capítulo amplamente desejado por diversos partidos e pela população em geral, mas resistido pelo ‘kirchnerismo’, que controla 99 dos 257 deputados.

Outra concessão de Javier Milei foi a desistência de “superpoderes”. O pacote propunha a delegação de faculdades especiais ao presidente, permitindo-lhe governar sem necessidade do Congresso em onze matérias durante dois anos, renováveis por mais dois, completando os quatro anos de mandato.

As onze matérias tornaram-se sete e a duração ficaria por um ano, renovável por outro. O governo precisou desistir, por exemplo, de superpoderes para decisões sobre aumento de impostos às exportações e sobre fórmulas para calcular aumentos nas aposentadorias. A oposição ainda quer que ele desista de outras três matérias: tarifas públicas, energia e segurança.

O governo tinha aceitado retirar da lista das 41 estatais a serem privatizadas a petrolífera YPF e tinha aceitado privatizar parcialmente outras três empresas estratégicas, mas a oposição quer que ele desista de mais privatizações.

No capítulo de reorganização administrativa do Estado, Javier Milei ficou sem superpoderes para dissolver empresas públicas, universidades e órgãos de estudo e pesquisa do Estado, como tinha anunciado durante a campanha eleitoral.

O pedido de superpoderes não é uma novidade na Argentina. Antes de Milei, o Congresso tinha transferido superpoderes aos ex-presidentes Cristina Kirchner (2007-2015) e Alberto Fernández (2019-2023). Porém, com o outsider Javier Milei, a resistência da política é bem maior.

“Governadores, opositores e manifestantes, além da Justiça, têm marcado os limites para o governo”, observa Vilker.

50 horas de debate?

Para conseguir que haja quórum na Câmara de Deputados, o presidente ameaçou retirar o pacote de leis por completo e acusar os legisladores da oposição de extorsão. Como Milei já tinha retirado o capítulo que mais lhe interessava (Econômico e Fiscal), e como já tinha dado demonstrações de ousadia, a oposição acreditou na ameaça e aceitou dar quórum.

O pacote de leis deve ser aprovado na votação geral, mas haverá resistências na votação particular de cada artigo. Ou seja: Milei deve colher uma vitória em geral, mas a dúvida é se colherá também algumas derrotas em pontos cruciais.

Será uma sessão prolongada, dessas que devem virar a noite. Esperam-se cerca de 40 horas de debate. Alguns preveem até 50 horas.

“Calculamos que seja uma sessão muito longa, de aproximadamente 50 horas, porque é um pacote longo. Devemos votar em geral e, antes do tratamento em particular, termos um intervalo de 10 horas. Será uma jornada complexa, a mais complexa de todas as que vivemos”, previu o deputado Cristian Ritondo, líder da bancada do PRO, o partido do ex-presidente Mauricio Macri, aliado de Milei.

É provável que, se a votação em geral acontecer em torno da meia-noite, em vez de se prolongar pela manhã do dia seguinte, os deputados façam um intervalo para descansar, deixando a votação em particular para quinta-feira. Alguns não descartam que a sessão dure até sexta-feira. Seria algo inédito.

Os artigos são aprovados com maioria de 129 deputados. Pelas contas do governo, o pacote conta com 136 votos a favor, outros 4 possivelmente favoráveis e 9 em dúvida.

Os que estão completamente contra são o bloco da esquerda e o chamado ‘kirchnerismo”. Somam 108 votos contrários a tudo que vier de Milei.

Com esses números, o governo vai "cantar vitória" porque conseguiu muito com apenas 15% dos deputados, mas a oposição vai definir como uma derrota do governo que precisou ceder nos seus pontos principais.

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