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Linha Direta

Imigrantes dormem ao relento à espera de vaga em hotel transformado em abrigo em Nova York

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A Central Station de Nova York já foi cenário de filmes e é um dos pontos turísticos mais famosos da cidade, por sua arquitetura e também por ser um lugar de grande circulação de pessoas partindo e chegando à Big Apple. Mas a apenas alguns metros dali, chama a atenção uma imensa fila de imigrantes e refugiados recém-chegados da fronteira dos Estados Unidos que esperam por um lugar para dormir.

Migrantes na fila nos arredores do hotel The Roosevelt, usado temporariamente como abrigo pela prefeitura de Nova York.
Migrantes na fila nos arredores do hotel The Roosevelt, usado temporariamente como abrigo pela prefeitura de Nova York. AP - John Minchillo
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Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

Desde o último domingo (30), dezenas de pessoas estão dormindo ao relento, em meio a uma onda de calor que assola a cidade, praticamente sem água ou comida, tendo que recorrer aos banheiros públicos da Central Station quando necessário.

Sua única esperança é um ticket com um número que os localiza nessa fila de espera por um lugar para descansar no interior do Hotel The Roosevelt, alugado pela prefeitura e transformado em abrigo temporário.

A cena de pessoas em péssimas condições amontoadas na calçada à espera de um milagre transformou a paisagem de Nova York, colocando em foco a crise migratória que a cidade atravessa atualmente.

Há um ano a cidade recebe ônibus lotados de imigrantes

Para entender como Nova York chegou ao ponto de estar em meio a uma crise migratória, é preciso voltar ao mês de abril de 2022, quando os primeiros ônibus lotados de imigrantes começaram a chegar na cidade.

Essas pessoas, em sua maioria venezuelanos que cruzaram a fronteira em busca de asilo político na condição de refugiados, estavam sendo enviadas pelo governo republicano do Texas como uma espécie de "presente de grego" aos democratas.

Em protesto à política migratória da administração Joe Biden, o governador do Texas, Greg Abbott, passou a encaminhar os recém-chegados a cidades como Washington D.C. e Nova York. Isso porque ambas cidades são governadas por democratas e são consideradas "santuário", pois têm políticas mais flexíveis à permanência de imigrantes sem documentos.

Além disso, na cidade de Nova York, desde 1984 rege uma normativa que garante o direito a teto a qualquer pessoa que o solicite em caráter de refugiado. Essa lei obriga o governo a providenciar um lugar onde essas pessoas possam permanecer até conseguirem um lugar para se instalarem. 

A prefeitura passou, então, a encaminhar os imigrantes aos abrigos da cidade, que, na verdade, funcionam para abrigar sem-teto e pessoas em situação de vulnerabilidade.

Não demorou muito para o sistema colapsar. A população do sistema de abrigos da cidade bateu um recorde estabelecido em 2019, após ultrapassar os 62 mil no início de outubro. Desse total, cerca de 12.700 são imigrantes, o que levou a prefeitura de Nova Iorque a declarar estado de emergência.

Em uma tentativa de amenizar a superlotação dos abrigos, uma tenda gigante foi construída na Ilha Randalls, que fica entre o Harlem e o Queens no East River para receber essas pessoas. A estrutura permaneceu funcionando somente até os primeiros sinais de frio chegarem no início de novembro. 

Até hoje, essa situação só piorou e a solução encontrada pelo prefeito de Nova York, Eric Adams foi, em um primeiro momento, seguir o exemplo de seus pares do sul e encaminhar os imigrantes a cidades menores no interior do estado. Nesse mesmo momento, o prefeito entrou com um pedido na justiça para anular a normativa que rege a obrigação do governo de dar abrigo a todo aquele que o solicite.

Quando uma nova leva começou a desembarcar na cidade no fim de julho, eles foram enviados diretamente ao Hotel The Roosevelt, localizado na região central da cidade, onde teriam uma cama. No entanto, o hotel rapidamente alcançou sua capacidade máxima e dezenas de pessoas tiveram que dormir nas calçadas.

A associação Coalition for the Homeless diz que tudo não passa de uma estratégia do prefeito para chamar a atenção do governo federal e conseguir mais verba. A associação garante que existem 10 mil camas vazias na cidade que poderiam abrigar essas pessoas.

A cidade de Nova York foi, de longe, o lugar que recebeu mais imigrantes nos últimos meses. Foram mais de 90 mil pessoas desembarcando na cidade em busca do sonho americano desde o começo da primavera, segundo o Departamento de Homeland Security.

Fila de imigrantes dormindo ao relento em Manhattan

Em meio a um dos fins-de-semana mais quentes deste verão, dezenas de haitianos, venezuelanos e peruanos formam uma fila que dá a volta na esquina onde está o hotel Roosevelt.

Um jovem casal vindo do Peru, ambos de 23 anos, que por sua condição migratória, não quis se identificar, chegou ao país há cerca de dois meses e meio. Os dois estiveram detidos na fronteira com o México, em San Diego, na Califórnia, por uma semana até poder tomar um avião com destino à Nova York, onde se hospedaram na casa de amigos antes de buscar um teto que os abrigasse até que possam conseguir trabalho.

“Quando me mandaram para a imigração na Califórnia, me deram um papel e me mandaram para um albergue. Eles me falaram que se acontecesse alguma coisa com a pessoa que me acolheu aqui, eu poderia solicitar um lugar nos abrigos de Nova York com o documento que eles me deram", contou o rapaz à RFI.

O casal foi acolhido em um dos abrigos, e de lá encaminhado ao hotel no último sábado. No entanto, ao chegarem no local, os dois peruanos constataram que a lotação máxima já tinha sido atingida. "Eles nos mandaram de lá para cá. Quer dizer, eles jogam a gente de um lado para outro, não sabemos onde podemos ficar", desabafa.

Dormindo ao relento, com pouca água potável e comida disponível, eles afirmam que o único banheiro ao qual tem acesso é da Central Station localizado a pouco metros dali.

Nova York como destino 'amigável'

Não existe uma única razão pela qual as pessoas optam por Nova York. Muitas acreditam que a cidade oferece oportunidades de trabalho, outras porque tem algum conhecido ou familiar residente, e outras foram enviadas, como no caso dos imigrantes que chegaram nos ônibus vindos do Texas. 

Como cidade "santuário", Nova York permite que imigrantes possam obter certos direitos e circular, trabalhar, comprar um telefone, abrir uma conta no banco, sem a necessidade de comprovar residência. 

Tudo isso, no entanto, esbarra no tempo em que estes imigrantes, que veem na condição de refugiados e teriam direito a um visto de trabalho, precisam esperar para tramitar a documentação. A demora pode levar até um ano, isso quando eles dão entrada no processo rapidamente. No meio tempo, muitos deles preferem seguir na ilegalidade, já que sem trabalho não há teto ou comida, e vão fazendo o caminho mais tortuoso para sua permanência no país.

Tanto a governadora de Nova York, Kathy Hochul, quanto o prefeito já pediram ao governo federal que acelere o processo de liberação da permissão de trabalho, assim essas pessoas podem deixar os abrigos no menor tempo possível e aliviar o sistema.

A previsão é de que esta semana cheguem por volta de 4 mil imigrantes à cidade de Nova York. “A situação só vai piorar, pois a cidade luta para encontrar vagas para os imigrantes”, disse o prefeito Eric Adams, sem apresentar uma proposta clara para frear o avanço dessa situação.  

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