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Linha Direta

Guatemala: eleições revelam candidato "azarão" de esquerda que pode surpreender no 2° turno

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Um candidato opositor, fora do radar das pesquisas, surpreendeu a Guatemala ao passar para o segundo turno da eleição presidencial, em um processo considerado o mais controverso desde 1986. Apenas oito pontos separam a primeira colocada do quinto lugar, evidenciando uma fragmentação do voto. O país terá um resultado histórico em 20 de agosto: primeiro presidente de esquerda dos últimos 71 anos ou a primeira presidente mulher.

Com 88,9% das urnas apuradas, o candidato de esquerda, Bernardo Arévalo de León, foi o segundo mais votado com cerca de 12,2% dos votos válidos.
Com 88,9% das urnas apuradas, o candidato de esquerda, Bernardo Arévalo de León, foi o segundo mais votado com cerca de 12,2% dos votos válidos. REUTERS - JOSUE DECAVELE
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Surpresa geral na Guatemala. Com 88,9% das urnas apuradas, o candidato de esquerda, Bernardo Arévalo de León foi o segundo mais votado, com cerca de 12,2% dos votos válidos. Arévalo, que não aparecia no radar de nenhuma pesquisa de intenção de voto, vai disputar o segundo turno em 20 de agosto com a ex-primeira dama de centro-direita, Sandra Torres Casanova, que obteve 15,2% dos votos, conforme o esperado.

Apenas oito pontos separam a primeira colocada do quinto lugar numa disputa acirrada e fragmentada.

Se Bernardo Arévalo ganhar, a Guatemala terá o seu primeiro governo de esquerda dos últimos 71 anos, após prevalecer sempre a tendência conservadora e neoliberal, com exceção de dois governos de centro em 1986 e 2008.

Se Sandra Torres ganhar, será a primeira mulher a chegar à Presidência. Apesar da façanha, a conservadora Torres não tem uma agenda de igualdade de gênero.

Perfis vencedores

O candidato surpresa Bernardo Arévalo é do partido Semilla (Semente), nascido das manifestações de 2015 contra a corrupção no então governo do presidente Otto Pérez Molina, que acabou derrubado. Nas sondagens, Bernardo Arévalo, de 64 anos, aparecia em oitavo lugar.

Quem confirma a tendência de vitória neste primeiro turno é a ex-primeira-dama Sandra Torres, ex-mulher do falecido presidente Álvaro Colom (2008-2012).

Torres, de 67 anos, do partido Unidade Nacional da Esperança, concorre à Presidência pela terceira vez, tempo durante o qual reforçou um perfil conservador, que promete fortalecer a segurança pública enquanto acena com planos assistencialistas para os mais pobres, a mesma estratégia clientelista adotada pelo seu ex-marido.

A candidata ficou presa durante quatro meses em 2019 por financiamento ilegal de campanha, mas conseguiu que o caso fosse encerrado no ano passado.

O maior ganhador, no entanto, é mesmo o voto protesto. Os brancos e nulos quase duplicam os votos da primeira colocada na disputa. E o índice de abstenção, de 40%, evidencia a insatisfação popular com o processo eleitoral.

Eleições controversas

O processo eleitoral na Guatemala tem sido marcado pela desconfiança dos eleitores e da comunidade internacional com o sistema. Segundo uma sondagem da Latinobarômetro, 65% da população desconfiam da democracia.

Há sérios questionamentos sobre a liberdade de expressão da imprensa e sobre a independência da Justiça. A imprensa crítica tem sido criminalizada. O caso mais destacado é o do jornalista José Rubén Zamora, condenado a seis anos de prisão por lavagem de dinheiro. Coincidentemente, Zamora tinha divulgado investigações de corrupção que envolviam o atual presidente Alejandro Giammattei.

Giammattei, por sua vez, tem uma rejeição de 75% da população, uma das mais altas em toda a América Latina.

A Justiça também processou 13 ex-promotores que investigavam casos de corrupção. No total, durante o governo de Giammattei, mais de 30 jornalistas e ex-membros da Justiça se exilaram, denunciando uma perseguição penal. Por isso, a União Europeia e a Organização dos Estados Americanos enviaram, ao todo, 211 observadores para fiscalizar a transparência das eleições. 

Os analistas políticos se perguntam se a fraude eleitoral já não aconteceu. Isso porque o Tribunal Superior Eleitoral tornou inelegíveis três candidatos presidenciais, coincidentemente os três mais críticos do atual presidente e do establishment político e econômico.

“O atual processo caracteriza-se por uma permanente tensão entre legalidade e legitimidade, uma vez que o direito é instrumentado para fins políticos, tais como a obstaculização de certas candidaturas para deixar o caminho livre para outras”, indica uma análise do Instituto de Investigação em Ciências Sócio Humanistas da Universidade Rafael Landívar.

Candidatos opositores excluídos

O ex-procurador de Direitos Humanos, Jordan Rodas, tornou-se inelegível porque não apresentou a tempo um atestado de antecedentes penais. Rodas era candidato a vice na chapa anulada da líder indígena Thelma Cabrera. A maioria da população na Guatemala é de origem indígena.

Outro candidato proibido de concorrer foi Roberto Arzú, um opositor ao establishment político, filho do ex-presidente Álvaro Arzú (1996-2000).

No mês passado, o empresário antissistema, Carlos Pineda, também teve a candidatura anulada por supostas irregularidades no seu partido. Quando foi eliminado da disputa, Pineda liderava as intenções de voto.

“O órgão eleitoral é utilizado para decidir arbitrariamente quem deve deixar de participar. O país caminha a um regime autoritário. A exclusão dos candidatos afeta a credibilidade dos resultados”, avalia o analista político Daniel Zovatto, diretor do Instituto Internacional para a Democracia e para a Assistência Eleitoral.

Um exemplo dessa arbitrariedade foi a validação da candidatura de extrema-direita de Zury Ríos, filha e defensora do ex-ditador Efraín Ríos, que, através de um golpe de Estado, governou a Guatemala durante 17 meses, entre 1982 e 1983, tempo suficiente para exterminar 400 comunidades indígenas. Em 2013, foi condenado por genocídio contra indígenas.

Apesar de a lei proibir candidatos que sejam filhos de envolvidos em golpes de Estado, Zury Ríos conseguiu ser candidata.

Por essas e outras, estas eleições são consideradas as mais controversas desde 1986, quando a Guatemala recuperou a democracia.

Desafios socioeconômicos

A Guatemala é um dos países com mais desigualdade social da América Central. Os guatemaltecos são um dos que mais emigram, sobretudo aos Estados Unidos. Das 727 mil pessoas da América Central que solicitaram asilo no exterior no ano passado, 22% foram da Guatemala. Só ficaram atrás da Nicarágua (31%) e de Honduras (25%).

Dos países da América Latina que mais recebem remessas de dinheiro daqueles que emigraram, a Guatemala foi o segundo, depois do México. Foram 18 bilhões de dólares no ano passado, equivalentes a 22% do Produto Interno Bruto, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Mais de 80% da economia é informal.

Por trás desses números, há uma pobreza que afeta 59% da população, dos quais 20% são indigentes. Metade das crianças sofre de desnutrição crônica.

Corrupção, imigração, pobreza e violência são problemas estruturais da Guatemala.

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