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Linha Direta

Retomar rédeas do orçamento da União coloca Lula em uma encruzilhada política, diz analista

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O novo governo nem começou, mas parlamentares já fizeram chegar aos ouvidos do presidente eleito que, sem orçamento secreto, não há PEC de transição, crucial para a gestão fiscal dos próximos anos. O texto passou nesta quarta-feira (7) pelo Senado e agora precisa da aprovação dos deputados em dois turnos. O poder de um Congresso fisiológico sobre um governo sem base parlamentar mostra os desafios que Lula terá pela frente.

O presidente eleito brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva dá uma entrevista coletiva na sede de sua equipe de transição em Brasília, Brasil, sexta-feira, 2 de dezembro de 2022.
O presidente eleito brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva dá uma entrevista coletiva na sede de sua equipe de transição em Brasília, Brasil, sexta-feira, 2 de dezembro de 2022. AP - Eraldo Peres
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Quando Jair Bolsonaro chamava o PT de corrupto nos debates eleitorais, Luiz Inácio Lula da Silva respondia apontando o orçamento secreto sancionado e pago pelo atual governo como o maior esquema de corrupção. O petista, no entanto, nem mesmo tomou posse e já sentiu o tamanho do desafio que terá pela frente.

Lula nunca escondeu que iria abrigar em seu governo, distribuindo cargos e poder, aliados que o ajudassem na governabilidade. Mas algumas lideranças no Congresso, mal acostumadas com tanto dinheiro que jorrou das emendas secretas, já disseram que só ministérios e estatais não bastam: o objetivo é manter o mecanismo que destina dinheiro a redutos eleitorais dos políticos sem a transparência exigida de outras transferências, uma mamata que torna desleal a disputa eleitoral, torra dinheiro público em projetos questionáveis e dá ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) protagonismo de um primeiro-ministro.

O cientista político Carlos Melo, do Insper, disse à RFI que, sem base política, Lula terá de ter muito jogo de cintura para não bater de frente com o legislativo e ao mesmo tempo retomar as rédeas do orçamento da União. “Está numa encruzilhada, mas tem que saber sair da encruzilhada. Ceder e também retirar concessões. Não é só ceder, é também conseguir concessões. É o processo da política, e de alguma forma estamos voltando a ele, e isso é positivo no final das contas", diz.

O analista cita uma analogia usada nos Estados Unidos que diz que é sempre necessário um pouco de graxa para que a engrenagem política funcione melhor. “O problema é que essa graxa não pode atrapalhar a engrenagem, não pode comprometê-la. Isso é o que vem acontecendo nos últimos anos”.

“O fisiologismo da política brasileira é infelizmente algo tradicional. Precisa ser combatido, mas certamente não será de uma hora para a outra. Eu acho que o desafio que tem o presidente Lula é começar a colocar isso no nível devido. O presidente não tem maioria. A eleição deste ano foi muito influenciada pelo abuso da máquina feito pelo bolsonarismo, e se for fazer um enfrentamento, há o risco de acontecer o que se deu com a presidente Dilma Rousseff”, alerta o analista.

Pressão sobre o STF

Sob forte artilharia política, o Supremo Tribunal Federal começou esta semana a julgar se esse tipo de emenda secreta fere ou não princípios constitucionais da gestão pública. O voto da relatora Rosa Weber e demais ministros deve ser apresentado semana que vem.

Parlamentares, especialmente do centrão, já mandaram recado ao governo eleito avisando que Lula terá muitos problemas, inclusive na votação da PEC da transição na Câmara, se o STF simplesmente proibir tal modalidade de gasto.

“Parece que o Legislativo, por meio do Arthur Lira, tende a reagir a uma eventual decisão do Supremo nessa linha. Como? Constitucionalizando a questão das emendas de relator. Como tem maioria, pode de alguma forma apresentar PEC e aprová-la rapidinho no sentido de esvaziar a decisão do Supremo. Isso pode acontecer”, ressaltou Carlos Melo.

“E qual o papel do presidente Lula em relação a isso? Mais uma vez é necessário ter prudência, saber qual é o tamanho das suas forças. Neste momento as forças de Lula são bastante reduzidas. Agora ele quer construir um diálogo e dizer que evidentemente essa é uma questão entre o Supremo e o Legislativo, onde cada um exerce seu papel constitucional.”

PEC da Transição

Nessa quarta-feira a proposta que autoriza o futuro governo a elevar o rombo fiscal foi aprovada pelo Senado por 64 a 16, em primeiro turno, e confirmada por 64 a 13, no segundo turno. O texto final libera R$ 145 bilhões para a próxima gestão, fora do teto de gastos, por dois anos, e deve ser votada também em dois turnos semana que vem na Câmara.

“Não é à toa que ela está sendo apelidada de PEC do Precipício, PEC do Fim do Mundo, PEC da Argentina e outros adjetivos porque a consequência óbvia de se ignorar um controle das despesas vinculadas à arrecadação é que isso gera incerteza. Isso vai gerar fuga de capital do Brasil. E é óbvio que isso aqui vai gerar inflação, aumento no preço da comida!”, criticou o senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ).

“Senhor Flávio Bolsonaro, qualquer um que tivesse sido eleito Presidente da República, ou Lula, ou o vosso pai, ou a Simone Tebet, nós estaríamos votando a mesma PEC porque não há como atender aos R$ 600 que seu pai prometeu, aos R$1.400 do salário mínimo que o seu pai prometeu. Não tem de onde tirar o recurso”, retrucou o senador Marcelo Castro (MDB/PI).

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