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Linha Direta

Sem Bolsonaro, presidentes do Mercosul se reúnem à espera do diálogo com Lula

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A Argentina assume pelos próximos seis meses a Presidência rotativa do Mercosul esperando reconstruir com o Brasil o eixo da integração regional. O presidente Jair Bolsonaro não está presente na Cúpula do Bloco que acontece em Montevidéu, no Uruguai, nesta terça-feira (6). A reunião está sendo marcada pelas discussões em torno da rebeldia do Uruguai que negocia, unilateralmente, acordos comerciais com outros países e blocos. Uma postura que gera tensão no bloco. 

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, esquerda, cumprimenta o vice-presidente brasileiro Hamilton Mourao na cúpula do bloco comercial do Mercosul em Montevidéu, Uruguai, terça-feira, 6 de dezembro de 2022.
O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, esquerda, cumprimenta o vice-presidente brasileiro Hamilton Mourao na cúpula do bloco comercial do Mercosul em Montevidéu, Uruguai, terça-feira, 6 de dezembro de 2022. AP - Matilde Campodonico
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A ausência do presidente Jair Bolsonaro - que enviou no seu lugar o vice-presidente Hamilton Mourão - na reunião de Cúpula do bloco ilustra a pouca importância que o atual governo brasileiro deu à política externa.

"Mais do que ilustrar como Bolsonaro deu as costas para a região, este é mais um exemplo de como deu as costas para a política exterior", aponta à RFI o analista internacional Rosendo Fraga.

"Não ter ido à Conferência do Clima no Egito (COP 27), no mês passado, era previsível porque, se tivesse ido, seria criticado. Mas não ter ido à reunião do G20 na Indonésia no mês passado, onde se reuniria com todos os líderes globais, está em linha com a sua subestimação da política exterior", explica Fraga, diretor do Centro de Estudos União para a Nova Maioria.

Este era o último compromisso internacional do presidente Jair Bolsonaro, antes do término do seu mandato. Era uma oportunidade para Bolsonaro defender as suas ações como o acordo fechado entre o Mercosul e a União Europeia, o avanço das negociações com Singapura, Canadá e Indonésia e a redução da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC).

Embora o acordo com a União Europeia não tenha sido ainda ratificado, as demais negociações não estejam ainda fechadas e a redução da tarifa tenha sido pequena, não deixam de ser conquistas, sobretudo num contexto atravessado pela pandemia. Era também uma chance de se despedir dos principais parceiros do Brasil.

Ratificação de acordo UE - Mercosul

O Mercosul e a União Europeia fecharam um acordo em 2019, ainda sem ratificação. A União Europeia alega que a ausência de uma política ambiental por parte do Brasil não permite a aprovação do acordo, embora o texto tenha salvaguardas específicas sobre a matéria.

O chanceler argentino, Santiago Cafiero, revelou que "o Mercosul tem feito todos os esforços possíveis para concluir com os temas pendentes", mas que a União Europeia demonstra pouca flexibilidade e aparece com novas exigências que não estavam na mesa de negociação quando o acordo foi fechado em junho de 2019.

Essas exigências, sublinhou o ministro argentino, podem tornar irrelevantes as concessões da Europa obtidas pelo Mercosul no acordo. Essas negociações serão conduzidas pela Argentina ao longo do próximo semestre.

Para Rosendo Fraga, a chegada de Lula ao poder deve implicar uma abertura ao diálogo, fechado com Bolsonaro, mas essa abertura não necessariamente leve a uma ratificação do acordo.

O analista acredita que o acordo dificilmente será levado à prática devido às exigências da Europa por menores tarifas com as quais os governos de Brasil e Argentina não devem concordar.

O que muda com chegada de Lula

O presidente Jair Bolsonaro, paulatinamente, virou as costas para os vizinhos. Quando chegou ao poder, manteve diálogo apenas com os países governados pela direita. Depois, à medida que esses países passavam a ser governados pela esquerda, Bolsonaro se afastava.

Com a chegada de Lula, o Brasil deve voltar a exercer uma liderança que costure entendimentos e que seja a voz representativa da região. Para Fraga, haverá uma mudança substancial no terreno do diálogo e uma maior valorização do Mercosul, sem que isso necessariamente signifique um bloco mais operacional.

A Argentina quer impulsionar a incorporação formal da Bolívia ao Mercosul e a volta da Venezuela, suspendida por "ruptura democrática" desde 2017. Mas para o analista, essas duas incorporações não devem acontecer, já que os dois países não estão dispostos a realizar as reformas exigidas para integrar o Mercosul. Além disso, o Uruguai deve resistir, assim como os Congressos do Brasil e da Argentina, onde a centro-direita tem boa representatividade.

Fraga vê Lula reorganizando a União das Nações Sul-americanas, a UNASUL, e voltando à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, a Celac. Durante o governo Bolsonaro, o Brasil abandonou esses dois foros regionais.

Rebeldia uruguaia

Os assuntos que serão debatidos nesta terça-feira pelos presidentes foram analisados pelos ministros das Relações Exteriores de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai nas últimas horas, durante a reunião preparatória.

O principal debate foi quanto à agenda de negociações externas do Mercosul por acordos de livre comércio com outros blocos e países. O ponto de discórdia é o Uruguai.

O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, está decidido a avançar de forma unilateral com negociações com outros países, mas por fora do Mercosul. Essa decisão viola as normas de uma União Alfandegária, que exige regras comuns.

O Uruguai alega que o Mercosul não avança e que se tornou uma camisa-de-força, restringindo as oportunidades para a economia uruguaia que precisa se abrir ao mundo.

Na semana passada, o Uruguai apresentou formalmente à Nova Zelândia uma solicitação de adesão ao Tratado Integral e Progressista da Associação Transpacífico (CPTPP), um bloco comercial entre 11 países banhados pelo Oceano Pacífico.

Esse movimento provocou uma queixa formal de Brasil, Argentina e Paraguai, incluindo uma advertência sobre a possível adoção de medidas contra o Uruguai se um tratado for assinado.

No ano passado, o Uruguai já tinha aberto negociações com a China por um Tratado de Livre Comércio, causando atritos com Brasil, Argentina e Paraguai.

O chanceler uruguaio, Francisco Bustillo, acusou o Mercosul de ser um bloco "imóvel", "sem acordos com nenhuma das 10 principais potências do mundo" enquanto o chanceler argentino, Santiago Cafiero, advertiu que as "atitudes unilaterais" do Uruguai "preocupam" e podem levar a uma "ruptura".

 

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