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Linha Direta

Eleições polarizadas: América do Sul vive uma onda de esquerda ou de vitória das oposições?

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A decisão eleitoral do Brasil deste domingo (30) é a peça mais importante do tabuleiro regional para definir o mapa político de uma América do Sul que, mais do que uma aparente onda de governos da esquerda desde 2019, vive uma onda de vitórias das oposições, de direita e de esquerda, desde 2015. 

O Brasil dirá nas urnas neste domingo (30) se mantém ou se quebra a tendência de vitórias das oposições, iniciada em dezembro de 2015.
O Brasil dirá nas urnas neste domingo (30) se mantém ou se quebra a tendência de vitórias das oposições, iniciada em dezembro de 2015. AP - Eraldo Peres
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires 

Os países vizinhos do Brasil acompanham com expectativa o rumo do país, que representa metade da região em termos de PIB, população e território, único capaz de representar a região nos foros internacionais e de impulsionar a integração regional, papel que o presidente Jair Bolsonaro abandonou, isolando-se politicamente. 

O Brasil dirá nas urnas se mantém ou se quebra a tendência de vitórias das oposições, iniciada em dezembro de 2015. Apesar das conquistas acumuladas pela esquerda desde 2019 na Argentina, na Bolívia, no Peru, no Chile e na Colômbia, o que realmente existe é uma onda de vitórias dos opositores, em detrimento dos ocupantes do poder.

“Existe um excesso de ideologização da compreensão dos processos eleitorais na América do Sul por parte dos intelectuais. O que temos, na verdade, são eleitores insatisfeitos com os seus governantes. Não são eleitores que abraçam as ideias da esquerda, mas que simplesmente votam nos opositores para uma mudança”, explica à RFI o cientista político argentino Lucas Romero, diretor da consultora Synopsis.

Outro que também desmente publicitada “onda de esquerda na região”, sobretudo depois das vitórias de Gabriel Boric, no Chile, e de Gustavo Petro, na Colômbia, é o sociólogo e analista político chileno Patricio Navia.

“Em todas as eleições na região, os governantes perderam. Há um evidente castigo àqueles que estão no poder”, aponta Navia, em entrevista à RFI. Na avaliação do especialista, os principais fatores para esse castigo têm sido a gestão sanitária da pandemia, a economia em geral no durante e no pós-pandemia e a disparada da inflação, em particular.

“É a vitória das oposições que coincide com uma oposição de esquerda”, completa o analista político argentino Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos União para a Nova Maioria.

Sem considerar a Venezuela, governada por uma ditadura e sem garantias de eleições limpas, dos demais nove principais países da América do Sul, seis são governados pela esquerda. A direita governa Equador, Uruguai, Paraguai e Brasil, cujo cenário também tende a se alterar, segundo as sondagens.

“O Brasil pode confirmar essa tendência e faltará o Paraguai (abril de 2023) para fechar o círculo. Os governistas enfrentam um mau momento para ganhar eleições”, observa Romero.

Derrotas da esquerda

A regra generalizada que não tem falhado é a da “vitória das oposições”, quer seja de direita, quer seja de esquerda. A tendência também vale para os plebiscitos nos quais os governantes estiverem envolvidos.

Dois casos desmentem uma preferência dos eleitores pela esquerda: Equador e Chile. Em abril do passado, no Equador, quem venceu as eleições foi a direita, com o opositor Guillermo Lasso, um ex-banqueiro, liberal no campo econômico e conservador no campo social.

"Se havia uma onda de esquerda, essa quebrou aqui no Equador", diz à RFI o analista político equatoriano Simón Pachano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).

Em setembro passado, o presidente chileno, Gabriel Boric, sofreu uma dura derrota quando a maioria dos chilenos decidiu rejeitar a nova Constituição, considerada de esquerda, da qual Boric foi um defensor. 

“A direita saiu empoderada ao ganhar um referendo de forma tão contundente e com ampla participação popular. Foi uma dura derrota para Boric, que fez campanha a favor da nova Constituição”, explica à RFI Marta Lagos, diretora das consultorias de opinião pública Latinobarómetro e Equipos Mori.

"Uma derrota inapelável para a nova Constituição, mas também para o governo de Gabriel Boric”, concorda Patricio Navia, da chilena Universidade de Diego Portales e da norte-americana New York University.

Boric tinha assumido a presidência do Chile apenas seis meses antes da votação e a rejeição à nova Constituição significou uma veloz deterioração no governo.

“Em todo o mundo ocidental estão acontecendo desastres políticos acelerados. O que se conhecia por período de "lua de mel", durante o qual a sociedade dava um ano de graça a um novo governo, hoje são três meses, seis meses. As sociedades estão mais ansiosas e demandantes”, indica Rosendo Fraga.

Outros dois exemplos envolvem referendos de 2016 na Bolívia e na Colômbia, onde os governantes foram derrotados.

Na Bolívia, a população rejeitou a ideia de um quarto mandato consecutivo para o então presidente Evo Morales. Na Colômbia, a população rejeitou o acordo de paz com a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). O acordo era uma bandeira do então presidente Juan Manuel Santos, rejeitada pela oposição.

Sete anos de vitórias das oposições

Esse ciclo começou em dezembro de 2015 na Argentina, com a vitória de Mauricio Macri. Desde então, todas as eleições da região foram vencidas pelas oposições. O único desvio na curva, na prática, não foi uma exceção: o caso do Equador.

Em 2017, o candidato governista Lenin Moreno ganhou as eleições como o herdeiro do ex-presidente Rafael Correa. Porém, logo depois de assumir, Moreno rompeu com Correa e passou à oposição. 

Desde 2015, como todos os países naquela altura, com exceção da Colômbia, eram governados pela esquerda, as vitórias da oposição foram interpretadas como triunfos da direita. 

Esse ciclo começou a ser encerrado em dezembro de 2019, justamente com a derrota do argentino Macri à reeleição e o retorno da esquerda ao poder. Mais do que isso, o resultado consagrou a tendência de vitórias das oposições. E tudo leva a crer que um novo ciclo de vitórias das oposições pode começar novamente pela Argentina dentro de um ano, voltando ao poder a centro-direita. 

“O mais provável é que a centro-direita ganhe na Argentina novamente”, acredita Rosendo Fraga. “Provavelmente, na Argentina, no ano que vem, essa tendência continue. Os números indicam que as probabilidades de um triunfo do atual governo são muito baixas”, reforça Romero. 

Esquerda com novas bandeiras  

Segundo o analista político peruano Carlos Meléndez, a nova esquerda que tem chegado ao poder na região é diferente daquela de 20 anos atrás, tendo incorporado novas bandeiras como feminismo, questões de gênero, povos originários ou indígenas e meio ambiente. Essas bandeiras têm servido para sensibilizar a juventude, um segmento protagonista para a nova esquerda. 

“A atual esquerda representa o reconhecimento de valores como o feminismo, a ecologia e as minorias. É também um reconhecimento ao protagonismo juvenil, uma esquerda pós-material”, assinala Meléndez, especialista em análise comparada da realidade política entre os países da América Latina. 

Meléndez também destaca os traços autoritários daquela esquerda de 20 anos atrás, especialmente nos casos de Rafael Correa, no Equador, ou de Evo Morales, na Bolívia. Também um componente de “outsider” militar como nos casos de Hugo Chávez, na Venezuela, ou de Ollanta Humala, no Peru. E todos com o discurso “ anti-imperialista", em desuso pela nova esquerda. 

De qualquer forma, essas ondas de direita e de esquerda têm servido para conter de alguma maneira as extremidades dos polos: a esquerda chega com mais responsabilidade fiscal enquanto a direita, com mais sensibilidade social. 

Assim, a esquerda de Boric, no Chile, procura dar sinais aos mercados, enquanto a direita de Lasso, no Equador, visa as demandas por direitos feministas e por identidade indígena. 

Expectativa regional com o Brasil    

Os países vizinhos olham para o Brasil à espera de uma definição do mapa político. O Brasil é a peça mais importante desse tabuleiro: vale metade do continente em termos de população, de PIB e de território, além de ser o único país capaz de representar a região nos foros internacionais, papel abandonado por Jair Bolsonaro, que isolou o país politicamente no cenário mundial. 

"O Brasil exerce mais um fator de moderação do que uma liderança. O Brasil não alinha, induz. O Brasil não atua liderando, mas representando a região. Com Lula, a América do Sul voltaria a funcionar como região, algo que, com Bolsonaro, não foi possível”, opina Fraga. 

“É que, um a um, praticamente não restaram aliados para Bolsonaro na região. O único que lhe resta é procurar alianças em outros continentes e, mesmo assim, são muito limitadas as alternativas”, conclui Meléndez. 

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