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Esporte em foco

Falta de oportunidades no Brasil expõe jovens a 'armadilhas' no futebol europeu

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Ronaldinho, Neymar, Vinícius Jr., esses jogadores de futebol são apenas alguns de um imenso grupo de brasileiros que se mudaram para a Europa para brilhar no exterior. Mas a história desses craques é apenas a ponta do iceberg de um movimento muito maior, como muitos jovens que, por falta de oportunidades no Brasil, se aventuram foram do país, mesmo sem conhecer a realidade dos times locais. 

Guilherme Ruck, jovem jogador brasileiro  atua no time sub-15 de base do Real Valladolid.
Guilherme Ruck, jovem jogador brasileiro atua no time sub-15 de base do Real Valladolid. © Cortesia Gui Ruck
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Com informações de Marco Martins et a colaboração especial de Jonas Duris

A época em que o Santos do rei Pelé ganhava contra qualquer time do mundo é coisa do passado. Hoje, o futebol brasileiro não atrai tanto os jogadores como antes. “Digamos que há 20 anos, talvez o grande objetivo de um atleta, nas categorias de base, era um dia atuar em um grande clube brasileiro como Flamengo, o Corinthians. Hoje não!”, resume Eduardo Dutra, advogado especializado em Direito Desportivo. Segundo Dutra, que já trabalhou como empresário e supervisor das categorias de base do América Mineiro, atualmente “atuar em um desses clubes (brasileiros) seria apenas um estágio para chegar ao futebol europeu. Com certeza a Europa para esses atletas é o grande objetivo profissional.”

O futebol, que continua sendo o esporte mais popular no Brasil, ainda faz sonhar parte da juventude. Mas, para uma parcela da população, as razões dessa paixão são principalmente econômicas.

“O Brasil é um país que possui muita desigualdade social, então, muitas vezes, o futebol é a única saída para crianças e adolescentes que vivem numa situação econômica complicadíssima. É a única forma de ascensão social”, analisa Eduardo Dutra, lembrando que “muitas vezes essas pessoas não têm acesso a estudos ou qualificação profissional".

Foi essa busca por melhores condições de vida que levou a família Ruck a se mudar para Europa. “A gente veio aqui porque estava difícil no Brasil. E viemos para Portugal porque era a mesma língua. Eu vim para trabalhar, para dar uma vida melhor, segurança, educação. Era aquela vida, na verdade, do brasileiro em geral: trabalhando, trabalhando, trabalhando para poder comer, pagar as contas. Não sobrava nada”, conta Alessandro Ruck.

Em Portugal, seu filho Guilherme começou a jogar futebol e foi descoberto por um olheiro. A família se mudou em seguida para a Espanha, onde hoje o jovem atua no time sub-15 de base do Real Valladolid. “A realidade que a gente tem hoje é completamente diferente da do Brasil", garante Alessandro Ruck.

Guilherme Ruck foi com a família para Portugal e foi descoberto por um olheiro.
Guilherme Ruck foi com a família para Portugal e foi descoberto por um olheiro. © Cortesia Gui Ruck

A realidade das categorias de base no Brasil

No entanto, ter a prática profissional como única saída faz com que aqueles que conseguem entrar nas categorias de base apostem tudo no futebol, deixando aspectos como a educação em segundo plano. Além disso, nem sempre os clubes investem na formação dos jovens atletas, o que é visto por alguns especialistas como um risco.

Eduardo Dutra alerta para essa situação e critica a visão dos times em relação aos jovens. “É extremamente necessário que os clubes deem maior atenção à formação não só do atleta, mas sim à formação do ser humano, porque o atleta passa por um processo de coisificação, digamos assim. Nas categorias de base do clube, ele é visto como um patrimônio, como um ativo que talvez, no futuro, pode gerar um retorno técnico e financeiro. Mas não é visto, na maioria das vezes, como ser humano, como cidadão em formação”, alerta o advogado especializado em Direito Desportivo.

“São crianças e adolescentes que, com 14, 15 anos, ainda com sua personalidade em formação, ficam sem uma referência familiar, ficam sem um auxílio psicológico de um profissional. Simplesmente vivendo o futebol 24 horas por dia. E uma pequena porcentagem consegue chegar ao futebol profissional. A grande maioria, mais de 90% dos atletas, ficam pelo caminho. Então chegam aos 19, 20 anos, não se profissionalizam e não tiveram uma formação educacional”, denuncia. 

Esse é o caso de Guilherme Ruck, que tem uma agenda bem pesada. “É bem complicado, porque eu volto da escola, tenho que fazer meus deveres de casa ou estudar, e depois ir para o treino. Depois do treino, que acaba às 10 horas da noite, tenho que estudar de novo. É bem corrido, mas ao longo do tempo eu consigo me acostumar”, afirma.

O “glamour” do futebol europeu

Esse interesse pelos times europeus vem do fato que os jogadores que conseguem se tornar profissionais no Brasil nem sempre conseguem melhorar suas condições de vida.

Pesquisas mostram que 80% dos jogadores profissionais de futebol no Brasil recebem apenas um salário mínimo por mês. Os que ganham mais de R$ 30.000 representam apenas 1.7% dos atletas. Esse número fica ainda mais marcante quando se sabe que, segundo o site Statista, o Brasil é o país com mais jogadores de futebol profissionais no mundo, com mais de 10 mil atletas em 2021.

Por isso, a opção de jogar na Europa aparece como a melhor solução, mesmo se vários elementos não são levados em conta pelos jogadores e seus familiares, como a solidão, a barreira da cultura, e também da língua. “A maioria desses atletas sequer termina a formação básica na escola, não consegue se formar, não tem o domínio de um segundo idioma, não domina o inglês ou qualquer outro idioma que não o português. Então, naturalmente enfrentam dificuldades para se adaptar para conseguir exercer a profissão em um país diverso. Trabalhei com alguns atletas que hoje atuam na Europa, que foram para a Ásia. Alguns lá permanecem, outros não conseguiram ter um bom desempenho ou tiveram problemas de adaptação e retornaram. Isso é comum”, explica o ex-empresário.

Para não ficarem isolados, Alessandro e sua família fizeram amizade com outras famílias ligadas ao futebol profissional. “Eu conheci assim muita família de jogadores profissionais, jogadores do Real Madrid, do United, times do Brasil e sempre que eu tenho oportunidade converso muito com os pais, para saber como eram esses jogadores profissionais na base e onde eles erraram, onde eles acertaram”, conta.

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