Para evitar “elefantes brancos”, Copa do Catar tem estádios desmontáveis

Na preparação para a Copa do Mundo de 2022, um dos principais desafios do Catar é quanto ao legado e à sustentabilidade. Em um país de pouca tradição no futebol, manter o uso dos estádios após o torneio não é uma missão fácil. Para tentar evitar os chamados “elefantes brancos”, a solução encontrada pelos organizadores e autoridades locais foi construir estádios desmontáveis.

O estádio 974, será totalmente desmontado após o evento. É o primeiro estádio temporário da história das Copas. Construído no porto de Doha, à beira-mar, ele é feito de contêineres de navio. © Tiago Leme

Tiago Leme, de Doha (Catar), para a RFI

Dos oito estádios que serão utilizados no Mundial este ano, só um permanecerá como está, o Khalifa Internacional, único que já existia antes. Os demais terão capacidade reduzida após a Copa e serão transformados em diferentes estabelecimentos, como arenas esportivas menores, restaurantes, lojas, clínicas de saúde, escolas, hotéis, mesquitas, parques e casas.

Foram construídos sete modernos estádios para a Copa, com sistema de resfriamento por causa do calor e design inspirado na cultura árabe. No entanto, na liga de futebol do Catar, as arquibancadas costumam ficar vazias durante os jogos. A população local tem mais interesse em acompanhar esportes tradicionais nesta região do Oriente Médio, como corrida de camelos e falcoaria.

O principal exemplo deste plano de legado é o estádio 974, que será totalmente desmontado após o evento. É o primeiro estádio temporário da história das Copas. Construído no porto de Doha, à beira-mar, ele é feito de contêineres de navio.

Inicialmente chamado de Ras Abu Aboud, o local teve o nome mudado para estádio 974, número exato de contêineres usados na sua construção. 974 também é o código telefônico internacional do Catar. Essas grandes caixas para transporte de carga e módulos de aço estão em toda a estrutura, como arquibancadas, vestiários e áreas internas. Do lado de fora, o visual colorido chama a atenção.

Com capacidade para 40 mil torcedores, o estádio 974 vai receber oito partidas na Copa, entre elas o segundo jogo do Brasil, contra a Suíça, no dia 28 de novembro. Ele foi inaugurado com uma bonita festa em novembro de 2021, durante a Copa Árabe.

Construído no porto de Doha, à beira-mar, ele é feito de contêineres de navio. © Tiago Leme

Depois do Mundial, o 974 vai deixar de existir e o principal plano é doar e enviar as partes para algum país em desenvolvimento, para que outros estádios sejam construídos.

“O legado deste estádio é que nós temos a flexibilidade do projeto para desmontá-lo totalmente e depois reconstruí-lo em um local diferente com a mesma capacidade. Ou até mesmo usar essas instalações, esses elementos, para construir estádios menores", explicou Nasser Al Khater, CEO do Comitê Organizador Catar 2022. "Podemos construir dois estádios menores, com capacidade de 20 mil ou 10 mil assentos. Ou podemos até mesmo reutilizar esses contêineres como contêineres de navio novamente, para serem carregados com carga.”

Após sofrer críticas internacionais e de entidades de defesa dos direitos humanos, por causa das condições precárias e mortes de trabalhadores nas construções dos estádios, o Catar tenta dar a sua resposta com um compromisso de legado sustentável. Neste projeto contra os elefantes brancos, os demais estádios terão assentos do anel superior retirados após a Copa do Mundo. O Lusail, por exemplo, palco da final, para 80 mil torcedores, terá sua capacidade reduzida, e o espaço ganhará uma escola e áreas comerciais. Ao seu lado, uma cidade inteira de 35 km2, também com o nome de Lusail, foi construída.

O Al Bayt, com visual de tenda árabe, vai receber a partida de abertura no dia 20 de novembro. Depois do torneio, sua parte superior vai virar um hotel cinco estrelas e um shopping center. O estádio Education City, que fica dentro da Cidade da Educação, região em que estão sediadas universidades e a biblioteca nacional, será utilizado para atividades esportivas dos estudantes.

Depois do Mundial, o 974 vai deixar de existir, e o principal plano é doar e enviar as partes para algum país em desenvolvimento, para que outros estádios sejam construídos. © Tiago Leme

Após visitar países que foram sede dos Mundiais anteriores, Nasser Al Khater observou estádios que ficaram sem uso após a competição e reconheceu a necessidade de um bom plano de legado no Catar.

“Nós estivemos em todos os torneios anteriores, começando em 2010 na África do Sul, Brasil em 2014 e Rússia em 2018. Nós consultamos as autoridades da liga local sobre reduzir a capacidade para eventos que serão requisitados depois da Copa, para poder manter as instalações sendo usadas durante o ano inteiro, e também para reduzir o custo operacional, em termos de limpeza e manutenção de todos os sistemas”, afirmou.

Na Copa de 2014, no Brasil, foram utilizados 12 estádios em 12 cidades diferentes. Apesar de o país sul-americano ter tradição no futebol, a construção de algumas arenas foi criticada pelo alto custo e pouco uso após a competição, como em Manaus e Recife. Após o Mundial do Catar, a Copa de 2026 terá o número de seleções ampliada de 32 para 48 e acontecerá nos Estados Unidos, México e Canadá. Serão 16 estádios, todos eles já existentes.