Acessar o conteúdo principal
Brasil-Mundo

Diretora de documentário brasileiro na lista do Oscar promove o filme nos EUA

Publicado em:

No filme, a documentarista Eliza Capai mostra um relato em primeira pessoa sobre sua experiência ao ter que interromper uma gravidez na décima quarta semana de gestação. A diretora recebeu o diagnóstico de que o feto era "incompatível com a vida", termo médico que dá nome ao filme que estreia nas salas comerciais do Brasil nesta quinta-feira (16).

O documentário  estreou no festival  "É Tudo Verdade", levando o prêmio de melhor filme, resultado que o qualifica para a shortlist do Oscar de melhor documentário.
O documentário estreou no festival "É Tudo Verdade", levando o prêmio de melhor filme, resultado que o qualifica para a shortlist do Oscar de melhor documentário. © Luciana Rosa
Publicidade

Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

Em abril, o filme levou o prêmio principal no festival paulista "É tudo verdade", que colocou o documentário na pré-lista dos selecionados para concorrer ao Oscar nesta categoria.

Com o objetivo de promover a obra nos Estados Unidos, a diretora esteve em Los Angeles no Hollywood Brazilian Film Festival e em Nova York, em sessão promovida em conjunto com a organização Women's Equality Center.

Eliza Capai, que também é conhecida pela direção da primeira série brasileira de 'true crime' da Netflix, Elize Matsunaga - era uma vez um crime - e que esteve à frente de outros documentários como 'Espero tua (Re)volta (2019)'  e 'Tão longe é aqui (2013'), conversou com a RFI em Nova York para contar mais detalhes do mais novo trabalho.

A mudança de perspectiva

Acostumada a estar atrás das câmeras contando histórias de pessoas que encontrou ao redor do mundo, em 'Incompatível com a vida' Eliza Capai arrisca, pela primeira vez, uma mudança de perspectiva. Passa de ser observador para ser observado.

A diretora filmou a própria grávidez até descobrir que sua gravidez precisaria ser interrompida por problemas de má formação do feto.

"Eu já vinha gravando a minha gravidez desde o início, mas muito como um exercício de filmar. Pensando em como eu filmaria outras mulheres para um projeto que eu iria fazer. No momento em que eu descubro que aquela gravidez, que era uma grávidez, muito desejada, era de um feto incompatível com a vida, eu fui atravessada por sentimentos que eu nunca tinha experimentado", relata. 

Eliza conta que sentiu uma tristeza muito profunda que a levou a pensar em quantas mulheres haviam passado por situações parecidas e que, por questões culturais, não haviam podido viver essa tristeza.

"Logo você vai ter outro", cita a diretora como uma das frases de consolo ouvidas por gestantes ao perder um filho de forma pré-matura.

E foi então, que Eliza resolveu ampliar as vozes de seu filme e partiu em busca de outras gestantes que tivessem passado pela mesma situação no Brasil.

"Naquele momento eu pensei: 'nossa, eu deveria fazer um filme sobre isso! Eu deveria fazer um filme sobre isso com outras mulheres!", relembra. 

Ao mesmo tempo, ela percebeu a importância de colocar literalmente o corpo na história e, em um relato cru e intimista, filmou cada minuto da interrupção de sua gestação, desde as primeiras contrações até a cena em que ela aparece contemplando o feto em suas mãos.

"Eu senti que se eu não fosse capaz de inverter essa câmera e, se não fosse capaz de me  colocar enquanto corpo, eu não teria mais o direito de fazer documentários sobre a questão feminina", justifica.

Mas, Eliza reconhece que esse relato só foi possível porque ela viveu todo o processo em Portugal, onde o aborto está legalizado.

"Eu só tive força para fazer o filme porque eu entendi o lugar de privilégio onde eu estava. Quando o diagnóstico foi feito, eu estava em Portugal, país em que fui aconselhada por médicos a fazer uma interrupção médica de gravidez", relata.

Capai diz que se estivesse no Brasil, onde o aborto não é legalizado em casos de "incompatibilidade com a vida" - a legislação do país só admite o aborto em casos de estupro, anencefalia ou risco de morte para a gestante -  as imagens que estão no filme seriam a confissão de um crime.

A arte como uma forma de cura

A diretora diz que o contato com outras mulheres que passaram pelo mesmo problema foi um processo de cura, tanto para ela quanto para as entrevistadas.

"Foi  muito duro, porque foi encarar, editar o momento mais traumático que eu tive na vida, mas, ao mesmo tempo, foi um processo de cura. Isso porque eu entendi que, ao falar sobre esse processo e ao estar junto com outras seis mulheres e casais que falam sobre seus processos, o filme ajuda muitas pessoas que passaram por essas situações ou que estão passando, a elaborar melhor seu próprio trauma", conclui.

Filme poderia representar o Brasil no Oscar

O filme, que chegou a ser rejeitado quando a primeira versão foi apresentada para um laboratório de finalização cinematográfica, agora, está na lista de pré-selecionados para representar o Brasil no Oscar de 2024.

O documentário  estreou no festival  "É Tudo Verdade", levando o prêmio de melhor filme, resultado que o qualifica para a shortlist do Oscar de melhor documentário.

"Pretendemos promover o filme aqui (EUA) de algumas formas e dar visibilidade para ele a partir desse lugar que é um tanto fetiche no imaginário pelo menos do brasileiro, que é o lugar do Oscar. Dar essa visibilidade para o filme para que a gente consiga voltar para casa e falar sobre esses temas tabus", pontua Eliza logo após a exibição de 'Incompatível com a Vida' em Nova York nessa terça-feira (14).

"Dar visibilidade ao filme a partir dessa campanha do Oscar  que a gente tá fazendo aqui fora ajuda a levantar esse debate em casa", diz Capai.

A diretora queria que o documentário contivesse diversidade de vozes, contando com o testemunho de mulheres que tiveram que pedir ajuda da justiça para poder interromper a gestação de um filho sem esperança de sobrevida e também daquelas que decidiram levar a gravidez até o final.

"Não podemos  discutir o aborto como mulheres de família, boas, versus mulheres ruins que abortam. No filme, essas duas mulheres são a mesma. E é isso que acontece no mundo real",  pontua. "Quem aborta é mãe de família, quem aborta é religiosa, quem aborta são pessoas que tiveram uma gravidez que não conseguem se imaginar levando para frente", completa.

Com seu filme, Capai espera ajudar a gerar empatia "para que o debate sobre o aborto saia do lugar estigmatizado em que ele está, do lugar violento em que ele está e que entre na pasta que lhe cabe, que é a de saúde pública".

Uma vez finalizada a temporada promocional do filme, "Incompatível com a vida" estará disponível na plataforma Taturana para exibições em centros culturais, coletivos e qualquer organização que queira utilizá-lo como provocador para discutir temas de saúde pública no Brasil.

'Incompatível com a vida' estreia nesta quinta-feira (16) em São Paulo no Espaço Itaú de Cinema, depois segue para Rio, onde será exibido nesta sexta (17) na Estação Net Rio, seguindo para Recife, Salvador, Fortaleza e Manaus. O filme também está disponível online na plataforma Mubi.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.