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Brasil-Mundo

Luiza Romão, vencedora do Jabuti 2022, fala sobre a influência do Slam e da Ilíada em sua poesia

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Com o livro de poesia “Também guardamos pedras aqui”, lançado em 2021 pela editora Nós, Luiza Romão viu seu nome ser eternizado na história da literatura brasileira. A obra ganhou o título de Livro do Ano de 2022 no Prêmio Jabuti. Para prosear sobre a fase que vivencia e sobre o que vem antes e depois de receber um Jabuti, a escritora abriu as portas da casa em que mora atualmente, em Madri, para a RFI.

Baseada em Madri, a vencedora do prêmio Jabuti de Literatura em 2022, Luiza Romão, fala sobre seu trabalho.
Baseada em Madri, a vencedora do prêmio Jabuti de Literatura em 2022, Luiza Romão, fala sobre seu trabalho. © Ana Beatriz Farias de Oliveira
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A relação de Luiza Romão com as letras não vem, originalmente, de uma interação entre lápis e papel. Na verdade, sua trajetória como artista se iniciou no teatro e na performance quando começou a estudar artes cênicas. Nascida em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, ela se mudou para a capital em 2010. Em 2013, conheceu o movimento do Slam, no qual acontecem batalhas de poemas autorais diante de uma comissão julgadora.

Luiza explica que no Slam só existem, basicamente, o poeta, o microfone e a poesia. As apresentações acontecem sem figurino nem trilha sonora. O primeiro contato da autora com este tipo de manifestação artística foi inesquecível. “No final de 2013, eu fui ao Slam da Guilhermina, que é uma batalha que acontece na saída do metrô Guilhermina Esperança, na zona leste de São Paulo, e fiquei arrebatada por ver duzentas, trezentas pessoas numa roda de poesia, numa sexta feira à noite, conversando, discutindo afeto, discutindo política, discutindo vários temas através da poesia”, conta entusiasmada.

A partir daí, Luiza começou a frequentar batalhas do tipo, além de saraus e espaços com microfones abertos. Se envolver cada vez mais com a cena da poesia falada foi consequência natural do encantamento. “Quando me dei conta, já estava também escrevendo, performando, explorando exatamente essa intersecção entre literatura, performance, cena, voz e corpo. Para mim é muito difícil falar de poesia sem falar dessa palavra que é a palavra falada, dessa palavra que tem corpo, dessa palavra que acontece exatamente no encontro coletivo”, narra Luiza.

“Ilíada” e os frutos de uma leitura marcante

Alguns anos depois daquele encontro arrebatador entre Luiza Romão e a poesia falada do Slam, o caminho da artista cruzou com uma obra que mudaria sua vida. A epopeia grega Ilíada a atravessou, como conta. Elementos presentes no texto, como extermínio, dor e violência, impactaram fortemente a artista. “Eu lembro de ficar muito abalada com a quantidade de verbos que o livro carrega sobre matar, subjugar, violentar e exterminar. Sobre causar a dor de um povo. Eu lembro de pensar: ‘é essa a narrativa que vai fundar literatura ocidental? A partir desse relato é que o Ocidente vai construir ideias de democracia, de estética, de política, de filosofia?’ Foi um incômodo muito forte que me ocorreu naquele momento”.

O desconforto acabou se transformando em inspiração e rendeu frutos, como explica a artista. “A partir do incômodo escrevi o poema Homero, que é um dos poemas do livro. Em 2019, integrei o grupo de escrita do Marcelino Freire e uma oficina que ele ministra em São Paulo. Eu comecei a escrever os poemas, um para cada personagem da Ilíada. Pensando, então, nessas imbricações entre os movimentos da literatura ocidental e também noções de virilidade, de masculinidade, de patriarcado e de guerra, que vão fundamentar muito da visão ocidental e que chegam no Brasil e nas Américas através de um processo muito brutal que é o processo da colonização”.

A soma do impacto causado pela leitura com o desejo de dialogar com a obra inspirou a escrita do livro “Também guardamos pedras aqui”, que tem a Guerra de Tróia como objeto central. Apresentada por Adelaide Ivánova como uma leitura que “seduz ao comentar sobre a realidade atual, enquanto, simultaneamente, arrasta para um passado estranhamente reconhecível”, a publicação foi consagrada em 2022. A coroação do trabalho surpreendeu a autora que, quando soube que tinha sido a grande vencedora do Jabuti, estava em Madri.

“Eu estava sozinha no meu quarto. Moro com outras pessoas e estava todo mundo dormindo. Eu estava vendo a ‘live’ e lembro de começar a querer gritar e, ao mesmo tempo, não querer acordar ninguém… Eu comecei a receber muitas mensagens, vídeos, fotos de amigas, amigos e amigues do Brasil. Foi muito emocionante. Eu acho que esse prêmio, de certa forma, é um reconhecimento dessa cena de poesia falada que está borbulhando e causando no Brasil nos últimos tempos”, recorda.

Ganhando, também, o mundo

Luiza está na Espanha estudando interpretação para cinema. A multiartista se diz apaixonada pela linguagem do audiovisual e por seus diversos formatos. Em Madri, ela tem se conectado a criadores de diferentes partes do mundo.

“Uma das coisas interessantes de estar aqui, em Madri, é que a gente tem muitas escritoras, escritores, poetes da América Latina. Eu tenho tentado me conectar, nos últimos meses, com poetas do Chile, da Argentina, do Uruguai, da Costa Rica… Percebendo também um pouco dessa produção que circula aqui na Espanha, principalmente através de editoriais independentes, de editoras pequenas, de selos e revistas hispanohablantes. E também me conectando com a cena de Slam daqui e com os movimentos de ‘Spoken Word’, como o Slam Madrid, o Slam Tabacalera e alguns outros coletivos que eu tenho começado a mapear e frequentar”, enumera.

Luiza Romão tem circulado bastante na Europa. Em Atenas, na Grécia, ela participou da décima edição do Festival Internacional de Videopoesia. Em Portugal, esteve no Festival Literário Internacional de Óbidos e no Festival Make Art Not Fear, no Porto. Na Alemanha, participou com o videopoema inspirado em “Também guardamos pedras aqui” do Prêmio de Videopoesia de Weimar. Quando foi à Universidade de Zurique, na Suíça, a artista fez uma performance e apresentou, em comentário, sua dissertação de mestrado. Na capital espanhola, tem se aproximado da cena Slam.

Em maio, Luiza voltará ao Brasil, onde deve continuar sua caminhada artística aberta às infinitas possibilidades que um trajeto multilinguístico pode oferecer.

Quando perguntada sobre os desejos para o ano que começou há pouco, ela revela que a lista envolve estar no palco. “Para 2023, espero continuar trabalhando com poesia, com teatro… Eu participo de uma coletiva de teatro e performance, no Brasil, chamada Coletiva Palabreria. No ano passado, a gente estreou o espetáculo chamado ‘Garotas Mortas’, inspirado no livro da escritora argentina Selva Almada e que trata da questão do feminicídio. Espero em breve poder voltar com o espetáculo em São Paulo, fazer temporada de novo”.

Além disso, Luiza diz que pretende “continuar falando sobre o ‘Pedras’, performando os poemas e circulando com Nadine, livro lançado no finalzinho do ano passado pela editora Quelônio e que mistura um pouquinho a estrutura de uma narrativa policial, com algumas questões também torno do feminicídio”.

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