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Brasil-Mundo

Racismo é tema de curta-metragem produzido por brasileira na Suíça

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A convite do Instituto Moreira Salles (IMS), a diretora Tila Chitunda, que mora há quase quatro anos na Suíça, produziu um curta-metragem que reflete sobre seu lugar no mundo diante da pandemia. Tila é brasileira, filha de refugiados angolanos e casada com um suíço, com quem tem dois filhos. 

Tila Chitunda no Festival é tudo Verdade - 2019
Tila Chitunda no Festival é tudo Verdade - 2019 © Simão Salomão
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Valéria Maniero, correspondente da RFI na Suíça 

A convite do Instituto Moreira Salles (IMS), a diretora Tila Chitunda, que mora há quase quatro anos na Suíça, produziu um curta-metragem que reflete sobre seu lugar no mundo diante desta pandemia. Tila é brasileira, filha de refugiados angolanos e casada com um suíço, com quem tem dois filhos. 

O curta “Deslocamentos, paraíso e caos” trata do racismo e faz pensar. Foi produzido em português, mas já está com tradução para o francês e pode ser visto clicando aqui.

Em uma série de documentários feitos nos últimos anos, a diretora investiga a memória e a relação entre as identidades dos povos brasileiro e angolano. Seus filmes já ganharam prêmios em festivais de cinema na Itália e no Brasil. 

Entrevistada pela RFI, Tila contou que o convite para fazer o curta-metragem foi feito por Kléber Mendonça Filho, diretor do filme “Bacurau” e coordenador de cinema do IMS. 

“Quando a pandemia começou, no primeiro semestre deste ano, o IMS decidiu convidar artistas de diversas linguagens, como cinema, fotografia, música, para que eles pudessem produzir algo inspirado nesse momento. Eu fiquei super feliz com o convite, tanto pela oportunidade de produzir mais um curta quanto pelo fato de poder estar num espaço que já estava sendo ocupado por cineastas que eu tanto admiro, como Yasmin Thayná, Gabriel Martins, Joel Zito Araújo, Grace Passô, Jorge Furtado, Cristina Amaral, Karim Aïnouz”, conta ela. 

A diretora também falou sobre o processo de produção e sobre como foi abordar o racismo, tema que, como ela mesma diz no curta, “todo mundo sabe que existe, mas ninguém quer se assumir”. 

“Nos meus filmes, eu sempre gosto de partir de experiências pessoais para falar sobre histórias universais. E embora o racismo sempre tenha acompanhado a minha existência, durante a pandemia, essas violências tomaram proporções terríveis, como no caso do George Floyd, nos Estados Unidos; do João Pedro, no Rio; e do menino Miguel, lá em Recife. Então, tudo isso me fez refletir sobre a minha própria história de deslocamento e diáspora. Minha história de mulher negra, filha de africanos, que nasceu no Brasil, e que agora está na Suíça. Esse momento me fez refletir sobre minhas conexões com esses três continentes que, de certa forma, me habitam. E também sobre a minha condição de mãe de duas crianças negras”, diz.

“Denunciar o racismo era mais do que urgente”

Foi assim que ela começou a pensar “nas várias violências que sofreu” e decidiu denunciar aquela que a acompanha durante toda a vida.   

“Desde criança, na escola, eu já sofria bullying por conta do meu cabelo, da minha cor de pele; nas lojas, várias vezes, eu fui seguida por seguranças que pensavam que eu estava ali para roubar. Mais tarde, quando eu tive o segundo filho - um pouco mais claro do que eu -, as pessoas me perguntavam, quando eu morava lá, se eu era babá dele. Enfim, diante de tudo isso e do que a gente estava vivenciando durante a primeira onda, eu percebi que denunciar o racismo era mais do que urgente, principalmente agora que eu sou mãe de duas crianças negras e que me questiono sobre como eu posso educar meus filhos para que eles sobrevivam ao racismo que matou George Floyd, o menino Miguel e que a cada 23 minutos mata uma pessoa negra no Brasil”. 

Para Tila, não é fácil dizer “qual é o lugar dela no mundo diante dessa pandemia”, mas diz ter sorte de saber quem são seus pais, avós e bisavós. De conhecer a própria origem. 

“Eu sei quem eles eram e de onde eles vieram. Essa não é a realidade da maioria das pessoas pretas que nasceram no Brasil. Eu faço essa contextualização pelo seguinte: para mim, conhecer nossas origens nos ajuda a encontrar nosso lugar no mundo, a encontrar referências que nos impulsionam a ter coragem de ocupar espaços que, historicamente, foram negados para os povos pretos”. 

Segundo a brasileira, o racismo estrutural que a gente enfrenta hoje é herança do sistema colonial e escravocrata. 

“É esse racismo estrutural que me fez, por várias vezes lá no Brasil, ter que dizer que eu não era babá do meu filho nem empregada doméstica na minha própria casa, isso quando alguém tocava a campainha. Era uma situação que acontecia. Só pelo fato de eu ser negra. Eu acredito que o meu papel, como realizadora audiovisual, é mudar esses imaginários, é apresentar outras narrativas, protagonizadas por pessoas pretas, diferentes daquelas das manchetes dos cadernos policiais”. 

No curta-metragem de Tila, a Suíça também está presente, sendo apresentada, de maneira irônica, como “o paraíso”. Ela explica como foi vivenciar a pandemia nesse país que está entre os mais desenvolvidos do mundo.

“Aparentemente, a Suíça é um paraíso, se a gente comparar com alguns lugares do mundo, como o Brasil. Durante a pandemia, a curva de contaminação foi rapidamente controlada aqui na primeira onda. No geral, os sistemas de transporte, os espaços públicos, tudo funciona numa precisão extraterrestre. Por isso que eu costumo dizer que nem parece que é o mundo. Então, vivenciar a pandemia na Suíça, de fato, é um privilégio, mas por vezes, essa ordem, essa organização, isso tudo tão certinho, que parece que foi modificado no Photoshop, pode ser bem opressivo também e nada acolhedor”, afirma.  

Depois de um tempo morando no “paraíso”, ela começou a questionar também sobre a origem de tanta organização, perfeição e riqueza. 

“Para o filme, comecei a pesquisar um pouco as relações da Suíça com o colonialismo e tal. Acabei chegando no David de Pury, que tem uma estátua em Neuchâtel, onde ele deixou a sua riqueza. Na verdade, era um escravocrata suíço, mesmo que a Suíça não tenha tido colônias. E, ao mesmo tempo, você vai investigar a origem do sigilo bancário, dessa grana toda que tem aqui... Durante muito tempo, esse sigilo atraía dinheiro sujo, fruto de opressão, de corrupção, de guerras... O filme não é uma tese, mas um dispositivo para a gente refletir sobre todos esses deslocamentos e também por que o mundo chegou aonde está”. 

Apesar de estar num lugar seguro, Tila diz que continua vulnerável. 

“Porque enquanto existir racismo, machismo, intolerância e desigualdade social, onde quer que eu esteja, infelizmente, eu como mulher, como negra, continuarei vulnerável. Vulnerável às violências causadas pelo racismo, pelo machismo, pela intolerância, que estão espalhadas ao redor do mundo. É por isso que a gente precisa seguir lutando. Só assim vai poder mudar o rumo do mundo”, afirma. 

 

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