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Brasil-África

Empresário brasileiro cobra mais apoio governamental para estimular investimentos na África

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Um convite para trabalhar em uma companhia aérea, tendo um cargo de liderança no setor de transporte de cargas, fez o gaúcho Marcos Brandalise trocar a Alemanha, onde vivia recém-casado com uma alemã, por Angola, em 1988, em plena guerra civil que marcou a história do país lusófono.

Marcos Brandalise
Marcos Brandalise © Arquivo pessoal
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Vinícius Assis, correspondente da RFI em Adis Abeba

Cinco anos depois, ele foi transferido para o leste africano. E foi no Quênia, uma das maiores economias africanas, que ele decidiu viver com a família e criar, em 1996, a própria empresa para apresentar, nesta região, as soluções com bons resultados para o Brasil em anos anteriores, especialmente na agricultura. Marcos começou a representar empresas brasileiras por aqui. “A gente viu o que aconteceu no Brasil nos anos 1970, 1980, 1990 e o que ainda está acontecendo. A gente imagina e tem esperança de que a África vai seguir o mesmo caminho do Brasil. O potencial aqui é fenomenal”, disse. Ele representa atualmente cerca de 15 companhias brasileiras e vende de chuveiros elétricos à maquinário agrícola.

O Quênia enfrenta uma onda de protestos contra o novo governo por conta do custo de vida no país, que vem aumentando. Mas as recentes manifestações não são as primeiras que ele testemunha e isso não intimida um dos empresários brasileiros mais antigos - se não o mais antigo - investindo e vivendo no complexo e promissor continente africano. Teimoso autodeclarado, é um entusiasta da ideia de que o Brasil deve olhar mais para as oportunidades e desenvolver parcerias com o segundo continente mais populoso do planeta, apesar dos desafios dessa região que, até seis décadas atrás, era dominada por colonizadores europeus. “O processo de se desvencilhar dos colonialistas começou nos anos 1960. Então, são democracias ou governanças recentes. O processo deles é muito mais jovem. Tem muita coisa ainda para eles passarem para chegar em um nível de estabilidade governamental”, disse.

Muitas realidades

Este assunto foi abordado na entrevista não só por conta dos protestos recentes no Quênia, mas porque o receio de golpes militares e o clima de instabilidade política acaba sendo um dos motivos para que empresários brasileiros sejam reticentes em se tratando do continente que, até 2050, deverá concentrar 25% da população mundial. O brasileiro reforçou ao longo da entrevista a diversidade da África, que muitos parecem ignorar ao olhar para esta parte do planeta de forma homogeneizada. “São 54 países e cada país é uma cultura”, destaca, embora reconheça que há similaridades. “Cada país é um país, não dá pra generalizar ‘África’. Tem que olhar para cada país de uma forma diferente. Tem uns com muito mais risco, outros com muito menos risco e outros sem risco”, reforça.

O brasileiro se mostra otimista em se tratando das novas gerações de africanos. “O continente está experimentando um momento super interessante. As gerações novas, bem educadas, localmente ou internacionalmente, estão voltando com boas ideias e querem inovar. E a agricultura, nos últimos anos, tem sido uma área em que eles têm muito interesse”, disse.

Com uma visão pragmática e realista, o brasileiro que vive há mais de 30 anos no continente africano não romantiza o seu discurso para estimular investimentos nesta região. “Tem muitos ‘buracos’: o buraco cultural, o buraco político. Por exemplo, em agricultura, a vida animal selvagem é enorme aqui na África, em vários países. Então, isso conta para ter cuidado, para não prejudicar essa vida, que é uma riqueza africana, mas também um desafio para a agricultura”, frisou. O pastoralismo que ainda existe em grande escala é outro “buraco” destacado por Marcos para se ter cuidado, assim como títulos de terras. “Uma das nossas vantagens é que a gente entende a cultura e a gente entende como lidar com comunidades, com a vida animal selvagem e outras coisas. Não dá para ignorar isso porque senão o pessoal falha, como falharam vários projetos de diferentes investidores de diferentes nações”, contou.

Oportunidades

O Brasil ainda apresenta ótimas oportunidades internas, o que faz com que empresários brasileiros nem sempre se interessem em cruzar o oceano Atlântico para aproveitar novos investimentos. Mas a falta de conhecimento e o fato de se basearem apenas em experiências que não deram certo também afastam investidores brasileiros do continente africano, na opinião do Marcos.

Algo que pode estimular a implementação de projetos brasileiros na África seria o BNDES voltar a olhar para o continente. A internacionalização do Banco volta ao centro do debate entre especialistas agora no governo Lula. Embora o BNDES tenha sido criado em 1952, foi nos anos 2000 que se começou a ver apoio à internacionalização de empresas brasileiras. Chegou a ter três escritórios no exterior: em Montevidéu, Londres e Joanesburgo, aberto dez anos atrás. Os três foram fechados pouco depois de Michel Temer ter assumido a presidência. “Conheci o pessoal que tocava o BNDES em Joanesburgo. Fizeram bastante esforços para entrarem no continente e financiar alguns programas, mas eles se depararam com uma coisa óbvia: outros países também têm programas similares. As iniciativas foram boas, o escritório de Joanesburgo era bom. A motivação estava lá, para fazer a coisa acontecer, mas infelizmente, falhou em algum lugar que eu não tenho capacidade de avaliar”, observou.

Um assunto sobre o qual a reportagem também ouviu o presidente do Instituto Brasil-África (IBRAF), João Bosco Monte, que destacou duas falhas. “Foram menos de três anos de operação no continente e o banco não disse exatamente qual era seu interesse naquele espaço. Não dá para cobrir todo o continente com o pessoal escasso. Não era uma equipe muito generosa, muito grande. E o segundo erro foi que as empresas brasileiras não sabiam da existência de um banco de financiamento de empresas brasileiras na África. Então, o desconhecimento talvez foi o erro fatal”, esclareceu.

O empresário gaúcho destacou que há, ainda, um grande potencial nesta região. “Mas temos que lembrar que têm muitos competidores entrando na África, especialmente agora. Então, tem que haver uma mudança, talvez. Uma reavaliação de como a gente entra com financiamento e tudo mais, que é importantíssimo e pode facilitar muito o investimento do brasileiro no continente e a visão do continente com o Brasil (pode) melhorar também”, disse.

Marcos reconheceu que, no passado, o presidente Lula reaproximou o continente africano do Brasil, mas criticou o modo que isso foi feito. “Ele deu muito suporte a grande empreiteiras. Acho que pequenas atividades teriam tido mais resultado”, ponderou.

O presidente do IBRAF também acha que não só as “campeãs” podem ter acesso ao financiamento do banco. “Outras empresas médias e pequenas também podem e devem ter condições de conversar e fazer negócios na África com a parceria do BNDES de forma objetiva e direta”, reforçou. Para João Bosco, é preciso repensar o apoio governamental, através de um banco de financiamento para que marcas, produtos e serviços do Brasil cheguem a espaços africanos, mas também colaborando com o outro lado. “Empresas africanas também podem se interessar em fazer negócios com o Brasil e no Brasil a partir de uma representação maior nossa no continente africano”, concluiu.

Ao falar com a RFI, Marcos Brandalise disse discordar de algumas políticas do Itamaraty e diz que investidores de países como Itália, Turquia e China, por exemplo, têm mais apoio de seus governos. “O Brasil ainda está em uma fase precoce em se tratando de fazer negócio internacional. Eles ainda têm uma visão, eu diria, arcaica de como fazer negócio internacionalmente”, observa, deixando claro que ainda “tem um grande caminho para ser trilhado pelo governo brasileiro para melhorar as relações entre África e o Brasil”.

BRICS

O presidente Lula deve fazer a primeira viagem, deste terceiro mandato, para o continente africano somente em agosto, quando participará da cúpula do BRICS, na África do Sul. Na entrevista, Marcos afirmou que acha o BRICS uma associação super interessante, mas que pode ser melhor explorada. Ressalta que ainda é preciso ter cuidado com países do hemisfério norte, que detém hegemonia em vários aspectos. “O Brasil tem que continuar fazendo o papel dele de neutralidade, em vários aspectos, mas tem que ver a parte dele na economia. O BRICS pode ser tão importante para o Brasil como todos os outros blocos econômicos que existem no mundo. O Brasil é e tem que continuar sendo amigo de todos os blocos”, disse.

O empresário segue a lógica do quanto maior o risco, maior pode ser a margem de lucro. E destaca que há “um potencial fenomenal” em se tratando da relação do Brasil com o continente africano. “Porque o africano gosta do brasileiro e quer fazer negócio com o Brasil, mas os mecanismos não existem efetivamente”, ressaltou.


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