Imprensa: guerras de Putin contra a Ucrânia e a democracia minam confiança de jovens russos no futuro

O conflito entre Rússia e Ucrânia é também uma guerra psicológica para quem vive nos dois países. Esses danos imateriais e difíceis de se medir parecem se agravar cada vez mais à medida que a guerra persiste, analisa a revista francesa L'Express desta semana. A publicação conta de que forma o confronto afetou os projetos de vida dos russos mais abertos ao mundo, estejam eles em seu país ou no exterior.

Entre janeiro e junho de 2022, a venda de antidepressivos cresceu 66% na Rússia (em relação ao mesmo período em 2021), de acordo com um fornecedor nacional. AP - Dmitri Lovetsky

Sob o título "Uma juventude sem esperança e sem futuro", a semanal relata como a ofensiva de Vladimir Putin não atacou apenas os ucranianos, mas também mergulhou parte da sociedade russa em um grande sofrimento psicológico – pessoas que se sentem vítimas da armadilha do conflito e do nacionalismo, ao mesmo tempo em que enfrentam o risco de represálias pelo Kremlin.

Uma moscovita de apenas 28 anos revela à L'Express que sua irmã, seus amigos e conhecidos passaram a consumir antidepressivos, e se negam a acompanhar as notícias da guerra. Estar consciente do que se passa e buscar informações confiáveis exige muita energia, admite a jovem, que viu ruir o futuro de sua carreira internacional.

Ao abordar o futuro, ela conta uma piada que se tornou corrente entre eles: "Qual a perspectiva na Rússia? Apenas dez minutos".

Antidepressivos e psicologia

O texto explica que não há pesquisas quantitativas que meçam esse mal-estar da população, mas alguns índices podem ajudar a revelar essa realidade: entre janeiro e junho de 2022, a venda de antidepressivos cresceu 66% no país (em relação ao mesmo período em 2021), de acordo com um fornecedor nacional. A busca por consultas em psicólogos aumentou 63% no ano passado, afirmam os profissionais da área.

Já os russos que vivem fora das fronteiras de seu país dizem viver um forte sentimento de não se sentirem no direito de se queixarem, e são severamente criticados e alvo de comparações com o sofrimento dos ucranianos. Essa hostilidade agrava a sensação de isolamento destes que já estão exilados.

Uma fotógrafa russa de 30 anos que vive na vizinha Geórgia contou se sentir "confinada no exterior", certa de que a Rússia que ela amava não existe mais. Também exilada na Geórgia, uma youtuber de 23 anos relatou preferir se comunicar em inglês, em vez de em russo, para não "provocar a ira" dos habitantes locais. 

Influências e corrupção

Uma ameaça russa silenciosa, mas não menos perigosa, também é abordada na L'Obs. Em uma entrevista com o presidente da Comissão Especial do Parlamento Europeu sobre interferência estrangeira nos processos democráticos na União Europeia, Raphaël Glucksmann, a revista francesa descreve uma guerra secreta que Vladimir Putin trava há 20 anos contra as democracias europeias.

Para este deputado do bloco, os dirigentes europeus "não quiseram ver as repetidas ingerências de Putin", principalmente por meio de influências e da corrupção nas democracias da Europa, a exemplo da dependência alemã do gás russo e da presença de um centro de cultura ortodoxa em plena Paris, próximo de centros de decisão do governo francês.

À L'Obs, Glucksmann afirma que, perante essa ameaça, não se deve reduzir as liberdades, correndo o risco de se "matar a democracia em nome da própria democracia", mas resistir – do contrário, a democracia como a conhecemos irá desaparecer, analisa.