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“Se os EUA disserem para Israel parar, será a primeira vez que ouvirão ‘não’", diz ex-embaixador

Na terça-feira (20), pela terceira vez, os Estados Unidos vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que decretava um cessar-fogo imediato em Gaza. Mesmo assim, a diplomacia americana não tem mais demonstrado o mesmo alinhamento com os aliados israelenses sobre os rumos da guerra – e Tel Aviv não apenas percebe essa mudança, como parece disposta a enfrentá-la.

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acompanhado do secretário de Estado Anthony Blinken (esq.), encontra-se com primeiro-ministro de Israel, Benyamin Netanyahu, em 18 de outubro de 2023 em Tel Aviv.
Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acompanhado do secretário de Estado Anthony Blinken (esq.), encontra-se com primeiro-ministro de Israel, Benyamin Netanyahu, em 18 de outubro de 2023 em Tel Aviv. AP - Miriam Alster
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Guilhem Delteil e Nicolas Benita, da RFI em Paris 

O governo de Joe Biden conclama Israel a não lançar uma operação militar em Rafah, cidade no sul do enclave palestino onde estão atualmente reunidas mais de 1,3 milhão de pessoas, sem um plano para proteger a vida dos civis. A RFI conversou a respeito com o ex-embaixador de Israel em Washington e ex-vice-chanceler israelense Michael Oren.

RFI: Este veto americano é um sinal de que, apesar das diferenças de opinião entre os dois países, o apoio dos Estados Unidos a Israel permanece inabalável?

Michael Oren: Existem duas políticas que permaneceram praticamente inalteradas. A primeira é sobre o fornecimento de munições, e o governo Biden não só forneceu munições, mas também acelerou as entregas, contornando o Congresso. A outra é vetar pedidos de cessar-fogo no Conselho de Segurança.

Mas nos bastidores, a posição dos Estados Unidos em Gaza mudou. Durante a sua visita a Israel em janeiro, o secretário de Estado foi muito crítico. Foi um momento novo, porque nos dias 8, 10, 11 ou 12 de outubro [após os ataques promovidos pelo Hamas em Israel], os Estados Unidos estavam na mesma linha que nós: destruir o Hamas. Mas a nova posição da América é garantir que os acontecimentos de 7 de outubro nunca mais aconteçam.

É uma linha muito diferente. Nos bastidores, os americanos me diziam que achavam que os objetivos de Israel eram irrealistas, que o Hamas não podia ser completamente destruído e que tinha de haver uma solução diplomática que pudesse envolver integrantes tecnocratas do Hamas. Pessoas responsáveis ​​pela água e pela eletricidade, por exemplo, dentro de um governo de unidade palestina. Esta é uma posição muito diferente da de Israel, que permanece inalterada: destruir o Hamas.

Como o senhor explica esta inflexão americana em relação a Israel depois que, no início da guerra, os Estados Unidos demonstraram total apoio ao governo israelense?

Houve um ponto de inflexão no final de novembro, quando o governo começou a falar com duas vozes muito diferentes. Por um lado, John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, disse que apoiava fortemente o objetivo israelense de destruição do Hamas e minimizava as vítimas civis. Durante um certo tempo, o presidente Biden ficou do lado de John Kirby. Mas, por outro lado, o Departamento de Estado, e em particular o secretário de Estado Blinken, estavam cada vez mais preocupados com o número de vítimas palestinas. Ele começou a dizer que palestinos demais estavam morrendo.

E o que aconteceu, pelo menos em 2024, é que esta última voz acabou abafando a primeira, resultado de muitas preocupações, especialmente preocupações políticas internas. Michigan é um estado-chave nas eleições de 2024 e tem uma grande população muçulmana, americana e árabe-americana.

Atualmente, as divergências são particularmente claras sobre a possibilidade de uma operação militar israelense em Rafah, uma cidade que se tornou refúgio para mais de um milhão de habitantes de Gaza.

Sim, a questão do cerco a Rafah por Israel está agora no centro das diferenças. Muitos reféns estão lá. Os Estados Unidos pressionam Israel para não entrar em Rafah até que tenha um plano para evacuar os palestinos da zona de combate. E querem adiar a operação em Rafah para continuar as negociações sobre os reféns.

Do ponto de vista de Israel, isto representa uma série de problemas. Ninguém está interessado na situação interna de Israel, onde existe uma oposição muito forte à ajuda aos palestinos enquanto o Hamas mantiver os reféns. E isso até para pessoas de centro e centro-esquerda.

Ainda há um enorme apoio para levar a cabo a batalha contra o Hamas, principalmente dos militares, das pessoas que já lutaram lá. Eles dizem: “Por que estamos lutando? Terminaremos esta luta. Não lutamos por 130 dias para nada, nossos amigos não morreram à toa.” E eles são um grupo eleitoral muito poderoso em Israel.

Estas diferenças entre os dois aliados são habituais em tempos de crise ou atingiram um nível até então desconhecido?

Já passamos por momentos muito difíceis. Em 1948, 1956 e 1973... Em quase todas as guerras, os Estados Unidos disseram para Israel parar. E em cada uma delas, Israel parou.

A questão é se Israel irá parar desta vez se Washington disser para parar. Acho que Israel não vai parar. Esta será a única vez em que Israel dirá “não” aos Estados Unidos.

E que impacto isso pode ter nas relações entre os dois países?

Estou certo de que isto terá um impacto significativo nas relações com este governo e reforçará a ideia de que, durante mais de uma década, o apoio a Israel virou uma questão partidária. Sempre tivemos orgulho em dizer que o apoio a Israel era uma questão bipartidária. A partir de agora, a divisão partidária irá se fortalecer.

Será muito difícil para os democratas pró-Israel expressarem apoio a Tel Aviv. Este é um grande perigo para Israel, especialmente porque enfrentamos a possibilidade de uma segunda frente de conflito, no Norte.

E qual você acha que deveria ser a reação do governo israelense?

Já não faço parte do governo, por isso falo como cidadão privado. Mas se eu estivesse no governo, tentaria dar aos Estados Unidos tudo o que eu pudesse dar que não afetasse a nossa segurança. Por exemplo, se Biden quiser falar sobre um caminho para um Estado palestino, ao contrário do governo atual, que rejeitou essa ideia por unanimidade há alguns dias, eu diria: “Ok, vamos conversar. Estamos abertos a discussões. Mas isso não nos compromete de forma alguma”.

A América quer ajuda humanitária para os palestinos. É muito difícil para nós, muito difícil. Mas eu tentaria ir o mais longe possível para satisfazer as expectativas da América nesta área.

A América quer um plano para evacuar os palestinos da zona de combate e farei o meu melhor para que isso aconteça. Mas se a América disser que “haverá um cessar-fogo indefinido enquanto houver negociações com o Hamas sobre os reféns”, eu diria “não, não podemos fazer isso”.

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