Após quatro meses de guerra na Faixa de Gaza, palestinos e israelenses falam sobre sofrimento em conflito
Cada um lamenta suas perdas e sua própria dor em um conflito sangrento, que coloca palestinos e israelenses em lados opostos. Desde 7 de outubro, o diálogo parece impossível: do lado palestino, questiona-se sistematicamente o massacre perpetrado pelo Hamas. Do lado israelense, a sociedade está convencida de que o seu exército é íntegro e exemplar e não mata civis de Gaza.
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Com os correspondentes Sami Boukhelifa, em Jerusalém, e Rami Al Meghari, em Gaza
“Estou tentando de tudo para trazer minha irmã de volta”, disse Yarden Gonen à RFI, antes de embarcar de Tel-Aviv para Paris para participar da cerimônia. “Todo dia para mim é como o 8 de outubro; quando acordo, meu primeiro pensamento vai para minha irmã”, diz. Romi foi capturada durante o festival Nova, perto de Gaza, no dia 7 de outubro. “Com os amigos, ela queria se divertir, celebrar a paz, o amor e a liberdade.”
Hadj Mohamed e sua família de 12 pessoas, moram em uma barraca improvisada.Todos foram expulsos de suas casas por ataques israelenses. Ele chora de desespero, cansaço e porque sua dor é imensa.
Mas apesar da fome, do frio e da tragédia humanitária, Hadj Mohamed fez uma escolha: permanecer lúcido e nunca ceder ao ódio. “O que aconteceu no dia 7 de outubro é grave. Como ser humano, não posso aceitar isso. Certas pessoas e grupos entraram em Israel e cometeram coisas graves. Falo em meu nome e em nome do meu povo: o erro cometido é inaceitável. Temos de lutar contra atos deste tipo. Contra a injustiça e o terrorismo.”
Uma declaração rara e corajosa no enclave palestino, onde o Hamas ainda está no poder. Mas, para este habitante de Gaza, a história não começou no dia 7 de outubro.
“Você tem que lembrar o contexto para entender. Não para justificar o massacre de israelenses inocentes”, explica Hadj Mohamed. “Desde 1948 e o nascimento do Estado de Israel, os palestinos foram em grande parte expulsos das suas terras. Desde 1967, eles vivem sob ocupação. Eles sofrem repressão e desumanização. Décadas de injustiça levaram ao irreparável”, continua Mohamed.
“Sofremos desde 1948, e até hoje, em nome da causa palestina. O povo palestino quer a sua independência. Queremos um Estado, com Jerusalém como capital. Este é o nosso sonho. Ninguém quer viver sofrendo, suportando guerras repetidas e bombardeios aéreos. A realidade é que as autoridades israelenses querem nos exterminar, destruir a nossa causa”, explica o palestino.
Armadilha desumana
“As pessoas passam o tempo na fila para comprar pão, para receber atendimento médico, isso se houver um centro médico. Fila por água. Tudo, tudo é problemático para esta população que foi deslocada à força”, relatou à RFI Raphaël Pitti, médico de guerra que voltou na terça (6) de Gaza, com uma delegação médica francesa enviada pela ONG Palmed.
“O que sentimos é uma tristeza muito grande em relação a uma população que se desumaniza completamente. E isso é chocante. Foi como empurrar 1,4 milhão de pessoas para uma armadilha sem dar condições de uma vida digna”, diz Pitti, que passou duas semanas na área de Khan Younis e Rafah, no sul da Faixa de Gaza.
“Na minha opinião, há algo pior que matar, é justamente tirar a dignidade das pessoas. E isso é totalmente desumano”, diz o médico.
Até setembro passado, Hadj Mohamed trabalhava em Israel e morava em Gaza. Mas ainda diz que é a favor da convivência. No entanto, teme que o 7 de outubro e os 120 dias de guerra que se seguiram tenham enterrado para sempre a esperança de paz.
“Trabalhei com os israelenses. Éramos como uma família. Somos todos seres humanos. Falávamos um para o outro por telefone. Mas tudo acabou. Entre eles e nós, agora há o preço do sangue”. Foram quase 1.200 mortos em Israel. Já são mais de 27.000 mortos em Gaza. “Temo que desta vez ninguém tenha coragem de virar a página”, concluiu Mohamed.
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