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A Armênia renunciará à aliança com a Rússia para fortalecer a relação com a Europa?

A questão vem à tona após a ofensiva que resultou na perda do território de Nagorno-Karabakh. Em Yerevan, na capital da Armênia, a hostilidade contra os russos têm aumentado, explica  Daniel Vallot, enviado especial da RFI à região.

Refugiados armênios deixam Nagorno-Karabakh no vilarejo de Kornidzor, em 1 de outubro de 2023.
Refugiados armênios deixam Nagorno-Karabakh no vilarejo de Kornidzor, em 1 de outubro de 2023. AFP - DIEGO HERRERA CARCEDO
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Daniel Vallot, enviado especial da RFI a Yerevan e Tegh

Desde a ofensiva do Azerbaijão em 20 de setembro, que levou os separatistas de Nagorno-Karabakh a entregarem as armas, a população do país tem questionado a aliança com a Rússia.

A passividade de Moscou durante o recente ataque militar do Azerbaijão, que deixou cerca de 600 mortos, é vista como uma traição? "Os russos dizem que são nossos amigos e querem nos proteger, mas é o contrário. Eles não fazem nada pela gente", acusa Ani, moradora de Yerevan. "Quando mais cedo a gente se livrar deles, melhor."

Mas, renunciar à aliança com a Rússia pode trazer riscos para a Armênia, diz um comerciante da capital. "É verdade, não é um aliado confiável. Porém, em caso de ruptura com o país, os russos  vão interromper as relações comerciais e vão cortar o gás, pouco antes do inverno. E para quem vamos pedir gás, para o Azerbaijão?", questiona.

"Ninguém vai nos ajudar, certeza! Nikol Pachinian, nosso primeiro-ministro, pode se afastar da Rússia para se aliar aos ocidentais, mas isso não mudará nada. Os americanos e os europeus são bons na hora de fazer discursos, mas na prática, não fazem nada", diz Samvel Galstyan, morador de Tegh.

Para os opositores do primeiro-ministro Nikol Pachinian, a pouca reatividade da Rússia aos ataques do Azerbaijão está justamente relacionada ao afastamento entre Moscou e o governo armênio. A postura do governo russo durante o conflito levou inúmeros armênios a mudar de ideia sobre o aliado, considerado até agora como indispensável para a manutenção da segurança no país.

Na Armênia, o fluxo de refugiados de Nagorno-Karabakh cresceu e, de acordo com os últimos dados, cerca de 100 mil habitantes já deixaram o território para se refugiar do outro lado da fronteira. A população agora teme que Baku lance uma nova ofensiva para conquistar os territórios situados no sudeste do país.

Nagorno-Karabakh, 2 de Outubro de 2023.
Nagorno-Karabakh, 2 de Outubro de 2023. AFP - EMMANUEL DUNAND

Europa deve agir, diz especialista

Na semana passada, os separatistas anunciaram que a república autoproclamada de Nagorno-Karabakh deixará de existir em 1º de janeiro de 2024. 

Os líderes separatistas armênios de Nagorno-Karabakh prometeram nesta segunda-feira (2) que permanecerão no território até a conclusão das operações de ajuda às vítimas do conflito e da fuga em massa dos moradores.

O presidente, Samvel Shahramanian, "permanecerá em Stepanakert ao lado de um grupo de funcionários de alto escalão até o fim das operações de busca dos mortos e das pessoas desaparecidas nas operações militares" e de assistência após a explosão de um depósito de combustíveis, anunciou a autoridade da república autoproclamada.

"Em termos de direito internacional, essa república, autoproclamada em 1992 pelos armênios do Nagorno-Karabakh nunca foi reconhecida pela Rússia ou Armênia", explicou em entrevista à RFI Marie Mendras, especialista da Rússia e professora da universidade Sciences Po.

"Karabakh continua sob controle do Azerbaijão e faz parte do Estado. E isso é que torna a questão complicada para os juristas, o governo e as organizações internacionais. Mas, é inadmissível que as democracias ocidentais, e sobretudo a França, não reajam de maneira mais clara e determinada."

De acordo com ela, desde 1994, após uma guerra que durou cerca de dois anos depois do fim da ex-União Soviética, os países ocidentais "deixaram" que a situação se deteriorasse em uma área não-regulamentada, o que tornou os armênios de Karabakh "extremamente vulneráveis" e dependentes do apoio militar russo. "A Armênia sempre foi uma aliada militar próxima da Rússia", reitera.

De acordo com a cientista política, a França e a Europa deveriam se envolver mais no conflito, já que há anos os russos têm deixado de ajudar os armênios. "Faz três anos que o Nagorno-Harabakh não existe mais em termos de comunidade política e de maneira independente, e isso sem reação da Europa. por uma razão muito simples: não sabemos como obter o que quer que seja do Kremlin", explica.

"Não haverá mais nenhum armênio em um território histórico da Armênia dentro de alguns dias. Quando Moscou diz que os armênios poderão ficar na região sob controle do Azerbaijão, é totalmente falso", afirma.

Missão da ONU chega a Karabakh 

Uma missão da ONU chegou neste domingo (1) a Nagorno-Karabakh, a primeira em três décadas, informou o Azerbaijão, depois que quase toda a população armênia do enclave fugiu da região após a ofensiva relâmpago vitoriosa de Baku.

Esta é a primeira vez em 30 anos que a organização internacional tem acesso à região, controlada por separatistas armênios até sua rendição em 20 de setembro.

Nazeli Baghdasarian, porta-voz do primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan, informou que o governo contabilizou a entrada de 100.483 deslocados até o momento.

Mais de 47.300 refugiados estão em abrigos temporários. O fluxo ininterrupto  reavivou as denúncias da Armênia de "limpeza étnica", o que o Azerbaijão nega, depois que pediu aos armênios que continuassem em Nagorno-Karabakh e insistiu que seus direitos seriam respeitados.

Nagorno-Karabakh, de maioria armênia e cristã, proclamou divisão do Azerbaijão, de maioria muçulmana, durante a queda da União Soviética.

Desde então, os armênios do território, que receberam o apoio de Yerevan, enfrentaram o governo do Azerbaijão com duas guerras em três décadas: a primeira entre 1988 e 1994 e a segunda no fim de 2020, quando os separatistas perderam boa parte do território.

Neste domingo, o posto de fronteira no corredor de Lachin, a única rodovia que liga os dois territórios, estava deserto.

A presidência do Azerbaijão anunciou que abriu um serviço de migração em Khankendi, a principal cidade do território (Stepanakert, em armênio) para registar os habitantes que decidiram permanecer e garantir sua "reinserção duradoura" na sociedade azerbaijana. O presidente do Azerbaijão e o primeiro-ministro da Armênia se reunirão na quinta-feira (5) na cidade espanhola de Granada.

(RFI e AFP)

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