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Quem são os russos que se recusam a lutar na guerra da Ucrânia?

Na expectativa da contra-ofensiva ucraniana, a Rússia continua sua campanha de recrutamento de soldados, que teve início no inverno europeu. Mas muitos russos esperam escapar do alistamento nas Forças Armadas.

Futuro soldado russo, que se alistou no serviço militar, participa de uma cerimônia de despedida perto da catedral de São Petesburgo
Futuro soldado russo, que se alistou no serviço militar, participa de uma cerimônia de despedida perto da catedral de São Petesburgo REUTERS - ANTON VAGANOV
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Anissa El Jabri, correspondente da RFI em Moscou

De acordo com dados oficiais divulgados pelo Conselho de Segurança da Rússia, desde o início de 2023 mais de 117.400 russos assinaram um contrato com as Forças Armadas.

Com a chegada da primavera, a neve derreteu e os protestos silenciosos e anônimos começaram a se destacar na paisagem. As mensagens são escritas a giz nas calçadas ou pintadas nos muros, ruas ou bancos dos jardins públicos. Dizeres como “Não à guerra”, ou “esta guerra não é nossa”, muitas vezes são escritos em azul e amarelo, as cores da bandeira ucraniana.

As mensagens costumam ser apagadas rapidamente e a oposição ao serviço e ao alistamento militar, discreta ou silenciosa. Não há dados sobre o número de russos que recusam o serviço militar ou se negam a integrar as Forças Armadas.

As famílias, em geral, temem represálias e preferem não correr o risco de falar publicamente sobre a questão. Mas há ativistas que os apoiam, como a coordenadora do movimento "Opositores conscientes" (em tradução livre), Elena Popova. Ela aceitou conversar com a RFI, mas prefere chamar o mínimo de atenção possível.

Durante a entrevista, seu telefone não parou de tocar. Elena conta que é impossível saber quantas ligações recebe por dia. “Uma mulher acaba de me contar que seu marido deixou seu batalhão e está escondido na Rússia há sete meses. Ela quer ajuda”, diz.

“Expliquei que o caso dele é difícil, porque desertou faz tempo. Se ela tivesse entrado em contato com a gente dois dias depois da fuga, por exemplo, teria sido mais simples. Poderíamos ter entrado com um procedimento administrativo, de forma legal.”

Cerimônia de homenagem aos soldados russos desde o início da guerra na Ucrânia, em 25 de fevereiro de 2023
Cerimônia de homenagem aos soldados russos desde o início da guerra na Ucrânia, em 25 de fevereiro de 2023 REUTERS - ALEXEY PAVLISHAK

Recursos

Poucos russos estão a par de seus direitos em relação à questão, conta. “Durante os dois dias após a fuga, não pode haver abertura de processo penal por abandono não-autorizado de batalhão. Este homem poderia ter redigido, por exemplo, uma procuração em nome de sua mulher”, observa.

“Assim, ela teria marcado um horário para ele, que poderia ter consultado um psiquiatra e obter um diagnóstico que poderia tê-lo ajudado. Em uma situação como a dele, é comum ter stress pós-traumático, depressão ou ansiedade. Outra possibilidade é escrever um texto dizendo que suas crenças e sua consciência não permitem atirar nas pessoas ou matá-las, e esses argumentos são usados para exigir seu direito constitucional ao serviço civil”, acrescenta.

Pouco se sabe sobre esses homens que vivem na clandestinidade. As histórias vêm à tona em conversas particulares ou passam de boca a boca. “Eu liguei para marcar consulta com meu dentista e sua secretária me contou que ele estava preso porque se recusou a se alistar”, diz. “Existem vários na mesma situação”, contou à RFI uma moscovita, que pediu para não se identificar.

As penas para quem recusa o alistamento são de três anos de prisão e cinco no caso de desertores.

Roupas de um soldado russo em Hrakove, na Ucrânia, em 13 de de setembro de 2022.
Roupas de um soldado russo em Hrakove, na Ucrânia, em 13 de de setembro de 2022. AP - Leo Correa

Serviço civil

O advogado do movimento "Opositores Conscientes", Arseny Levinson, passa o dia atendendo russos que querem escapar do serviço militar. Desde o início da "operação especial", que é como o Kremlin se refere à invasão da Ucrânia, esse número não para de crescer, diz.

“Minha impressão é que logo após o início da guerra, em fevereiro do ano passado, cada vez pessoas buscam substituir o serviço militar pelo civil. Mas cada vez menos gente acredita nos meios legais para concretizar essa opção. Muitos não se apresentam ou simplesmente vão embora do país.”

Segundo ele, isso é compreensível. “Está cada vez pior. Ainda existem alguns direitos na Rússia, mas a situação está cada vez mais complicada. Ouvi falar de um caso em Volgograd onde o serviço civil alternativo ao alistamento militar foi simplesmente recusado a um jovem. Ele entrou com um recurso no tribunal, mas o setor responsável simplesmente o enganou. Em 24 horas ele estava alistado e fazia parte das Forças Armadas. ”

De acordo com o advogado, é impossível acompanhar as audiências onde se toma esse tipo de decisão. Elas ocorrem em tribunais militares, fechados ao público.

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