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Protestos no Irã: "Não temos mais medo", diz filho do cineasta Jafar Panahi

O diretor de cinema Panah Panahi está em Paris para promover o filme "Sem Ursos", o último longa-metragem do seu pai, Jafar Panahi, um dos grandes nomes do cinema iraniano, que está preso desde julho deste ano em seu país. Panah conversou com a RFI sobre a situação de seu pai, do Irã, e sua visão sobre o futuro da sociedade iraniana, onde os protestos continuam, apesar da violenta repressão do governo.

O diretor iraniano Panah Panahi.
O diretor iraniano Panah Panahi. © Kèoprasith Souvannavong / RFI
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Kèoprasith Souvannavong, da RFI

RFI - "Sem Ursos" recebeu o prêmio do júri na Mostra de Veneza neste ano. O filme aborda temas como o exílio ou o desrespeito às liberdades individuais. Seu pai, Jafar Panahi, acabou o filme pouco antes de ser preso, em julho. Se você tivesse que apresentar o filme em uma frase, o que diria?

Panah Panahi : é um filme como todos os outros filmes anteriores de Jafar Panahi: ele aborda as restrições impostas à população, aos cineastas, aos atores e aos artistas em geral.

RFI - Jafar Panahi, que o regime Teerã proibiu de filmar, assume com frequência seu próprio papel nos longas: o de um diretor que quer filmar uma história de amor em um vilarejo no noroeste do Irã, mas que acaba enfrentando inúmeros obstáculos. "Sem Ursos" é, desta maneira, uma forma de combate pela liberdade?

É a obsessão de cada artista vivendo em uma sociedade fechada. Quando o regime determina restrições, o artista busca se expressar o máximo que pode, e fazer o que pode para ser ouvido. 

Sempre perguntamos a Jafar Panahi por que ele sempre aborda as restrições, os limites, por que ele não se mostra em seus filmes, ou mostra aspectos positivos da sociedade.

Jafar Panahi responde sublinhando que o papel do artista não é elogiar aquilo que é positivo, que é livre na sociedade. Seu papel consiste principalmente em mostrar os limites e as restrições. Mostrá-los é uma maneira de ultrapassá-los e fazer nascer a esperança dentro da sociedade. É uma contribuição para um futuro melhor. 

RFI -  O exílio é um tema recorrente no cinema iraniano contemporâneo. Enquanto alguns artistas decidem fugir do regime, Jafar Panahi e outros cineastas preferem resistir e ficar no país, apesar da opressão, da censura e das restrições à liberdade.

Como não se pode fazer nada nesse regime, todo mundo faz essa pergunta: devo ficar ou partir? Jafar Panahi quer mostrar a realidade do país. É neste sentido que "Sem Ursos" é autobiográfico. O exílio é, de fato, um assunto recorrente na sociedade. Ele se tornou até mesmo uma obsessão entre a maioria dos cineastas no Irã. Os próprios responsáveis do regime propuseram a Jafar Panahi de partir, mas ele se recusou a deixar o país.

RFI-  Jafar Panahi, 62 anos, é um dos símbolos da Nouvelle Vague iraniana. Ele foi preso diversas vezes e detido em julho passado pelo protesto contra a prisão de dois outros cineastas, Mohammad Rasoulof e Mostafa Aleahmad. Você vê seu pai com frequência? Como ele está?

Antes de deixar o Irã, há três semanas, eu podia vê-lo uma vez por semana. Eu falava com ele pelo telefone todos os dias. Mas como não pode acessar a internet na prisão, ele está preocupado com o que acontece atualmente no país.

RFI- Quais são as condições de detenção do seu pai?

Todos os presos estão detidos na prisão de Evin, em Teerã. São intelectuais, poetas, militantes ecologistas e cineastas. Jafar Panahi está cercado de pessoas ligadas à cultura - essa é a especificidade desta prisão. Mas não podemos nos esquecer de que ele não tem contato com o mundo exterior. Estar preso em Evin, nos dias de hoje, equivale a frequentar uma universidade reconhecida mundialmente (risos).

RFI- Em 2010, Jafar Panahi foi condenado a seis anos de detenção por "propaganda contra o regime" iraniano, pena que foi convertida em seguida em prisão domiciliar. Ele pôde, assim, dirigir filmes clandestinamente. "Sem Ursos", seu novo longa, que você acaba de apresentar em Paris, também foi filmado escondido. Quais foram as condições de filmagem?

As autoridades o proibiram de filmar durante vinte anos, mas Jafar Panahi não podia aceitar essa sentença. Como ele não reconhece a legalidade desta condenação, em sua opinião deve continuar seu trabalho como diretor.

RFI- Como ele conseguiu filmar "Sem Ursos" e seus filmes anteriores apesar dessa proibição? Quais foram seus subterfúgios?

Como seus filmes não foram projetados no irã, e ele sabia que jamais seriam, ele não impôs restrições a si próprio. Fez aquilo que devia fazer, o que ele disse que iria fazer. Como todo mundo evitava trabalhar com ele e que não podia fazer seus filmes nas ruas, do lado de fora, achou uma solução: filmar em locais fechados. É por isso que as cenas são restritas, com elementos rudimentares: meu pai não pode filmar com um grande grupo de pessoas no espaço público.

RFI- Você trabalhou com seu pai na filmagem de vários longa-metragens. O que mudou, desta vez, com "Sem Ursos"?

Como havia muita pressão sobre Jafar Panahi e restrições impostas pelo regime de Teerã, fica claro que ele não tem um olhar esperançoso. Pelo contrário: seu olhar é desesperançoso. Não se trata, porém, de um desespero em relação à sociedade iraniana, mas em relação ao regime. Seu desespero vem do regime, não da sociedade. Ele mantém a esperança na sociedade e em seu país.

Cartaz do filme "Sem Ursos", do cineasta iraniano Jafar Panahi.
Cartaz do filme "Sem Ursos", do cineasta iraniano Jafar Panahi. © ARP SELECTION

RFI- As autoridades iranianas proíbem seu pai de fazer filmes, falar com a imprensa e viajar para o exterior, mas suas produções são exportadas. Esta é uma forma de tolerância por parte do regime? Um jogo de esconde-esconde?

O regime não sabe exatamente o que fazer com artistas como Jafar Panahi. O regime proíbe a saída dos seus filmes do território. Mas, graças à internet, seus longas podem viajar para fora do Irã e são baixados.

RFI-  "Sem Ursos" deveria estrear nos cinemas franceses apenas em 4 de janeiro de 2023. Mas a distribuidora, ARP Sélection, decidiu antecipar a data para 23 novembro por conta da situação no Irã, onde os protestos continuam após a morte da jovem Mahsa Amini, em 16 de setembro, apesar da repressão. Qual é sua opinião a respeito dessas manifestações, as maiores desde 2019, contra a alta do preço da gasolina? 

Eu tenho esperança em relação aos protestos no Irã. Se me tivessem feito essa pergunta há dois meses, ou seja, antes do levante atual, eu não teria dito a mesma coisa. Como a maior parte das pessoas, eu estava desesperado, e a sociedade estava desesperada, mas nem por isso se manifestava.

Tudo isso foi a causa dessa explosão de ódio, que nos conduziu a enxergar nossa própria realidade. Depois, esse ódio se transformou em amor, em uma unidade extraordinária. Como não temos nada a perder, não temos mais medo. Nossos sentimentos e nossos valores, reprimidos pelo regime iraniano, vieram à tona. O povo agora deixa claro que aspira à liberdade. Atingimos um ponto onde não tem mas como dar meia-volta.

RFI- Em várias cidades, ouvimos slogans contra o regime, e vemos imagens de mulheres retirando e queimando seus véus durante as manifestações. Apesar das prisões e das possíveis sentenças de pena de morte, as manifestações continuam, sem pausa. Por quanto tempo, na sua opinião?

O regime iraniano pode até conseguir reprimir a revolta, mas virão outras. Se a gente prestar atenção nos últimos quarenta e três anos, podemos observar que os intervalos entres os levantes foram diminuindo.

RFI - Você acredita em uma mudança de regime no Irã?

Sim, totalmente. Não posso dizer em quanto tempo. Mas, dentro de um ano, vai acontecer muita coisa, com certeza. Quando uma sociedade chega a esse ponto, não há a menor possibilidade de reconciliar essa sociedade com o regime atual.

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