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Pressionar China sobre origem da pandemia é “contraproducente e inútil”, diz cientista político

Mais de um ano depois do início da pandemia de Covid-19, as origens do vírus e da propagação deste flagelo continuam sendo um mistério. Nas últimas semanas, a hipótese de que o Sars-Cov-2 tenha escapado do Instituto de Virologia de Wuhan vem sendo defendida por governos ocidentais e cientistas. Mas será que a China vai permitir uma verdadeira investigação no local e admitir sua responsabilidade?

Nas últimas semanas, aumentaram as suspeitas de que a pandemia de Covid-19 teria começado depois que o Sars-Cov-2 escapou acidentalmente do Instituto de Virologia de Wuhan, na China.
Nas últimas semanas, aumentaram as suspeitas de que a pandemia de Covid-19 teria começado depois que o Sars-Cov-2 escapou acidentalmente do Instituto de Virologia de Wuhan, na China. REUTERS - THOMAS PETER
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Onde e como surgiu o coronavírus? O mundo inteiro clama por explicações sobre a origem de uma pandemia que, desde o final de 2019, tirou a vida de cerca de 3,5 milhões de pessoas em todo o planeta.

Suspeitas sobre a fuga do vírus do Instituto de Virologia de Wuhan, cidade onde foram registradas as primeiras imagens de hospitalizações de chineses com a Covid-19, são evocadas desde o ano passado. O governo chinês sempre negou as acusações e sobe o tom cada vez que se se sente responsabilizado. Por isso, para Thierry Kellner, cientista político da Universidade Livre de Bruxelas e especialista em China, a pressão internacional exercida sobre a China pode agravar ainda mais a situação.

“O governo chinês é conhecido por resistir à pressão internacional. Muitos pensam que é inútil, talvez até contraproducente, insistir na responsabilização da China. Isso pode levar o governo chinês a se fechar ainda mais”, afirma.

A Áustrália foi um dos primeiros países a pedir publicamente, em janeiro de 2020, a abertura de uma investigação internacional independente sobre a origem da pandemia. Furioso, o governo chinês respondeu com uma série de ameaças e represálias comerciais.

Poucas semanas depois, Pequim autorizou que uma missão da Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com especialistas chineses, viajasse para Wuhan. No entanto, devido ao estrito controle das autoridades locais, os especialistas não puderam atuar como desejavam e não tiveram acesso a todas as informações que necessitavam.

Entre os líderes ocidentais, o presidente americano, Joe Biden, é o que mais pressiona o governo chinês. Na quarta-feira (26), o democrata ordenou que as agências de inteligência dos Estados Unidos redobrem seus esforços para coletar e analisar as informações sobre a origem do coronavírus.

Algumas horas depois, a embaixada da China nos Estados Unidos respondeu que a politização da questão pode prejudicar as investigações adicionais e atrapalhar os esforços globais para conter a pandemia. Segundo o corpo diplomático chinês em Washington, "algumas forças políticas se fixam na manipulação e na atribuição de culpa".

Kellner lembra que essas críticas de Pequim sobre a midiatização da pandemia e as ameaças em caso de ingerência estrangeira não são novas. “É uma faca de dois gumes. A partir do momento que há qualquer politização da pandemia, a China se fecha rapidamente. E isso é utilizado também como uma desculpa por parte do governo chinês.”

Apelo de cientistas pode fazer diferença

Se a pressão dos governos pode desagradar ainda mais o governo chinês, os apelos dos cientistas podem render bons frutos, acredita o professor da Universidade Livre de Bruxelas. “Esse tipo de iniciativa traz uma legitimidade suplementar e responde a um interesse geral, até mesmo da parte da China”, avalia.

Desde a divulgação do relatório da missão da OMS em Wuhan – que afirmou ser “altamente improvável” que a pandemia tenha sido provocada após o vírus ter escapado acidentalmente de um laboratório chinês –, grupos de cientistas vêm se manifestando sobre a necessidade de uma nova investigação mais aprofundada sobre a questão. A mais recente dessas iniciativas data de 13 de maio, quando 18 especialistas publicaram uma carta aberta na revista Science em que criticam abertamente o relatório da missão conjunta da OMS com autoridades e pesquisadores chineses.

Para Kellner, a estratégia dos cientistas pode convencer o governo chinês a colaborar. No entanto, segundo o professor, ela deve ser elaborada com cuidado e de forma a não apontar a China como a grande responsável pela pandemia.

“Sabemos que no início da pandemia houve uma série de erros e falhas por parte da administração local, na transmissão das informações sobre a doença, na comunicação do governo chinês com a OMS. E tudo isso a China quer que o resto do mundo deixe de lado”, destaca.

O especialista acredita que, para que Pequim aceite uma nova missão em seu território, será necessário muita discrição e diplomacia. “Se isso por feito entre especialistas, de forma técnica, conjunta e sem politização, pode ser a única solução. Talvez junto com um canal diplomático paralelo e longe das câmeras. Mas é preciso levar em consideração que a China vai evitar que seus erros e falhas sejam apontados”, salienta.

Segundo Kellner, diante dessa postura de Pequim, muitos especialistas acreditam que jamais será possível saber com exatidão todos os detalhes sobre a origem da pandemia. “O problema é que os dois lados – governos ocidentais e a China – têm interesses dos quais não pretendem abrir mão. É claro que o ideal seria haver uma transparência completa por parte do governo chinês. Mas, em se tratando de Pequim, sabemos que será extremamente complicado atingir esse objetivo”, conclui.

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