Erdogan entrou numa sinuca ao lançar ofensiva militar na Síria
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A Turquia decidiu turbinar a sua ofensiva militar “Escudo da Primavera” na província de Idlib, no norte da Síria. Para presidente turco Recep Tayyip Erdogan, era a única solução política depois da morte de 33 soldados de seu país em um bombardeio na região.
Ancara acusa os aviões do regime sírio de Bashar Al-Assad, para não ter que reconhecer a verdade nua e crua: quem manda nos céus da Síria é a aviação russa. E Al-Assad não pode bombardear nada sem a anuência de Moscou. Ainda por cima, é a Rússia que ajuda as forças oficiais sírias na reconquista definitiva da província de Idlib. Inclusive passando por cima dos soldados e postos de observação turcos aquartelados no meio do caminho. Uma sinuca para Erdogan: ou arrisca uma guerra aberta com a Rússia, ou recua e perde a face – com consequências pesadas para o seu poder doméstico e para as suas ambições regionais.
Desde que Donald Trump decidiu retirar as tropas americanas da Síria, levando junto os aliados europeus, o país virou um campo de batalha entre potências regionais – Turquia, Rússia, Irã e suas diversas milícias locais, e Israel. Graças a sua projeção militar e a utilização de bombas sem discriminação, Moscou herdou o papel de mandachuva local. Só que os russos não têm condições, nem econômicas nem políticas, de governar a Síria diretamente.
Os objetivos de Vladimir Putin são claros. Primeiro, ajudar o regime de Damasco a conquistar todo o território sírio para acabar com a guerra generalizada de todos contra todos que custa uma fortuna, em orçamento e reputação política. Segundo, expulsar devagarinho do país todas as outras forças estrangeiras (inclusive, a prazo, seus aliados iranianos) transformando a Síria numa base para reconquistar o seu papel de potência dominante na região, que Moscou tinha durante a Guerra Fria. Terceiro, graças ao fim dos combates, torcer o braço dos europeus para que eles financiem a reconstrução do país – um custo abismal que a Rússia não é capaz de assumir, mas que é absolutamente necessária para manter a hegemonia regional russa.
Para Erdogan, os objetivos são outros. Primeiro, impedir a qualquer custo que os curdos sírios (catalogados como “terroristas”) possam, de novo, serem instrumentalizados pelo regime de Damasco para ameaçar as fronteiras turcas. Para Ancara não é possível tolerar que Bashar Al-Assad possa controlar novamente todo o território sírio. Segundo, a guerra já provocou a fuga de 3,7 milhões de refugiados para a Turquia e a ofensiva russo-síria na província de Idlib já está agregando mais um milhão. É muita gente, até para o regime autoritário turco. Ancara quer manter o controle de Idlib e de toda a fronteira norte do país – inclusive com forças militares – para poder administrar tamanho fluxo.
Pressionado pela estratégia russa, Erdogan ameaçou deixar passar milhões de refugiados para os países europeus se esses não o ajudarem a encarar Putin e Al-Assad. Terceiro, Erdogan tem uma visão neo-otomana da geopolítica turca. O presidente islâmico acha que cabe à Turquia o papel de potência hegemônica no Oriente-Médio. Contra os regimes autoritários laicos e os islamistas radicais jihadistas, Ancara apoia abertamente o islamismo mais moderado da Irmandade Muçulmana, visto como o principal instrumento político da estratégia regional turca. Ora, na Síria, o maior reduto do islamismo moderado é justamente Idlib. Perder o controle dessa província seria o fim dos sonhos de grandeza da Turquia.
Ancara não quer guerra contra Moscou, mas também não pode recuar. Putin também não quer encarar um conflito aberto com Erdogan – que ainda é muito útil para dividir a OTAN e os ocidentais. Mas também não pode recuar. Uma guerra de verdade ainda é possível, mesmo se cada lado vai tentar encontrar um jeito de salvar a face e empurrar com a barriga. E os europeus tremem, com medo de ter que pagar o pato.
* Alfredo Valladão é professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris e publica uma coluna de geopolítica às segundas-feiras no site da RFI
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