Especialistas defendem abertura das fronteiras do Reino Unido para resolver crise migratória
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Todas as noites, centenas de migrantes de Calais fazem novas tentativas de chegar ao Reino Unido. Nessa cidade do norte da França, cerca de 3 mil clandestinos estão precariamente instalados há meses, à espera de uma oportunidade de embarcar para o país vizinho. Para especialistas em fluxos migratórios entrevistados pela RFI, apenas a abertura das fronteiras do Reino Unido pode colocar um ponto final à grave situação.
Nos últimos meses, a estratégia dos migrantes mudou. Em pequenos grupos, durante a madrugada, eles tentam atravessar o Canal da Mancha pelo Eurotúnel, via subaquática que liga a França ao Reino Unido, muito deles, pendurados nos veículos em movimento. Nessa semana, as tentativas de chegar ao país vizinho bateram recordes : duas mil na terça-feira (28), entre 500 e mil na quarta-feira (29), centenas mesmo após o reforço da segurança dentro do túnel e do aumento de policiais em Calais nesta quinta-feira (30).
O primeiro-ministro britânico David Cameron declarou que "está fazendo tudo o que pode", em parceria com o governo francês para resolver a situação: investir na construção de mais barreiras dos dois lados do túnel. Mas nem o reforço policial, nem a multiplicação de muros convence os migrantes a fazer meia volta. A maioria deles é originária de países devastados pela guerra, pela miséria ou pelo caos político: enfrentar as forças de segurança em Calais não os assusta. Em menos de dois meses, nove pessoas morreram na travessia.
O especialista em fluxos migratórios da Universidade de Liège e de Versalhes Saint Quentin en Yvelines, François Gemenne, defende a abertura das fronteiras do Reino Unido aos migrantes. "É preciso que a Grã-Bretanha ratifique os acordos de Schengen, que vão permitir os migrantes de circular livremente. Claro, eu sei que a sugestão é utópica e ela não vai se concretizar. Se não há nenhuma vontade política para resolver essa crise, que ao menos os governos criem um corredor humanitário que permita às pessoas de chegarem à Grã-Bretanha, fazerem um pedido formal de asilo e encontrar proteção", diz.
Gemenne lembra que em Calais há apenas três mil migrantes e que acolhê-los não prejudicaria o Reino Unido. "A resposta de Cameron para a situação é débil e absurda. Não é criando mais muros ou enchendo o Eurotúnel de policiais que ele vai conseguir barrar os migrantes. Eles estão determinados a chegar no Reino Unido e arriscar suas vidas. O reforço dessas decisões só vai resultar em mais mortes", critica Gemenne.
Eldorado dos migrantes na Europa
Se as autoridades britânicas têm razão em algo é classificar o Reino Unido como o "eldorado dos migrantes". Ao contrário de outros países da Europa ocidental, devido à língua, à situação econômica, às leis trabalhistas e políticas migratórias, a Grã-Bretanha ainda tem mais vantagens. "É onde eles pensam que terão mais oportunidade de trabalho e de ganhar dinheiro para enviar a suas famílias. Muitos já tem até mesmo membros de suas famílias lá que os ajudarão a se instalar, a encontrar uma moradia e um trabalho. Além disso, muitos migrantes falam inglês e eles pensam que se adaptarão melhor em um país onde eles já dominam a língua", ressalta Gemenne.
É o caso do Elias, estudante de economia de 22 anos, da Eritreia, entrevistado pela equipe da RFI em Calais. De Calais, ele já tentou fazer a travessia no Eurotúnel cinco vezes. "Sou otimista, tenho esperança. Depois de tudo que passei, não tenho mais medo. Se eu morrer aqui, é meu destino. Na Inglaterra, todo mundo diz que a vida é melhor."
Awal, de apenas 12 anos, persiste há três semanas no objetivo de chegar ao outro lado do túnel, sem perder as esperanças. "Eu sei que o trajeto é perigoso, mas eu vou continuar tentando chegar à Inglaterra. Lá é melhor. As crianças recebem uma boa educação", acredita.
Enquanto os governos investem em muros e aumentam o policiamento, voluntários e associações trabalham junto aos migrantes, mas sem argumentos suficientes. "Tentamos convencê-los de não arriscar suas vidas, dizemos que há muitos perigos nesse caminho até o Reino Unido, que muitos morrem, que na Grã-Bretanha, a vida não será fácil para eles. Mas eles continuam tentando. Quando pensam nos riscos, eles se dizem: pouco importa. Aí só nos restar falar: tomem cuidado e boa sorte. É difícil pensar que, talvez, nunca mais vamos vê-los" conta Anne, da Ong Secours Catholique.
Inexistência de uma crise migratória
O editor-chefe da revista francesa Migrations-Société, Pedro Vianna, contesta a existência de uma crise migratória. "O que existe é uma crise geopolítica. Se analisarmos as nacionalidades dos migrantes de Calais, constatamos que mais de 90% dessas pessoas são sírios, eritreus, sudaneses. Eles estão fugindo de guerras, de perseguições políticas. Ou seja, elas não são simples migrantes econômicos."
Para Vianna, o problema não são os migrantes, mas a persistência de uma política "absurda" do ponto de vista humanitário. "Não podemos imaginar que só imbecis governam os países europeus e que suas decisões são tomadas por ignorância. A política deles tem justificativas econômicas. Mas enquanto essa política não mudar, a situação não vai melhorar. Ou seja, os migrantes continuarão morrendo, seja no mar Mediterrâneo, seja no Eurotúnel", lamenta.
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