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O Mundo Agora

Putin deve apresentar um culpado sob medida para sustentar a tese de inocência

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Vladimir Putin foi o primeiro a dizer que o assassinato do líder oposicionista, Boris Nemtsov, era uma “provocação” contra a Rússia. Claro, ninguém sabe ainda quem matou essa figura-chave da pequena e reprimida oposição russa. Mas dois fatos são indiscutíveis: Nemtsov era seguido, noite e dia, pelos agentes do FSB – o novo nome do KGB –, e o crime foi cometido no pequeno perímetro urbano mais controlado e vigiado do país.

Para o presidente russo, Vladimir Putin, o assassinato de Boris Nemtsov é "uma provocação".
Para o presidente russo, Vladimir Putin, o assassinato de Boris Nemtsov é "uma provocação". Reuters
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Achar que o Kremlin não tem nada a ver com o pato é dose. Mas os admiradores de Putin que sosseguem: é claro que vão acabar apresentando um culpado sob medida para sustentar a tese da inocência do poder. Quem sabe nem isso: Nemtsov é o sétimo assassinato político de jornalistas e personalidades da oposição da era Putin, e ninguém encontrou os assassinos.

O poder russo, cada dia mais autoritário, utiliza a violência, a censura, a propaganda e as mentiras mais deslavadas como instrumentos normais de governo. Putin e o reduzido núcleo de seus clientes e amigos que tomaram conta do Estado e da economia vivem na paranoia. O maior pavor deles não é tanto a “ameaça” militar – aliás inexistente – da Europa ou dos Estados Unidos.

Há anos que os europeus vêm cortando de maneira brutal seus orçamentos de defesa e não param de dar provas de que não querem se meter em aventuras militares contra os russos. Quanto aos norte-americanos, eles estão infinitamente mais preocupados com o Oriente Médio, o terrorismo islâmico e as provocações chinesas no mar da China meridional.

Medo do modo de vida ocidental

O medão dos dirigentes russos vem sobretudo das sereias do modo de vida ocidental: estado de direito, eleições livres, alternância no poder, garantia das liberdades individuais, sociedade de consumo, liberdade de imprensa, liberalização dos costumes etc. Direitos e valores extremamente sedutores para a classe média urbana russa e que ameaçam os interesses da pequena máfia que tomou conta do Kremlin. Para Putin, todas as revoluções democráticas nos países do antigo bloco soviético são vistas como tragédias ameaçadoras.

Daí a fúria dos ideólogos em volta de Putin, que tentam construir um relato nacional contrário ao modelo ocidental. Nada de novo aliás: a Rússia autocrática sempre esteve dividida entre “europeístas” e “eslavófilos”. Só que a Rússia imperial e o império soviético se espatifaram.

Modernidade e liberdade

Hoje os russos aspiram à modernidade e à liberdade. A solução foi apelar para o nacionalismo agressivo inventando a idéia de um “Mundo Russo” que precisa ser protegido. Um mundo sem fronteiras que se estende por toda a vizinhança, sem respeitar a soberania dos países mais próximos. A primeira vítima foi a Ucrânia, “culpada” de sonhar com uma democracia de verdade e de querer um acordo comercial com a União Europeia (ninguém na Europa está a fim de integrar os ucranianos à União nem à OTAN).

Mas a anexação da Crimeia e a intervenção militar no Dombas estão criando uma onda de choque em todos os Estados vizinhos. Os países bálticos, a Polônia, a República Checa e até os estados balcânicos estão apavorados e começando a se armar novamente. Ninguém sabe quem será a nova vítima de Putin, mas é bem provável que venha mais truculência por aí.

Paranoia russa

Por enquanto, a Europa ocidental, que está mais exposta à paranoia russa, está fazendo tudo para apaziguar o urso, achando que basta dar mais um potinho de mel para que ele se acalme. Em 1938, em nome do “espaço vital” alemão (coisa muito parecida com o “Mundo Russo” de Putin), Hitler invadiu a Checoslováquia para anexar a região dos Sudetos povoados por pessoas de origem germânica.

A França e a Inglaterra, que não queriam guerra, foram negociar com o regime nazista em Munique e aceitaram a anexação e a violação das fronteiras checas. Claro, essa covardia de sacrificar a Checoslováquia em nome da paz deu asas às ambições de Hitler e acabou numa guerra mundial e com a Europa destruída. Angela Merkel e François Hollande também negociaram com Putin um cessar-fogo na Ucrânia que acata a anexação da Crimeia e a ocupação do leste do país.

O que farão as potências europeias quando Putin decidir agredir de novo? Provavelmente vão chorar para que a cavalaria norte-americana venha salvá-los mais uma vez, como na Primeira e na Segunda Guerra mundiais.

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