Acessar o conteúdo principal
Fato em Foco

Charlie Hebdo volta às bancas com tiragem de 3 milhões de exemplares e Maomé na capa

Publicado em:

“Tudo está perdoado.” A capa do jornal francês Charlie Hebdo que chega às bancas nesta quarta-feira (14), uma semana depois do atentado que deixou 12 mortos, mostra o profeta Maomé com lágrimas nos olhos segurando um cartaz com os dizeres “Je suis Charlie”, lema das manifestações na França e no mundo pela liberdade de expressão. O desenho é assinado pelo cartunista Luz e começou a circular na internet nesta segunda-feira (12) à noite.

Le prophète Mahomet en couverture du numéro 1178 de Charlie Hebdo, qui paraitra mercredi 14 janvier 2015, tiré à 3 millions d'exemplaires.
Le prophète Mahomet en couverture du numéro 1178 de Charlie Hebdo, qui paraitra mercredi 14 janvier 2015, tiré à 3 millions d'exemplaires.
Publicidade

A escolha do desenho da capa não surpreendeu pessoas próximas do jornal. É o caso do jornalista francês Christophe Forcari, do Libération. "É uma escolha excelente, que faz alusão ao drama que todos nós estamos vivendo. A frase resume tudo. O perdão é a essência de todas as religiões. Esta noção do perdão é imensa e essa capa é emocionante”, resume. Questionado sobre a possibilidade de um tom mais provocativo para essa edição, Forcari diz "que essa não é a hora de se fazer provocações inúteis. O tom foi perfeitamente escolhido. 'Tudo está perdoado' é uma frase que diz tudo."

Depois do ataque, o Libération cedeu um espaço em sua sede para a redação do Charlie Hebdo, que se mudou na sexta-feira passada. A tiragem do número que chega às bancas nesta quarta-feira, depois do ataque que deixou, entre outras vítimas, os chargistas franceses Cabu, Wolinski, Charb, Tignous e Honoré, será de três milhões de exemplares, distribuídos em países e idiomas diferentes. Uma edição excepcional para um jornal que, no fim do ano, corria o risco de fechar as portas por falta da recursos.

O jornalista francês explica que a redação do Libération não participou da concepção da edição que chega nesta quarta-feira às bancas. “A redação apenas ofereceu a hospitalidade aos colegas do Charlie Hebdo, cedendo um espaço e material. Respeitamos o luto. Não participamos das reuniões de pauta, os deixamos trabalhar no respeito e na dor", ressalta. "Mas Charlie Hebdo e Libération são os personagens de uma longa história. Somos como primos distantes. Às vezes não gostamos muito do que eles fazem, mas gostamos muito do 'espírito' do jornal. Somos da mesma família e às vezes não estamos de acordo, como em muitas famílias, mas se tratam de pessoas próximas. Nós já os havíamos recebido quando a redação deles foi incendiada por coquetéis Molotov, há dois anos.”

Em entrevista à RFI, o editor-chefe do Charlie Hebdo, Gérard Biard, contou que a edição terá o mesmo tom de sempre. "O Charlie Hebdo que chega às bancas nesta quarta é o mesmo de sempre, e que, eu espero, continue sendo o mesmo. O que vocês querem que a gente faça? Que a gente não faça mais um jornal? Que a gente pare de rir? Que a gente faça algo ao contrário do que nós somos? Sim, vamos rir, e a gente espera que vocês também."

Escola de HQ organiza exposição em homenagem a Charlie

A morte dos chargistas comoveu o mundo e gerou a maior mobilização popular da história da França e emocionou particularmente os desenhistas. É o caso de Mikhael Allouche, diretor da escola de HQ parisiense Cesan. “Todos esses autores ajudaram a sociedade francesa a evoluir, mesmo que seja em uma direção às vezes contestada. Por isso o Charlie Hebdo sempre foi criticado, mas esse é o papel do jornal: assumir posições controversas”, explica. “Charlie Hebdo deve continuar a existir, como depois do 11 de setembro, para trazer à tona alguma coisa e não deixar um ‘buraco’. Se por acaso Charlie deixasse de existir, outro jornal parecido teria que ser criado".

Mikhael conta que ele e seus alunos sentiram a necessidade de expressar seus sentimentos depois do atentado desenhando. "Os desenhos eram, na maior no tempo, trágicos. Todos nós estávamos paralisados. A internet também não nos inspirou muito. Os desenhos eram sempre os mesmos: o lápis e o fuzil, o lápis nadando no sangue...ideias repetidas e que não tinham nada de original", explica.

"Também nos colocamos algumas questões: será que temos o direito de usar esse assunto como tema? Temos o direito de sermos criativos com um assunto semelhante? Ou de nos expressarmos sobre algo que em princípio não temos direito ou legitimidade para falar a respeito? Pensamos muito e decidimos que sim, temos que falar a respeito. Decidimos até fazer uma exposição", diz. Os desenhos serão mostrados no 49ª edição do Festival de Angoulême, que acontece de 29 de janeiro a 1° de fevereiro.

Cartunista brasileiro fala do choque e da influência de Wolinski em seu trabalho

O cartunista brasileiro Adão Iturrusgarai disse ainda estar muito abatido com o ataque na redação do Charlie Hebdo. Ele conta que seu trabalho foi muito influenciado pelo lendário Wolinski, 80 anos, um dos mortos no ataque. “Wolinski é uma das figuras mais importantes para mim, para minha profissão. Fui morar na França nos anos 90 por causa dele e do quadrinho francês”, conta. “E entre todos esses caras, Wolisnki é meu pai espiritual”, diz. Ainda chocado pelo atentado, Adão relata que, quando soube da morte de Wolinski, ele pensou que fosse um boato. “Para você ter uma ideia dessa influência, neste momento estou de férias na Patagônia e só podia trazer três livros, e os três são do Wolinski”, diz.

Sobre a polêmica que tomou conta das redes sociais, onde algumas pessoas questionam o humor do Charlie Hebdo e chegam a justificar o ataque, Adão é taxativo: “nós somos muito selvagens, o Brasil é um país selvagem. O humor francês tem uma história de não respeitar nada. Aí quando vejo uns caras no Facebook dizendo que não se pode retratar o profeta...esses caras não sabem nada.”
 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.