« A guerra é a continuação da política por outros meios ». A frase é do general prussiano Carl von Clausewitz, o pai dos estudos estratégicos militares, que tirava as lições das grandes campanhas de Napoleão Bonaparte. O corolário desta afirmação é que sem objetivo político a guerra não tem sentido. Olhando para o Oriente Médio – Síria, Iraque ou Israel-Palestina – não há dúvida de que faltam finalidades políticas inteligíveis. As guerras na região parecem atoladas numa violência perpétua, sem vencedores nem perdedores.
A decisão de Barack Obama de bombardear as posições dos terroristas islamistas do auto-declarado Estado Islâmico no Iraque é típica da falta de perspectivas. A aviação americana poderia acabar com boa parte do arsenal dos djihadistas, mas por enquanto ela só está impedindo que continuem avançado em território curdo. Obama foi taxativo: não vai mais haver infantaria americana combatendo no Iraque e só os iraquianos poderão ganhar a guerra contra os islamistas radicais. Mas isso é possível só com um governo de unidade nacional reconhecido pelos curdos, os sunitas e os xiitas, capaz de produzir uma estratégia aceita por todos. Só que ninguém sabe como chegar lá num pais completamente dividido pelo sectarismo e os próprios erros políticos cometidos pelos americanos durante a invasão e ocupação do país.
Obama quer ajudar os curdos, que estão na primeira linha de resistência contra o Estado Islâmico, mas não quer dar-lhes força demais com medo que isso possa favorecer tentativas de independência do Curdistão e a divisão do Iraque. Também quer impedir o avanço dos terroristas mas sem reforçar o governo de Bagdá do primeiro ministro xiita Nouri al-Maliki, considerado o grande responsável pelo sectarismo que levou as populações sunitas a colaborar com os djihadistas. Resultado: bombardeios acanhados e parciais que não resolvem coisa alguma mas afundam de novo os Estados Unidos no lodaçal iraquiano.
As outras potências regionais também atuam da mesma maneira. A Arábia Saudita apoia os sunitas e até os djihadistas por baixo do pano para minar as autoridades xiitas de Bagdá que são apoiadas pelo arqui-inimigo iraniano. Mas Riad também está cada vez mais preocupado com a influência crescente dos islamistas radicais. Quanto ao Irã, ele quer manter o governo de al-Maliki mas está mais do que apreensivo diante da ameaça dos djihadistas sunitas que o governo sectário de Bagdá não tem condições de enfrentar sozinho. Resultado: a guerra continua sem perspectiva de solução.
Na Síria, a mesma coisa. Hilary Clinton acaba de botar o dedo na ferida, acusando Obama de recusar-se a armar a oposição moderada síria massacrada pelo regime de Bachar Al-Assad – o que criou um vazio político que foi preenchidos pelos grupos islamistas mais radicais, que acabaram até proclamando o famigerado Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Aí também faltou visão política: com medo de dar força a terroristas, os Estados Unidos, os europeus e até os russos deixaram esses mesmos terroristas se transformarem num verdadeiro exército que está desestabilizando a região inteira. E isso sem nem encontrar uma solução viável para a fragmentação da Síria.
Já em Gaza, também falta política para dar algum sentido à guerra. O Hamas quer continuar a guerra, seja qual for o preço pago pela população da Faixa, para forçar Israel a acabar com o bloqueio do enclave. Só que o governo israelense não poderá nunca aceitar essa solução sem um desarmamento geral e verificável do Hamas – já que deixaria o partido islâmico livre para adquirir mais armas, mais poderosas, para continuar atacando Israel. Mas os dirigentes do Hamas não podem aceitar um desarmamento sem ameaçar diretamente o seu próprio poder político. O paradoxo é que Israel também não quer liquidar completamente o Hamas porque isto abriria o caminho para grupos ainda mais violentos e extremistas.
Então fica tudo por isso mesmo: foguetes, seguidos de bombardeios, seguidos de tréguas, seguidos de foguetes e et cetera... Sem nenhuma perspectiva que não seja a guerra intermitente para palestinos e israelenses. Está na hora dos diversos líderes regionais e mundiais darem uma boa lida ou relida no velho Clausewitz que, ele, sabia das coisas.
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