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O Mundo Agora

Guerras no Oriente Médio são marcadas por paradoxos

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« A guerra é a continuação da política por outros meios ». A frase é do general prussiano Carl von Clausewitz, o pai dos estudos estratégicos militares, que tirava as lições das grandes campanhas de Napoleão Bonaparte. O corolário desta afirmação é que sem objetivo político a guerra não tem sentido. Olhando para o Oriente Médio – Síria, Iraque ou Israel-Palestina – não há dúvida de que faltam finalidades políticas inteligíveis. As guerras na região parecem atoladas numa violência perpétua, sem vencedores nem perdedores.

Carregamento de bombas em caças americanos em agosto de 2014.
Carregamento de bombas em caças americanos em agosto de 2014. REUTERS/Preston Paglinawan/U.S. Navy/Handout via Reuters
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A decisão de Barack Obama de bombardear as posições dos terroristas islamistas do auto-declarado Estado Islâmico no Iraque é típica da falta de perspectivas. A aviação americana poderia acabar com boa parte do arsenal dos djihadistas, mas por enquanto ela só está impedindo que continuem avançado em território curdo. Obama foi taxativo: não vai mais haver infantaria americana combatendo no Iraque e só os iraquianos poderão ganhar a guerra contra os islamistas radicais. Mas isso é possível só com um governo de unidade nacional reconhecido pelos curdos, os sunitas e os xiitas, capaz de produzir uma estratégia aceita por todos. Só que ninguém sabe como chegar lá num pais completamente dividido pelo sectarismo e os próprios erros políticos cometidos pelos americanos durante a invasão e ocupação do país.

Obama quer ajudar os curdos, que estão na primeira linha de resistência contra o Estado Islâmico, mas não quer dar-lhes força demais com medo que isso possa favorecer tentativas de independência do Curdistão e a divisão do Iraque. Também quer impedir o avanço dos terroristas mas sem reforçar o governo de Bagdá do primeiro ministro xiita Nouri al-Maliki, considerado o grande responsável pelo sectarismo que levou as populações sunitas a colaborar com os djihadistas. Resultado: bombardeios acanhados e parciais que não resolvem coisa alguma mas afundam de novo os Estados Unidos no lodaçal iraquiano.

As outras potências regionais também atuam da mesma maneira. A Arábia Saudita apoia os sunitas e até os djihadistas por baixo do pano para minar as autoridades xiitas de Bagdá que são apoiadas pelo arqui-inimigo iraniano. Mas Riad também está cada vez mais preocupado com a influência crescente dos islamistas radicais. Quanto ao Irã, ele quer manter o governo de al-Maliki mas está mais do que apreensivo diante da ameaça dos djihadistas sunitas que o governo sectário de Bagdá não tem condições de enfrentar sozinho. Resultado: a guerra continua sem perspectiva de solução.

Na Síria, a mesma coisa. Hilary Clinton acaba de botar o dedo na ferida, acusando Obama de recusar-se a armar a oposição moderada síria massacrada pelo regime de Bachar Al-Assad – o que criou um vazio político que foi preenchidos pelos grupos islamistas mais radicais, que acabaram até proclamando o famigerado Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Aí também faltou visão política: com medo de dar força a terroristas, os Estados Unidos, os europeus e até os russos deixaram esses mesmos terroristas se transformarem num verdadeiro exército que está desestabilizando a região inteira. E isso sem nem encontrar uma solução viável para a fragmentação da Síria.

Já em Gaza, também falta política para dar algum sentido à guerra. O Hamas quer continuar a guerra, seja qual for o preço pago pela população da Faixa, para forçar Israel a acabar com o bloqueio do enclave. Só que o governo israelense não poderá nunca aceitar essa solução sem um desarmamento geral e verificável do Hamas – já que deixaria o partido islâmico livre para adquirir mais armas, mais poderosas, para continuar atacando Israel. Mas os dirigentes do Hamas não podem aceitar um desarmamento sem ameaçar diretamente o seu próprio poder político. O paradoxo é que Israel também não quer liquidar completamente o Hamas porque isto abriria o caminho para grupos ainda mais violentos e extremistas.

Então fica tudo por isso mesmo: foguetes, seguidos de bombardeios, seguidos de tréguas, seguidos de foguetes e et cetera... Sem nenhuma perspectiva que não seja a guerra intermitente para palestinos e israelenses. Está na hora dos diversos líderes regionais e mundiais darem uma boa lida ou relida no velho Clausewitz que, ele, sabia das coisas.
 

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