Hollande deve mudar modelo francês e não apenas trocar governo
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Não foi uma derrota, foi um desastre. Os socialistas franceses foram esmagados nas eleições municipais de domingo (30). Um dos piores fracassos eleitorais da história do PS. O símbolo desta surra política é a cidade de Limoges, governada por prefeitos socialistas há mais de cem anos e que, desta vez, votou no candidato da direita. Claro que eleições locais são locais por definição. Mas não há dúvida de que a perda de mais de 160 cidades pelos socialistas foi um voto contra o governo e o próprio presidente François Hollande.
O resultado tem um gosto ainda mais amargo pela simples razão de que os governos municipais representavam a base de poder mais sólida e permanente da esquerda francesa.O aviso dos eleitores foi tão claro que Hollande não esperou nem 24 horas para destituir o primeiro-ministro e nomear um novo gabinete capitaneado pelo ministro do Interior, Manuel Valls, o político socialista mais popular do país.
Só que trocar o time governamental não basta. Ao cabo de dois anos de poder, Hollande vem navegando em volta dos 20% de opiniões favoráveis nas sondagens. E não é por menos: o seu governo é visto como um bando de amadores e ainda por cima incompetentes.
Modelo francês é insustentável
Um presidente que foi eleito prometendo reconciliar os franceses divididos pelo ativismo arrogante do ex-presidente Nicolas Sarkozy, multiplicou os projetos de lei sobre questões sociais como o casamento gay, a eutanásia, a procriação por assistência médica, a reforma dos ritmos e alguns currículos escolares, que dividiram a sociedade francesa, com imensas manifestações contrárias.
Pior ainda, o governo parecia barata tonta diante do principal problema do país: a falta de crescimento econômico e a explosão do desemprego. Há anos que todos os economistas sérios, franceses e europeus, vêm dizendo que o modelo francês é insustentável.
E que várias medidas urgentes são necessárias: reforma do mercado de trabalho, redução do déficit público (o orçamento do Estado francês está no vermelho há mais de 30 anos!), política tributária favorável às empresas e à produção, reforma dos regimes de aposentadoria... Em outras palavras: abandonar as posições ideológicas e a velha história de amor dos franceses com a idéia de um poder público todo poderoso que dirige o funcionamento da economia.
Verdade seja dita, a direita francesa, quando estava no poder, também não foi capaz de lançar essa política de enxugamento da máquina estatal e de modernização das leis e regimes sociais. Mas a esquerda francesa ainda padece de rigidez ideológica.
Medidas econômicas impopulares e pouco eficazes
O primeiro governo Hollande sabia o que tinha que fazer, mas não tinha coragem de enfrentar as diversas correntes internas do Partido Socialista e de seus aliados ou concorrentes da esquerda mais radical. Resultado: para tapar o buraco orçamentário a única receita foi aumentar os impostos, de tal maneira que paralisou o investimento das empresas e provocou a hostilidade da classe média que teve que apertar o cinto.
Sem investimento produtivo e com um mercado de consumo fraco não havia jeito de combater o desemprego. Pior ainda, no meio destes erros crassos de estratégia política, não havia coerência dentro do próprio governo, com ministros brigando uns com os outros, zig-zagues nas decisões e marcha-rés catastróficas.
Hollande ainda tem três anos de mandato, mas já está começando a ter um ar de pato manco. Mudar o primeiro-ministro não vai adiantar se não houver mudança na política e na maneira de governar. Manuel Valls é considerado o expoente da ala mais a direita do PS e é portanto odiado pela esquerda do partido. Não vai ser fácil trabalhar com esse tipo de ambiente.
O perigo é que esta incapacidade da esquerda - e também da direita civilizada - está sendo capitalizada, e muito, pela extrema-direita xenófoba da Frente Nacional que, pela primeira vez, conquistou uma dúzia de cidades. Não é por nada que muita gente na Europa anda dizendo que a França virou o “homem doente” do Velho Continente.
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