Fracasso em negociação dos Rafale reflete "desencanto" entre Brasil e França
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A escolha dos caças suecos Grippen pelo Brasil, ao invés dos Rafale franceses, é o epílogo de uma relação diplomática que vem se desgastando nos últimos anos entre Paris e Brasília. Essa é a conclusão de especialistas ouvidos pela RFI nesta quinta-feira, depois que o Brasil anunciou ter descartado os aviões franceses e americanos, em um contrato estimado em 5 bilhões de dólares.
França e Brasil têm demonstrado posições distintas em diversas questões internacionais, como os conflitos na Líbia, na Síria e nos países africanos e o programa nuclear do Irã. Na opinião do pesquisador Jean-Jacques Kourliandsky, especialista na geopolítica latinoamericana no Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas, o fracasso nas negociações sobre o caça são o reflexo de uma relação diplomática que não conseguiu ir além de uma parceria normal entre dois países que se entendem bem.
“Este final, que é bem surpreendente, faz a gente constatar que existe, entre os dois países, uma espécie de desencanto. Houve projetos e dos dois lados, eles se entusiasmaram. Teve, por exemplo, a assinatura de um acordo estratégico em 2008”, lembra. “Mas ao longo dos anos, enquanto as relações econômicas e comerciais seguiram um curso bastante banal, normal, entre dois grandes países, a etapa superior de relações entre estes países não pôde ser construída. O Brasil é um grande país emergente que segue o seu rumo e que não encontra o da França, que hoje tem uma diplomacia mais europeia-ocidental.”
O governo brasileiro admitiu que o custo mais baixo da oferta dos suecos foi determinante para a escolha, em um momento em que o país registra queda do crescimento econômico. Mas para o pesquisador francês, o país estaria disposto a pagar mais se a parceria com a França de fato compensasse.
“Se houvesse um grande projeto político e diplomático em comum entre a França e o Brasil, talvez o Brasil tivesse aceitado fazer um esforço financeiro a mais para esta compra. Mas na medida em que houve erros de interpretação das posições de um e de outro, que conduziram a uma situação de decepção mútua, foi uma opção excluída e então o Brasil escolheu o contrato que levasse em conta, antes de mais nada, o aspecto financeiro da oferta”, observa.
Jacques Soppelsa, ex-diplomata e coordenador do mestrado em geopolítica da Universidade Paris 1, está pessimista sobre os efeitos deste fracasso nas relações entre os dois países. Ele acha que, por mais que a França jamais admita, está chateada com o vai-e-vem das negociações – principalmente porque o presidente Lula chegou a anunciar a escolha dos Rafale, há três anos.
Acordo Mercosul-UE
“É uma notícia ruim para a França, inclusive sob o aspecto diplomático, afinal foi um banho de água fria. Não vejo como isso poderia melhorar as relações com o Brasil - a menos que possamos imaginar medidas de compensação, em outras áreas”, afirma.
Para Jacques Soppelsa, até mesmo o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, negociado há anos, poderia sofrer consequências. “Essa decisão coloca a França em um impasse diplomático na União Europeia, diante do Mercosul. O Brasil e a França são duas potências e as relações bilaterais são capitais, mas a França é um dos focos da União Europeia e o Brasil é o foco do Mercosul. Portanto, embora não se fale muito disso por enquanto, essa decisão pode ter resultados bastante negativos”, analisa.
Nesta manhã, o ministro francês da Defesa, Jean-Yves Le Drian, tentou minimizar a escolha dos caças suecos Grippen pelo país. Ele afirmou que o Brasil “nem era mais o alvo prioritário da França” e que aposta na exportação dos aviões para a Índia, com quem o país tem negociações exclusivas sobre a venda.
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