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O Mundo Agora

Estrutura geopolítica do Oriente Médio pode desmoronar

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Todo o Oriente Médio está à beira de uma implosão generalizada. E não se trata só de revoluções ou guerras civis. Hoje são as próprias fronteiras nacionais que estão ruindo. Os países da região podem perfeitamente desaparecer num caos apocalíptico. Estamos vivendo os últimos estertores da ordem imposta na região pelo famigerado acordo Sykes-Picot negociado pela França e a Grã-Bretanha em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial.  

A formação geopolítica do Oriente Médio obedece a um acordo ultrapassado, segundo Alfredo Valladão.
A formação geopolítica do Oriente Médio obedece a um acordo ultrapassado, segundo Alfredo Valladão. Wikipedia
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As duas grandes potências coloniais da época, com a anuência do Império russo, assinaram um protocolo secreto definindo suas futuras zonas de influência no Oriente Médio depois da derrota inevitável do Império Otomano. Cada uma ficaria com um pedaço do império turco que cobria então todo o território do mar Mediterrâneo à fronteira iraniana e ao Golfo persa. Essa partilha colonial utilizava a tática de sempre: a manipulação das populações locais. A revolta dos dirigentes árabes contra o jugo otomano será utilizada para convencê-los a entrar em guerra contra Constantinopla. Em contrapartida, os ocidentais prometiam a criação de Estados independentes na região.

De saída os primeiros sacrificados foram os curdos e até hoje o problema não está resolvido. Não era possível permitir a criação de um estado nacional curdo cuja população se espalhava pelas zonas de influência francesa e inglesa, além de uma presença forte no sudeste da Anatólia turca. Dar satisfação aos curdos provocaria uma guerra sem fim na Turquia e tensões permanentes entre as duas potências europeias. Os curdos foram, portanto, traídos cinicamente. Hoje, com a invasão americana no Iraque, eles conseguiram criar uma região autônoma no norte do país e agora estão ameaçando intervir militarmente na guerra civil síria para proteger uma nova região curda quase autônoma no norte da Síria. Para o sonho curdo de construir um estado independente, as fronteiras impostas há quase 100 anos atrás não fazem o menor sentido.

Mas se os curdos ficaram sem estado, os outros, criados a partir da lógica do acordo Sykes-Picot, também não tinham condições mínimas de estabilidade. A região é feita de um emaranhado de populações, grupos étnicos e religiões que dificilmente poderiam servir de base para a constituição de uma nação.

Para garantir as fronteiras e o seu poder de influência, a França e a Grã-Bretanha adotaram a velha receita otomana: colocar no poder pequenas minorias étnicas ou religiosas encarregadas de mandar na maioria da população. E justamente por serem minorias, elas ficavam totalmente dependentes do apoio das grandes potências externas. Foi assim que a seita alauíta ocupou o poder numa Síria majoritariamente sunita. Ou que a minoria sunita no Iraque impôs durante décadas o seu poder ditatorial à maioria xiita. E que os cristãos maronitas puderam exercer uma certa hegemonia sobre os sunitas, xiitas e drusos no Líbano.

É claro que este tipo de arranjo completamente desequilibrado só podia se manter pela força. Mas há muito tempo que Paris e Londres não têm mais meios de manter as suas veleidades de protetorados. E a intervenção americana no Iraque foi um pontapé no formigueiro, criando as condições para as revoltas das maiorias. Em Bagdá hoje, quem manda são os xiitas majoritários, apoiados pelo Irã xiita. Só que o novo poder decidiu impor sua vontade absoluta aos outros grupos da população. Resultado: os curdos criaram um Estado praticamente independente e estão dispostos a defendê-lo de armas na mão, enquanto que a minoria sunita apela para atentados terroristas cada vez mais sangrentos e quotidianos.

Na Síria de Bachar Al-Assad, a imensa maioria sunita lançou uma insurreição contra os grupo alauíta no poder e o país, praticamente destruído pela guerra civil, está cada vez mais dividido em zonas controladas pela oposição ou pelo regime. Dificilmente a Síria poderá retornar às suas fronteiras de antigamente. E no Líbano, já se instalou de fato essa divisão territorial entre sunitas xiitas, cristãos e drusos.

A verdade é que no Oriente Médio, as populações estão misturadas de tal maneira que não há Estado nacional estável possível. Nem uma cínica e sanguinária “limpeza étnica” resolveria o problema pois só conseguiria aumentar a fragmentação. Sykes-Picot morreu e voltamos à questão dos impérios. Na região só existem três Estados com uma longa tradição institucional: a Turquia, o Irã e o Egito. O resto são terras de império, sempre submetidas à uma potência estrangeira capaz de garantir a paz entre a miríade de comunidades distintas. Só que, por enquanto, não existe nenhum candidato a essa função de "imperador regional". Mas sem essa solução as perspectivas são terríveis: mais massacres, mais destruições e o desabamento de todas as instituições e autoridades estatais na região.
 

Clique acima para ouvir a crônica política de Alfredo Valladão
 

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