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França

Por que o terrorismo atrai franceses cada vez mais jovens?

Em menos de uma semana, três adolescentes, todos eles com 15 anos, foram presos na França, suspeitos de preparar ataques terroristas. Em comum em todos os casos, o recrutamento feito pelo jihadista francês Rachid Kassim através do aplicativo russo de mensagens Telegram. A nova tendência de organização de atentados preocupa as autoridades francesas, que tentam desvendar o que atrai jovens a se candidatarem para missões terroristas.

Os menores de idade representam atualmente 20% do total de franceses radicalizados, segundo pesquisa publicada jornal Le Figaro no começo de 2016.
Os menores de idade representam atualmente 20% do total de franceses radicalizados, segundo pesquisa publicada jornal Le Figaro no começo de 2016. PHILIPPE DESMAZES / AFP
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Dos confins da Síria e do Iraque, o grupo Estado Islâmico vem obtendo sucesso ao aliciar jovens. O que principalmente choca a França é a idade da nova onda de candidatos a atentados. Até então, os jovens que se disponibilizavam a participar das macabras missões tinham entre 20 e 30 anos, agiam em grupos e haviam recebido treinamento nas trincheiras terroristas. Agora, adolescentes que acabaram de saíram da infância são recrutados em solo francês por jihadistas.

Para o sociólogo Farhad Khosrokhavar, especialista em processos de radicalização da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Ehess), em Paris, os extremistas descobriram como explorar a necessidade de afirmação típica dessa idade. "Esses garotos querem sair da adolescência e ser tratados como adultos. Ao se tornarem jihadistas, eles são reconhecidos como pessoas que inspiram o medo e, consequentemente, não são mais tratados como crianças", analisa.

Telegram facilitou a organização de ataques à distância

Além disso, as características de recrutamento tomaram outros rumos desde o lançamento do Telegram, que utiliza um sistema de mensagens criptadas e se tornou a plataforma preferida do grupo Estado Islâmico. Se antes a atuação online dos terroristas tinha vida curta com a censura imposta a conteúdos violentos no Facebook, Twitter e YouTube, o aplicativo russo facilitou o contato entre recrutadores e candidatos a terroristas a milhares de quilômetros de distância.

Khosrokhavar explica que, através do Telegram, os adolescentes são colocados em contato com outros candidatos a jihadistas, criando-se uma espécie de competição. "Se um faz, o outro imita. É assim que esses ataques vêm se multiplicando. Quando um acontece, podemos esperar outros. Prova disso é que em menos de uma semana, a polícia descobriu três projetos de atentado", complementa.

Um dos casos ao qual o especialista se refere é o do menino de 15 anos preso no último sábado (10) e que confessou que estava pronto a executar um massacre. Ele pretendia esfaquear pedestres de uma famosa área verde no 12° distrito da capital francesa, a Promenade Plantée. Durante interrogatório, o adolescente declaro que gostaria de fazer um número máximo de vítimas até que a polícia chegasse e o matasse.

A descrição de sua própria morte imita a dos dois rapazes, ambos com 19 anos, que realizaram o atentado contra a igreja Saint-Étienne-de-Rouvray, em julho, no qual o padre Jacques Hamel, de 86 anos, foi degolado. Os garotos demonstraram estar conscientes de que seriam abatidos pelos policiais e não tentaram, em nenhum momento, fugir do local. Ao contrário, atacaram as forças de segurança quando perceberam sua chegada.

"No discurso integrista, a vida não é sagrada", ressalta Yasmina Touaibia, doutora em Ciências Políticas pela Universidade de Nice-Sophia Antipolis e membro da associação Entre'autres, que trabalha na compreensão da radicalização de jovens. Ela explica que os terroristas persuadem os jovens a morrer por sua causa afirmando que os recrutas serão recompensados após a morte. "São ideias impostas e muito perversas. É preocupante que nossos adolescentes estejam prontos para morrer e que não valorizem a vida."

"Carisma à distância"

Outro fator determinante para o recrutamento desses menores é o que Khosrokhavar chama de "carisma à distância". Para isso, diz, basta que haja um líder persuasivo e popular, como é o caso de Rachid Kassim, que, a milhares de quilômetros de distância da França, vem convencendo os jovens a se engajar na causa jihadista. "Ele envia mensagens, motiva os candidatos e à medida que conhece novos recrutas, torna-se mais carismático. Ele exerce uma importante fascinação sobre os jovens", diz.

Khosrokhavar cita ainda mais uma característica que incita os jovens a aderir à causa jihadista: a necessidade de transgressão. De acordo com o sociólogo, os adolescentes envolvidos não tem a noção da gravidade dos fatos: "para eles, é como se fosse um jogo, dentro de um universo lúdico". Ele salienta que o grupo Estado Islâmico tem consciência disso e brinca com o imaginário dos jovens. "É mais próximo dos Senhor dos Anéis e de Harry Potter do que do Islã", ironiza.

Um quebra-cabeça para as famílias

Touaibia, que é mãe de um adolescente de 14 anos, salienta a dificuldade nas famílias ao identificar a radicalização dos jovens: "É um quebra-cabeça do qual ninguém pode se considerar poupado". Segundo ela, os pais precisam estar mais do que nunca presentes e monitorar o cotidiano dos jovens. "É necessário que as famílias tenham noção que sua atuação hoje é vital. Estamos enfrentando riscos potenciais de ataques em massa. E, diante disso, como pais, devemos redobrar nossa vigilância", recomenda.

Já Khosrokhavar acredita que é urgente que o governo adapte as medidas tomadas até o momento contra a radicalização. "Os programas de desradicalização que temos atualmente foram desenvolvidos para adultos que voltam da Síria e do Iraque. Não podemos utilizar os mesmos métodos para faixas etárias diferentes. Por isso, é urgente que eles sejam reformulados para os adolescentes, que hoje se mostram mais vulneráveis e perigosos do que acreditávamos", conclui.

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