Ícone da esquerda francesa e grande figura da construção europeia, Jacques Delors recebe homenagens póstumas

Os principais jornais franceses repercutem nesta quinta-feira (28) a morte de Jacques Delors, aos 98 anos. Figura icônica da esquerda francesa, ele ficou conhecido no mundo inteiro por ser um dos grandes idealizadores da União Europeia (UE) e da criação do euro, a moeda única do bloco.

O socialista francês Jacques Delors foi presidente da Comissão Europeia de 1985 a 1995. © www.notre-europe.eu

O jornal Libération estampa a sua capa com uma foto de página inteira de Delors, com a manchete "O romance de um europeu". O diário relembra que este célebre político tomou as rédeas da economia francesa no início dos anos 1980, quando foi ministro do presidente François Mitterrand. No entanto, frustrou as esperanças da esquerda em 1995, quando se recusou ser o candidato à presidência do Partido Socialista, apesar de ser o favorito nas pesquisas.

Como presidente da Comissão Europeia durante dez anos, a sua gestão foi marcada pela queda do Muro de Berlim e o início das negociações para integrar os países do antigo bloco soviético à UE. Delors também é lembrado por seu papel central na concepção da Europa atual com a criação da moeda e mercado únicos, a assinatura dos acordos de Schengen de livre circulação de pessoas, pelo lançamento do famoso programa de intercâmbio de estudantes Erasmus.

"Jacques Delors é um desses homens políticos que têm os excessos necessários para querer influenciar a história", avalia o diário progressista. Segundo o Libé, o esquerdista variava entre fases de hiperatividade, exaustivas para quem estava ao seu redor, e dias de inércia", um comportamento que lhe conferia a capacidade de determinar objetivos a longo prazo. 

Projetos de solidariedade

"A esquerda perde uma figura histórica" é o título da reportagem especial do jornal Le Parisien sobre Jacques Delors. Apelidado de "o último grande arquiteto da Europa, o diário salienta seus esforços em prol de projetos de solidariedade aplicados nas regiões mais pobres do continente, como o Programa Europeu de Ajuda aos Desfavorecidos e a Reforma Agrícola Comum. Para Le Parisien, esse comportamento pode ser explicado por sua carreira no sindicalismo em duas das maiores centrais sindicais no país, a Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC) e na Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT).

A matéria lembra que é no sindicato do Banco Central da França que Delors conhece sua esposa, Marie, falecida em 2020. Desta união, nasce a filha Martine Aubry, por várias vezes ministra, uma das líderes do Partido Socialista e atualmente prefeita de Lille, no norte da França.

Católico fervoroso

O jornal conservador Le Figaro também homenageia Delors, "gigante da esquerda francesa e grande figura da construção europeia", diz. Católico fervoroso, o diário lembra que o político vivia sua fé no cotidiano, sem ostentação. O ex-ministro era seguidor da corrente do "personalismo comunitário", que colocava o ser humano no centro de qualquer estratégia política. "Modesto em seus gostos e maneira de viver, foi um trabalhador dedicado, que amava o poder não por vaidade, mas como uma forma de fazer as coisas avançarem", reitera.

Delors também estampa a capa do jornal católico La Croix, no qual é tema do editorial intitulado "Cristianismo de esquerda". Europa, esquerda e família eram os lemas do político, afirma o texto, lembrando que "a fé, que cultivava desde criança, nunca foi deixada de lado, sendo o fio condutor de toda a sua carreira". "Jacques Delors faz parte de uma geração que, a partir da ação católica, por um lado, e do militantismo sindical por outro, conferiu nobreza ao cristianismo de esquerda", ressalta.