Homem que vandalizou quadro de artista suíça em Paris é um ex-político de extrema direita
O homem detido no domingo (7), em Paris, logo depois de vandalizar com um jato de tinta um quadro em exposição no Palais de Tokyo, é um ex-integrante do partido de extrema direita Frente Nacional (FN). Pierre Chassin, 80 anos, teve a identidade revelada pelo jornal Le Monde.
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Pierre Chassin foi líder da bancada municipal da Frente Nacional na localidade de Mureaux, a 41 km a oeste de Paris. A ministra francesa da Cultura, Rima Abdul Malak, já tinha denunciado no dia do incidente a "instrumentalização" do caso pelo histórico partido de extrema direita francês, rebatizado por Marine Le Pen com a denominação Reunião Nacional (ex-FN).
Na tarde de domingo, Chassin lançou jatos de tinta roxa contra o quadro – "Fuck Abstraction!" (Que se dane a abstração, em tradução livre) –, da artista plástica suíça Miriam Cahn, "descontente com a representação sexual de uma criança e de um adulto", segundo fontes próximas da investigação. A tela danificada mostra uma pessoa jovem, com as mãos amarradas nas costas, sendo forçada a fazer uma felação em um homem adulto. Um segundo vulto assiste à cena.
O Ministério Público de Paris abriu uma investigação por "degradação de bem cultural em exposição". Se for indiciado e condenado, o octogenário está sujeito a pena de até sete anos de prisão e € 100 mil de multa.
O Palais de Tokyo, um dos principais espaços de arte contemporânea da Europa, prestou queixa na Justiça por danos materiais e "obstrução à liberdade de expressão" na segunda-feira (8). Depois de consultar a autora da obra, a direção do museu decidiu manter a tela exposta, mesmo com os vestígios de tinta, até o final da exposição, em 14 de maio.
En ce 8 mai, où nous célébrons la victoire de la liberté, j'avoue avoir un petit faible pour la nouvelle version de "Fuck Abstraction" qui incarne parfaitement la liberté de dire non à la pédocriminalité. pic.twitter.com/SqDuUWKfip
— Karl Zero Absolu (@karlitozero) May 8, 2023
Os detratores do quadro associam a pintura à pornografia infantil. Entretanto, em uma declaração divulgada pelo museu em março, Miriam Cahn condenou esta interpretação. "Elas não são crianças", insistiu a pintora. "Essa pintura trata da maneira pela qual a sexualidade é usada como arma de guerra, como crime contra a humanidade", acrescentou.
Desde a abertura da exposição, em fevereiro, a tela foi alvo de controvérsia. Quatro associações francesas de proteção dos direitos de menores – Juristas pela infância, A infância partilhada, Diante do incesto e Inocência em perigo – tentaram obter na Justiça a remoção da obra. No entanto, o Tribunal Administrativo de Paris rejeitou os recursos.
Em abril, o Conselho de Estado, a mais alta jurisdição administrativa da França, confirmou o parecer da primeira instância. Como a obra estava exposta em uma galeria de arte "acompanhada de informações contextuais detalhadas, ela não prejudica de forma grave ou claramente ilegal os melhores interesses da criança ou a dignidade da pessoa humana", decidiu o tribunal.
Marine Le Pen nega responsabilidade
Apesar da decisão judicial, a extrema direita continuou a criticar a exibição do quadro. A deputada do RN Caroline Parmentier foi até a mostra no Palais de Tokyo para gravar um vídeo denegrindo o trabalho da artista. Depois, postou o vídeo para seus seguidores nas redes sociais.
Em outra ocasião, a mesma deputada pediu a exclusão do quadro à ministra da Cultura durante uma sessão plenária da Assembleia Nacional. Na avaliação da ministra, se não fosse "a polêmica suscitada pela extrema direita e os ataques [do partido] à liberdade de criação dos artistas, não teríamos certamente chegado a este ponto".
🎨❌ Le tableau polémique “Fuck Abstraction” dégradé au Palais de Tokyo pic.twitter.com/gLuHrDxiun
— BFMTV (@BFMTV) May 8, 2023
Com a identificação do autor da pichação, Marine Le Pen negou qualquer responsabilidade de seu partido e atribuiu o gesto a um "comportamento individual" do ex-representante municipal. "Não se pode ser responsabilizado por um ato individual de alguém que foi conselheiro municipal há oito anos", disse a líder dos 88 deputados do RN na Assembleia, assegurando que Chassin não é mais membro do partido.
Macron: "Na França, a arte é sempre livre"
O presidente Emmanuel Macron condenou o "ato de vandalismo" e denunciou um ataque "aos valores" franceses. "Neste dia 8 de Maio, em que celebramos a vitória da liberdade [dos Aliados contra o nazismo], condeno o ato de vandalismo cometido ontem no Palácio de Tóquio", escreveu Macron, no Twitter, na segunda-feira. "Atacar uma obra de arte significa macular os nossos valores. Na França, a arte é sempre livre e o respeito pela criação cultural é garantido", acrescentou o chefe de Estado.
En ce 8 mai, où nous célébrons la victoire de la liberté, je condamne l’acte de vandalisme commis hier au Palais de Tokyo. S’en prendre à une œuvre, c’est attenter à nos valeurs. En France, l’art est toujours libre et le respect de la création culturelle, garanti.
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) May 8, 2023
Miriam Cahn, 74 anos, pintora, desenhista, fotógrafa, autora de performances e escultora, se estabeleceu como uma das figuras femininas mais interessantes da arte contemporânea suíça. Seu trabalho se baseia na imagem do corpo, mais precisamente nas condições de aparecimento dessa imagem: seu surgimento, seu desaparecimento. O diáfano e o espectral caracterizam a essência de seu trabalho figurativo, que combina pintura, desenho e fotografia.
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