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Em Paris, milhares protestam contra reforma da Previdência; mulheres dizem que projeto é machista

As mulheres são as mais prejudicadas pela reforma da Previdência proposta pelo governo Macron. A partir desta premissa, confirmada por especialistas, milhares de mulheres e organizações feministas se juntaram à multidão que lotou as ruas de Paris neste sábado (11), o quarto dia de greve e manifestação contra o projeto. 

Mulheres do coletivo As Rosies protestam contra a reforma da Previdência com música e dança. As Rosies estão fantasiadas de Rosie, a rebitadora, um ícone da luta feminista americana.
Mulheres do coletivo As Rosies protestam contra a reforma da Previdência com música e dança. As Rosies estão fantasiadas de Rosie, a rebitadora, um ícone da luta feminista americana. © Paloma Varón/RFI
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Paloma Varón, da RFI

"A luta contra a reforma da Previdência é uma luta feminista", diz a manchete do jornal de duas páginas entregue aos manifestantes pela União Comunista e Libertária. "Feministas furiosas", afirma o panfleto assinado por dezenas de organizações feministas francesas. 

Mulheres de diferentes gerações vieram às ruas de Paris neste sábado (11) por uma mesma causa: lutar contra o projeto de reforma da Previdência, que tem como principal medida aumentar a idade mínima legal para a aposentadoria de 62 para 64 anos, e exigir igualdade de salários e de direitos. 

A manifestação reuniu pelo menos 500 mil pessoas em Paris, segundo a CGT, e 2,5 milhões em toda a França. Já o Ministério do Interior informou que foram 93 mil em Paris e 963 mil na França. 

Para Delphine Colin, do coletivo Mulheres da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), um dos maiores sindicatos franceses, esta é uma reforma "contra as mulheres". "Eu a qualificaria de machista por diversas razões: a gente já tem uma grande diferença de valor de aposentadorias entre as mulheres e os homens, de 40%, que é, na verdade, um espelho das desigualdades salariais entre homens e mulheres ao longo de toda a vida", aponta. 

'Esta reforma não vai resolver esta situação porque ela não se preocupa com este problema da desigualdade. O governo tem um discurso de que esta reforma seria justa para as mulheres, que nós seríamos as grandes ganhadoras, mas a CGT, junto com outros sindicatos e organizações feministas demonstramos, por meio de estudos, que somos as grandes perdedoras, na verdade", acrescenta. 

Segundo ela, aumentar a idade mínima para a aposentadoria vai penalizar as mulheres que têm carreiras mais curtas, que não trabalham em tempo integral e/ou que estão em empregos pouco valorizados.

Música, dança e ícone feminista

Clarysse Cahen participou da manifestação fantasiada de operária zumbi no carro de som do coletivo As Rosies. Grupo feminista criado em 2019 para protestar contra a primeira proposta de reforma da Previdência pelo governo Macron, elas se inspiram no cartaz americano com o desenho de Rosie, a rebitadora, que virou um ícone da luta feminista.

No cartaz, Rosie está vestida de macacão azul de operária e lenço vermelho com bolinhas brancas. Ela mostra o braço musculoso e atrás lê-se a frase “We can do it” (Nós podemos fazer isso). 

"O coletivo As Rosies veio hoje fantasiado de 'Rosie zumbi' para chamar a atenção para a precariedade e a pobreza que esta reforma só agravará", disse Clarysse, chamando a atenção também para a dupla jornada das trabalhadoras femininas. 

Uma manifestante do grupo As Rosies distribui adesivos com a Rosie, a rebitadora original estampada na camiseta. Maifestação contra a reforma da Previdência em Paris em 11 de fevereiro de 2023.
Uma manifestante do grupo As Rosies distribui adesivos com a Rosie, a rebitadora original estampada na camiseta. Maifestação contra a reforma da Previdência em Paris em 11 de fevereiro de 2023. © Paloma Varón/RFI

As Rosies têm como marca registrada, além do macacão azul e do lenço na cabeça, o fato de sempre trazerem música e dança para as manifestações. "Nós estamos furiosas contra a reforma, mas nos manifestamos de forma festiva, até porque, com a repressão policial, muitas pessoas agora têm medo de vir às manifestações, então nós queremos trazer um pouco de alegria para as ruas também". 

Versões de músicas famosas para protestar

Neste sábado, as Rosies cantaram e dançaram, entre outras músicas, uma versão de "I will survive", de Gloria Gaynor, cuja letra dizia, "Trabalhar até morrer para o proletariado, 64 anos não; a aposentadoria aos 60 anos é melhor, nós queremos viver". 

Clarysse Cahen no carro de som do grupo feminista As Rosies, que protesta contra a reforma da Previdência na França. Manifestação de 11 de fevereiro de 2023.
Clarysse Cahen no carro de som do grupo feminista As Rosies, que protesta contra a reforma da Previdência na França. Manifestação de 11 de fevereiro de 2023. © Paloma Varón/RFI

O carro de som da CGT da região Île-de-France, que tem Paris como capital, também estava festivo. Os sindicalistas distribuíram um livreto com 19 músicas e iam cantando, uma a uma, em coro. Havia paródias de músicas de France Gall, Britney Spears, Céline Dion e Village People, entre outras.

Uma das que mais entusiasmou as pessoas presentes na Praça da República, onde começou a manifestação, foi "Trabalhe, Trabalhe", uma versão da música internacionalmente conhecida "Voyage, voyage", da cantora francesa Desireless. A versão dizia: "Submissa ao capital, esta ideia é fatal, você não terá mais forças. Trabalhe, trabalhe, se curve e baixe a cabeça, em benefício do patrão". 

Maio de 1968 como referência

As estudantes de Direito Leona-Lou e Émilie, ambas de 19 anos, vieram à manifestação porque se preocupam com o futuro e em solidariedade aos mais velhos. "Precisamos reagir e nos mobilizar contra este projeto, senão não seremos ouvidas", diz Leona-Lou. 

"Quanto mais me informo, mais vejo o quão injusta é esta reforma, para todo mundo", diz Émilie. 

As estudantes de Direito Émilie e Leona-Lou, ambas de 19 anos, seguram um cartaz com um trocadilho para o presidente Emmanuel Macron: "Você nos impõe 64 e nós te impomos Maio de 68", uma homenagem à avó de Leona-Lou, que participou ativamente do movimento que parou a França em maio de 1968.
As estudantes de Direito Émilie e Leona-Lou, ambas de 19 anos, seguram um cartaz com um trocadilho para o presidente Emmanuel Macron: "Você nos impõe 64 e nós te impomos Maio de 68", uma homenagem à avó de Leona-Lou, que participou ativamente do movimento que parou a França em maio de 1968. © Paloma Varón/RFI

Elas carregavam um cartaz que trazia um trocadilho dirigido a Macron: "Se você nos impõe 64, nós te impomos Maio de 68". "A gente viu este slogan na nossa faculdade e achou engraçado, então eu quis escrevê-lo e vir com este cartaz em homenagem à minha avó, de 76 anos, que participou ativamente do Maio de 1968 e que apoia a nossa manifestação, mas não pôde vir a Paris hoje", conta Leona-Lou.

Mobilização em família

A também estudante Adèle, de 17 anos, veio se manifestar com a avó, a tia e o primo de dois anos. "Vim com a minha família hoje, mas já tinha vindo na semana passada. Venho sempre com meus colegas de faculdade para as manifestações, nós somos engajados", diz, orgulhosa.

"Esta mobilização diz respeito ao nosso futuro e é importante que todas as gerações se mobilizem pela mesma causa", completa Adèle. 

"Estamos aqui para que o governo entenda que há outros modelos possíveis. No modelo que Macron propõe, os ricos ficam mais ricos e os pobres, mais pobres. Esta reforma é injusta, mas, além disso, estou aqui contra este modelo capitalista no qual os que produzem a riqueza não conseguem nem mesmo chegar ao final do mês", diz Flavie, que trouxe o filho de dois anos para a sua primeira "manif", a maneira informal como os franceses se referem às manifestações. 

"Esta é a primeira de muitas", completa Flavie, aos risos, lembrando que greves e manifestações são uma tradição na França e sua família não foge à regra. 

Para Caroline, mãe de Flavie e tia de Adèle, estar na manifestação em família "é importante para construirmos juntas o mundo que vamos deixar para elas e para a geração do meu neto". 

Três gerações de uma mesma família em protesto contra a reforma da Previdência na Praça da Reública, em Paris. Flavie, à direita, carrega o seu filho de 2 anos, que participa, segundo ela, de sua primeira manifestação.
Três gerações de uma mesma família em protesto contra a reforma da Previdência na Praça da Reública, em Paris. Flavie, à direita, carrega o seu filho de 2 anos, que participa, segundo ela, de sua primeira manifestação. © Paloma Varón/RFI

Desemprego e precariedade

"Vovó, quando eu tiver a sua idade, eu estarei desempregado", dizia um cartaz de um grupo de estudantes. Segundo os dados do próprio governo, na França, apenas um terço das pessoas acima de 60 anos têm emprego e 75% daquelas com idade entre 55 e 60 anos.

"O argumento da primeira-ministra Élisabeth Borne, de que a reforma é benéfica para as mulheres, é errôneo. Ela está mentindo. Esta reforma prejudica as mulheres, que têm carreiras incompletas e pausadas por diversos motivos e não conseguem contribuir o suficiente para a aposentadoria aos 62, quem dirá aos 64 anos", diz Yolande, de 73 anos, já aposentada. 

Para Isabelle, o argumento do governo de que o sistema previdenciário está quebrado, não se sustenta. "Basta fazer com que os ricos paguem impostos, cabe a eles financiarem as nossas aposentadorias", bradava ela, enquanto carregava um cartaz que dizia: "Cabe aos ricos apertar os cintos, não aos operários". 

O que os sindicatos propõem

"Nós propomos a aposentadoria aos 60 anos e a redução do tempo de trabalho para 32 horas por semana. A gente acredita que isso permitirá a igualdade entre homens e mulheres e a repartição das tarefas domésticas", explica Delphine Colin, da CGT.

"A gente também luta para que a igualdade salarial seja respeitada e que as empresas que não respeitem sejam realmente multadas. Esta lei existe há mais de 50 anos, a de um salário igual para um trabalho de valor igual, mas não só ela não é respeitada como existem os trabalhos feminilizados que não são valorizados, que são os trabalhos ligados aos cuidados (de crianças, deficientes e idosos), à educação, ao acompanhamento. Eles são vistos como habilidades inatas que as mulheres têm, e não como um trabalho que requer qualificação e competência e que deveria ser bem pago", continua. 

"Para nós, o cerne do problema está aí", aponta.

Delphine apresenta um estudo da CGT que mostra que, se houvesse a igualdade salarial, haveria € 5,5 bilhões de contribuição a mais para os cofres do governo. "E, se houvesse o mesmo índice de empregabilidade para as mulheres e para os homens, seriam € 9 bilhões a mais para os fundos de pensão (porque muitas mulheres trabalham em tempo parcial ou param de trabalhar por um tempo quando têm um ou mais filhos).

Segundo as estatísticas da CGT, apenas 1/9 dos homens para de trabalhar por um tempo quando tem um filho, contra metade das mulheres. "O sistema de desconto do valor para aposentadorias é, portanto, injusto para as mulheres", conclui.

 

 

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