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Rendez-vous cultural

Dois romances distópicos brasileiros integram famosa temporada literária francesa

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A famosa rentrée littéraire (temporada literária) é o momento mais importante do mercado editorial na França. Do final de agosto ao começo de novembro, início da volta às aulas após as férias de verão, as editoras do país concentram a maioria de lançamentos do ano, de olho nos famosos prêmios literários franceses (Goncourt, Médicis, Renaudot, entre outros) que trazem prestígio e vendas garantidas. Dois romances brasileiros integram essa rentrée 2020.

"Tupinilândia" e "La Mort et le Météore", foram os dois romances brasileiros que integraram a temporada literária francesa, momento mais importante do mercado editorial na França.
"Tupinilândia" e "La Mort et le Météore", foram os dois romances brasileiros que integraram a temporada literária francesa, momento mais importante do mercado editorial na França. © Fotomontagem RFI
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Este ano, apesar da pandemia e dos pedidos reiterados dos livreiros por um volume menor de publicações, 511 novos livros, quase o mesmo número que no ano passado (524), chegam às livrarias nesse período. Há vários anos, o mercado defende uma rentrée mais enxuta para que livreiros, críticos e leitores possam absorver melhor as obras e todos os títulos encontrem seu público. Os lançamentos, que já foram superiores a 700, começaram efetivamente a diminuir, mas ainda são considerados excessivos, principalmente num ano atípico como 2020.

Durante os dois meses de quarentena na França, entre março e maio, os estoques se acumularam nas prateleiras das livrarias fechadas e as editoras não puderam lançar nenhum novo título. A queda das vendas e as perdas para o setor foram de cerca de 80%. Com o fim do isolamento, os leitores correram para as livrarias. As vendas cresceram 178% apenas na primeira semana e continuaram em alta em junho e julho. "Foi uma surpresa maravilhosa”, comemora a editora Anne-Marie Métailié. Mas as incertezas continuam e a editora independente foi uma das que decidiu lançar menos exemplares nessa rentrée

"Depois de todos os problemas que os livreiros tiveram durante a quarentena, refizemos totalmente a nossa programação. Cinco livros não puderam ser lançados durante o isolamento e decidimos lançá-los agora", conta. Apesar das incertezas provocadas principalmente pelo aumento das contaminações pelo novo coronavírus e uma eventual segunda onda da pandemia na França, Anne-Marie Métailié está otimista e defende a diminuiçao do número de publicações. 

"Eu estou muito otimista com a maneira como os leitres voltaram às livrarias. Os livreiros estão também otimistas. Acho que nós vamos ter que fazer menos livros, para defendê-los melhor. Não tem mais lugares para colocar os livros nas livrarias. Falta espaço também nos jornais e nas rádios. Teve uma inflação de livros muito grande."

As mudanças são necessárias, mas a tradicional rentrée littéraire francesa vai continuar. "Os meses de agosto e setembro representam 40% das vendas anuais de uma editora", explica Anne-Marie Métailié, que nunca recebeu um dos cobiçados prêmios literários franceses, mas não desanima. "Estou muito à vontade com isso e nem tenho esperanças. Eu resisti durante 40 anos sem os prêmios. A minha editora funciona bem. A gente tem leitores fiéis, ao mesmo tempo em que não tem como prever nada. Esse é o encanto do ofício de um editor."

Literatura brasileira

Anne-Marie Métailié é uma das principais divulgadoras da literatura brasileira na França, que ela defende desde que fundou seu editora em 1979. Entre os poucos romances que publica agora está "Tupinilândia", do jovem autor gaúcho Samir Machado de Machado. "Gostei tanto de lê-lo. Foi um prazer. Ele faz uma literatura muito inteligente e muito divertida. Ele diz que os escritores em geral leram os clássicos do século 19 europeu, como Balzac, mas tinha também Jules Verne e Dumas, e se pode misturar esses dois tipos de literatura. Foi o que ele fez em Tupinilândia", comenta a editora. "No livro, há aventuras, coisas cinematográficas, mas tem uma reflexão sobre o que é a nostalgia e o que é a representação arquétipa de uma paÍs. É um romance muito bom, muito forte e inteligente. Eu acredito muito nele." 

O romance de aventuras conta a história de um parque de atrações brasileiro, construído em segredo no meio da floresta amazônica no final da ditadura, no início dos anos 1980. O parque nunca foi inaugurado, mas abriga uma colonia fascista perdida no tempo. "Tupinilândia" é um romance distópico sobre a história recente do Brasil e por isso Samir Machado de Machado acredita que ele tenha sido o primeiro de seus livros a interessar uma editora estrangeira.

"Eu escrevei esse livro pensando numa questão muito brasileira, que era não só a cultura nacional, mas o tanto que nossa cultura acaba sendo influenciada pelos padrões e clichês coloniais norte-americanos e europeus", afirma o escritor. Para ele, o Brasil mostra agora para o mundo elementos que sempre estiveram presentes em sua identidade, mas que preferia esconder. 

Amazônia

"O governo Bolsonaro e esse desprezo que ele tem pela preservação da Amazônia, pela preservação da vida dos brasileiros e dos indigenas, isso é uma coisa que sempre esteve presente na cultura brasileira, na identidade brasileira. A gente só não gostava de admitir e fazia de conta que não via. Mas chegou um momento que essa onda neofascista se tornou tão intensa que não temos mais como dizer que isso é uma parte infeliz, integrante da identidade nacional. O Brasil sempre teve dificuldade em conciliar a maneira como ele quer ser visto e o país que ele realmente é", pontua Samir Machado de Machado.

O outro romance brasileiro que chega às livrarias francesas agora também se passa na Amazônia. A "A Morte e o Meteoro", de Joca Terron, é publicado e traduzido pela editora Zulma. Nessa aventura macabra entre passado e futuro, a floresta tropical brasileira praticamente acabou e uma tribo isolada pede asilo no México para evitar sua extinção. 

Sobre a imagem do Brasil atual na França, a editora Métailié lembra que os franceses ficaram muito impactados pelas imagens que viram da destruição da floresta brasileira no ano passado e afirma que "a Amazônia é um sonho importante no imaginário francês".

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