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França/corpos

Escândalo revela imagens macabras em Centro de Doação de Corpos da Faculdade de Medicina de Paris

Corpos desmembrados, empilhados, pedaços vendidos ou comidos por roedores. A revista francesa L’Express revelou o tráfico e as condições insalubres de conservação de milhares de cadáveres do Centro de Doação de Corpos da Faculdade de Medicina da capital, Paris-Descartes, situada no bairro de Saint-Germain-des-Près, no 6° distrito da capital. Três meses depois, as famílias aguardam por Justiça.

Cadáveres desmembrados, amontoados, alguns caindo de sacos do lixo... Estas cenas dignas de um filme de terror foram fotografadas em 2018 no coração de Paris, na Universidade Paris-Descartes.
Cadáveres desmembrados, amontoados, alguns caindo de sacos do lixo... Estas cenas dignas de um filme de terror foram fotografadas em 2018 no coração de Paris, na Universidade Paris-Descartes. Wikipédia
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O escândalo, sem precedentes, levou ao fechamento provisório do maior centro anatômico europeu, fundado em 1953. O Centro de Doação de Corpos recebe os cadáveres de pessoas que decidiram, ainda em vida, doar seus órgãos e membros para a Ciência. Utilizados nos cursos de anatomia, os corpos são indispensáveis para a formação de novas técnicas cirúrgicas e de futuros cirurgiões. Eles também são usados no desenvolvimento de próteses e de material cirúrgico.

As más condições de conservação eram tamanhas que alguns cadáveres, em estado avançado de decomposição, tiveram que ser incinerados e nem puderam ser dissecados. A descrição das fotos obtidas pela revista L’Express, que não foram publicadas por respeito às famílias, integra um documento de 27 páginas, de 2016, que o professor Richard Douard, diretor do centro, enviou para o então presidente da universidade, Frédéric Dardel, hoje conselheiro da Ministra francesa do Ensino Superior e da Pesquisa, Frédérique Vidal.

Tráfico de corpos

As imagens mostram corpos em condições deploráveis, cabeças empilhadas em carrinhos, sacos de lixo cheios de membros ou cadáveres pela metade ou infestados de vermes. O material e as instalações são descritos como ultrapassados. A ventilação também não funcionava e os canos viviam entupidos.

“O Centro de Doação de Corpos da Faculdade de Medicina Paris Descartes foi deixado em um estado deplorável, sem reforma. As câmaras frias não respeitavam mais as normas, corpos foram deixados apodrecendo, devorados por ratos”, conta o presidente da UFML, Sindicato da União Francesa para uma Medicina Livre, Jêrôme Marty, em entrevista à RFI Brasil.

Além disso, explica, as regras éticas que envolvem as doações de corpos para a Ciência foram violadas. “Os cadáveres eram vendidos para a indústria automobilística, para crash-tests, por exemplo. Havia uma monetização dos corpos, que eram comercializados, inteiros ou parcialmente”, descreve. O médico francês explica que esse dinheiro, que deveria ser utilizado pela universidade e o centro, foi desviado.

“O professor Guy Vallancien, um urologista conhecido internacionalmente, dirigiu o centro s durante 10 anos e aparentemente não fez tudo o que deveria. Pessoas como ele devem uma explicação”, conta Jérôme Marty. O célebre especialista, que tratou do ex-presidente François Miterrand, teria criado, em 2001, uma empresa que revendia os corpos para a indústria, superfaturando o preço dos cadáveres, explicou o advogado das vítimas, Frédéric Douchez, à RFI Brasil.

O atual diretor do local, o médico legista Bertrand Ludes, exige o fim das parcerias com a iniciativa privada. Caso contrário, disse à imprensa francesa, deixará o cargo. “Nós, médicos, nos sentimos atacados, porque tudo o que está acontecendo é o contrário do que deve ser feito quando somos médicos. Prestamos juramento, temos um código de Deontologia, que lembra que o respeito à pessoa continua depois da morte. Essas pessoas não respeitaram os cadáveres de quem doou seus corpos”, declara Marty.

Famílias prestam queixa

“O pior é que a universidade sabia o que estava acontecendo. Não podemos imaginar que Frédéric Dardel, na época presidente da instituição, não estivesse a par do problema. Ele foi alertado por várias pessoas que dirigiram o centro e pediram demissão”, denuncia o representante dos médicos. Em fevereiro, 24 famílias prestaram queixa na Vara Criminal, dentro da investigação aberta pela Promotoria de Paris. Mas por enquanto nenhum juiz se encarregou do caso.

“Em certas situações, fica claro que a Justiça não tem muita pressa”, explicou o advogado. “As famílias estão horrorizadas. Imagine descobrir que você doou o corpo de sua mãe ou avó para a Ciência, e ele foi comido por ratos ou as moscas colocaram ovos dentro?”, comenta. O advogado conta detalhes que parecem saídos diretos de filmes de terror: as pernas eram cortadas e coladas à cabeça para serem usadas em test-drives com cadeirinhas para auto. “É sórdido”, conclui.

Na última quinta-feira (27), o coletivo formado depois do escândalo se reuniu em frente à faculdade, carregando cartazes com fotos dos parentes, e se encontraram com Christine Clerici, a nova presidente da instituição. Em comunicado, a Faculdade prometeu esclarecer o caso.

Centro é invadido e tem arquivos roubados

Novos elementos tornam o caso ainda mais surpreendente: no fim de janeiro, o centro foi invadido. Nada foi roubado, além de caixas de arquivos. A rede informática da universidade também foi pirateada, o que leva a crer que o principal interesse do intruso era o de destruir evidências. “Acionamos o Conselho Nacional da Ordem de Medicina, que enviou o caso para o Conselho Regional da Ordem, para que os médicos envolvidos nesse escândalo se expliquem. Deixamos os preparadores trabalharem em condições perigosas e deploráveis durante anos”, diz Jêrôme Marty.

 

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