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Brasil-Mundo

Pioneira da música barroca no Brasil, Myrna Herzog toca na Suíça com viola da gamba de quase 300 anos

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Criadora da primeira orquestra barroca brasileira, Myrna Herzog se apresenta na Suíça com uma viola da gamba fabricada em 1744.

Myrna dentro do avião com seu instrumento.
Myrna dentro do avião com seu instrumento. © Divulgação
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Valéria Maniero, correspondente da RFI na Suíça

A instrumentista Myrna Herzog, brasileira que mora há 28 anos em Israel, está na Suíça para participar de uma série de apresentações musicais. Especializada em música barroca e pioneira da viola da gamba no Brasil, Myrna não está sozinha: seu fiel companheiro, um instrumento construído em 1744, veio com ela no avião e vai brilhar com a brasileira nos recitais em Genebra.

“Vai ser um prazer me apresentar aqui na Suíça e, sobretudo, tocar ao vivo, coisa que eu não faço desde o mês de fevereiro, por causa da pandemia”, diz ela.

Dentre os eventos previstos na agenda da brasileira está o encerramento da exposição “Legado do Exílio”, que conta a história de refugiados – a maioria judeus perseguidos pelo nazifascismo – que encontraram um porto seguro no Brasil. O pai de Myrna, Leon Herzog, é um sobrevivente do Holocausto que se refugiou em terras brasileiras. Os avós dela, Jacob e Esther, foram mortos no Holocausto antes de a instrumentista nascer. 

“Eu acho que tocar numa exposição desse tipo é uma coisa emocionante. Serão duas peças: uma de um autor israelense, Aharon Shefi, e outra do brasileiro Luiz Otávio Braga. Em geral, a gente que é filho de sobrevivente do Holocausto, gente que sonhou em conhecer os avós e nunca conheceu, é como se tivesse uma história particular que ninguém sabe dela, que as outras pessoas comuns não têm noção. Então, o fato de que está se falando disso é uma coisa incrível. Não tenho palavras para dizer, realmente me emociona. Eu estou muito feliz em poder tocar nessa exibição”, conta ela, que agradeceu, “de coração”, a iniciativa por parte do Consulado do Brasil em Genebra.

Myrna também pretende fazer uma pequena apresentação sobre o pai nesse evento, marcado para segunda-feira (14), às 18h30, na Maison Juive Dumas. Ela lembra que o pai não só encontrou um novo lar no Brasil, como foi o “pai” da primeira motocicleta brasileira, a Leonette.  

Recital inspirado na vida do pai, sobrevivente

Além disso, no domingo (13), das 10h30 ao meio-dia, Myrna dará uma palestra, em francês, sobre a interpretação da música barroca. O evento é aberto a todos e, sobretudo, ao público especializado: instrumentista, cantores e regentes. Depois, às 17h, no mesmo local (sinagoga em Plainpalais), ela fará um recital de viola da gamba que se chama “Escolha a vida”.

“É um recital inspirado na história do meu pai, que é comovente. Então, eu bolei um recital inspirado nele, na trajetória da nossa família desde a Espanha até chegar ao Brasil. Depois, estarei aberta a perguntas”, explica.

Myrna, que nasceu no Rio de Janeiro mas se mudou para Israel na década de 90, diz que o Brasil fez muito por ela. “Eu devo ao Brasil toda a minha formação. Quando fui para Israel, eu tinha 40 anos, era uma pessoa formada. Eu me sinto profundamente brasileira, tenho o maior prazer de ler Machado de Assis. A cultura do Brasil é uma grande coisa na minha vida, uma riqueza extraordinária”, afirma.

A recíproca também é verdadeira: Myrna Herzog também fez a sua parte, dando uma importante contribuição ao país.

Brasil: amor recíproco

“Nesse período que eu vivi no Brasil, do zero aos 40 anos, acho que pude dar também uma pequena contribuição: fui a pioneira da viola da gamba no Brasil, a primeira pessoa a tocar todas as obras importantes feitas para viola da gamba no país. E o mais importante de tudo: fui a fundadora e a diretora musical da primeira orquestra barroca do Brasil: a Academia Antiqua Pro-Arte, que viveu de 1983 até 1992, ano que eu emigrei. Então, eu tenho muito orgulho. Acho que foi a primeira orquestra barroca da América Latina. Não quero dizer que foi fácil, mas foi emocionante a gente desbravar, fazer isso, poder oferecer para as pessoas um novo som, um novo conceito de música. Essa foi a minha contribuição”, conta.

A viola da gamba da instrumentista, fabricada em 1744 – tem 276 anos, portanto - também tem muita história para contar.
A viola da gamba da instrumentista, fabricada em 1744 – tem 276 anos, portanto - também tem muita história para contar. © Divulgação

O começo da história com a viola da gamba

A brasileira conta que começou a tocar o instrumento “mais ou menos por acaso”, porque a ideia, inicialmente, era aprender um outro. Mas depois, o contato com uma referência na área fez com que Myrna entrasse de vez nesse mundo, para nunca mais sair.

“Eu fui estudar flauta doce com Marcelo Madeira, que era primo-irmão do Tom Jobim, e o Marcelo estava formando um conjunto de música antiga. Como eu tinha começado a estudar violoncelo, ele perguntou se eu não estaria interessada em aprender viola da gamba. Eu falei: claro! Eu tinha 18 anos e parecia bom, como um brinquedo. Aí eu tive a oportunidade de fazer alguns workshops nos Estados Unidos e lá eu vi uma pessoa tocando viola da gamba, Judith Davidoff. Até hoje – ela tem 90 e poucos anos – estou em contato com ela. Quando eu a vi tocando, falei: uau, é isso que eu quero fazer na minha vida. Esse é um instrumento que eu quero tocar”.

Uma apaixonada pelo que faz

Myrna, então, voltou para o Brasil e enfrentou o grande desafio de aprender um instrumento sem ter um professor ao lado.

“Eu me correspondia com ela. Quando podia, passava algum tempo fora estudando, lendo, pesquisando... E foi assim. Uma paixão total. Até hoje eu sou apaixonada. Eu acho que isso é um grande bônus na minha vida. Até hoje eu me sinto com 18 anos, e eu adoro esse instrumento”.

A viola da gamba da instrumentista, que tem 276 anos, também tem muita história para contar. “Essa viola que eu trouxe para tocar é a minha favorita, foi feita em 1744 por um grande construtor, Andrea Castagneri, que foi um dos três grandes construtores de instrumentos de arco na França no século XVIII. E esse instrumento eu descobri por acaso no Brasil. Pertencia à Pro-Arte, a escola onde eu dava aula. A princípio, ele tinha sido transformado num violoncelo, e eu o comprei como um violoncelo, mas depois eu cheguei à conclusão de que era uma viola da gamba”, explica.

E o instrumento foi ficando cada vez mais famoso, virando tema de doutorado da brasileira. “Ele mudou a minha vida, porque eu devo muito a essa tese de doutorado. Eu cheguei à conclusão que a gente se transforma no resultado das escolhas que a gente faz. Eu escolhi fazer esse doutorado e esse doutorado me transformou. Esse instrumento é maravilhoso”.

Para Myrna, que continua tendo laços com o Brasil, onde mora parte da família – filho, nora e dois netos, o país está enfrentando “grandes dificuldades, principalmente porque existe uma polarização imensa das pessoas”.

“Eu fico espantada. Tem que ser ou preto ou branco. Se você não é preto, você é contra o branco. Isso é uma coisa que eu acho que prejudica muito. Democracia é você aceitar que o outro tenha uma ideia diferente de você e se bater até a morte pelo outro poder expressar essa ideia diferente. Não é só um fenômeno do Brasil, é mundial, mas acho que o mundo todo precisa ser mais democrático, aceitar melhor que o outro é diferente”.

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