Acessar o conteúdo principal
RFI Convida

"Nessa hora é importante seguir a ciência e não a política", diz médico brasileiro do Imperial College

Publicado em:

A pandemia do novo coronavírus mantém centenas de milhões em quarentena pelo mundo. Presas em casa, sem saber como lidar com esta doença desconhecida dos próprios médicos, as pessoas recorrem às informações que estão ao alcance das mãos, na internet. Mas nem tudo o que está ali é verdadeiro.

O cardiologista Ricardo Petraco
O cardiologista Ricardo Petraco © Arquivo Pessoal
Publicidade

Vivian Oswald, correspondente da RFI em Londres

A desinformação é um risco para todos e é o assunto da entrevista com o cardiologista e pesquisador da Imperial College de Londres, o brasileiro Ricardo Petraco. O especialista afirma que o importante agora é seguir a linha da ciência, e não o entusiasmo ou a política. A seguir, trechos da entrevista:

- Com milhões de pessoas trancadas em casa em quarentena, a internet vira, mais do que nunca, fonte de informação. Quais são os riscos disso num momento como o que estamos vivendo?

RP- A gente está vivendo um momento único na história, na nossa geração. E essa crise internacional causada pelo coronavírus, causou pela primeira vez na história do Brasil, e aqui na Inglaterra também esta tal de quarentena, o lockdown, como é chamado aqui. A primeira coisa que temos que entender e que é totalmente compreensível, a ansiedade e a reposta que a gente está oferecendo a isso que é a de tentar ler tudo o que for possível pela internet. Agora, essa combinação de ficar em casa e não ter muito o que fazer, estar ansioso para tentar entender mais sobre a doença e ajudar os outros, faz com que a gente acabe obtendo informações que não são necessariamente corretas. É muito importante a gente se lembrar que a informação que está na internet não necessariamente é correta. A dificuldade que a gente tem, obviamente, com o acesso rápido à informação é saber triar, fazer o ‘screening’ do que ler e o que não ler. E quando você lê alguma coisa, se considera isso, é só uma opinião de alguém que está falando sobre um possível tratamento e não confundir isso com a resposta última sobre o que se tem entendido sobre a doença. Se alguém fala que existe um tratamento novo que pode ser potencialmente curativo, em estudos a gente tem que ter muito cuidado para não atribuir isso à palavra final e estabelecer que alguma coisa foi descoberta, e tentar passar essa mensagem para os seus primos, seus conhecidos, e dizer: ‘olha, está vindo aí uma cura rápida. Eu li na internet’. Essa é a grande dificuldade que as pessoas vão tentar enfrentar agora, que é saber triar as informações pela internet.   

- Até pouco tempo atrás ninguém sabia o que era Covid-19. Agora, parece que todo mundo tem vasto conhecimento e muitas opiniões. Onde devemos nos informar até mesmo para não entrar em pânico?

RP-  Ninguém até algumas semanas atrás provavelmente tinha ouvido falar sobre esse vírus e agora 80% da população parece ser especialista no assunto. Isso é inevitável e faz parte da ansiedade humana numa situação como essa, a gente obter o máximo de informação possível. O que eu recomendaria é tentar estabelecer o tipo  de informação que você quer. Se você quer só saber o número mais recente de casos e de mortes, existem vários portais do governo brasileiro, ou do governo da Inglaterra, que oferecem esse tipo de informação. Ou você pode ir a um site do hospital (da Imperial College) que tem enviado boletins diários sobre o assunto. Se a sua intenção é se informar sobre a doença em si, o que tem de mais novo em termos de publicações, tratamentos e diagnósticos, tem vários jornais e revistas científicas internacionais que são o que gente considera as mais respeitadas, uma delas sendo a New England Journal of Medicine e a outra The Lancet, uma inglesa e a outra americana, as duas têm websites totalmente voltados ao coronavírus, de fácil acesso, gratuito. Então tudo o que está sendo publicado agora de mais novo, importante e de impacto na área, está sendo publicado em uma dessas revistas. E, obviamente, se tem alguma publicação ou jornal em que você confie para saber um dado sobre o assunto, pode ir lá e confiar. A única coisa que tem que ter cuidado é quando você está ouvindo falar na opinião de alguém sobre o assunto na internet, via Whatsapp, ou no Facebook, ou YouTube. Se alguém está dando opinião, procure saber se aquela pessoa que está dando opinião tem algum respaldo científico ou clínico no assunto para poder ser considerado, o que a gente chama de formadores da opinião. A gente sempre fala isso. Todo mundo pode dar a sua opinião. Isso é de graça, mas se você vai levar isso para frente e vai mandar para os seus colegas, como sendo a última informação sobre o vírus, é isso que tem que ter cuidado.

- Muitos estudos têm circulado pelas redes sobre tratamentos para a Covid-19. É possível dizer que já existe um caminho?

RP- Olha, realmente, uma das grandes gerações de ansiedade na internet, nas redes sociais, é exatamente essa circulação abundante de potenciais terapias para o coronavírus. De novo, a gente tem que entender que todo mundo quer achar uma uma cura. Todo mundo fica excitado com essa possiblidade de se curar a doença, mas, infelizmente, até o momento, não existe absolutamente nenhuma terapia que tenha se provado efetiva contra a doença. Os estudos que têm circulado são pequenos, cheios de problemas metodológicos, o que a gente chama de vieses, que tornam praticamente impossível estabelecer qualquer relação entre uma terapia e um desfecho clínico da doença. Então, a resposta curta é ‘não’, não existe nada provado até o momento. Mas existem muitos estudos em andamento, mais de 100 registrados já em plataformas de pesquisa, testando mais de 20 moléculas de drogas diferentes, variando de anti-inflamatórios, antivírus, a hidroxicloroquina, que é a famosa droga em discussão no Brasil, e outros tipos de imunomoduladores, como a gente chama, tentando diminuir a inflamação dos pacientes com a doença. Eu diria que, nas próximas semanas, talvez em até dois meses, a gente vai ter mais notícias sobre isso, porque, como tem muita doença, muito paciente, os estudos acabam incluindo indivíduos de uma forma muito rápida, são estudos multicêntricos, como a gente chama, com muitos países envolvidos. Então, a esperança é a de que logo, logo, a gente vá ter uma resposta. Mesmo que a resposta seja negativa, de que  uma droga demonstre não ser útil, pelo menos a gente terá informação de que a gente pode mudar e tentar buscar outro caminho, outra alternativa. O importante é fazer estudos sérios, metodologicamente sadios, que vão provar a eficácia de uma droga, ou não. Mas, no momento, infelizmente, nada cura o coronavírus.

- Há muita especulação em torno de certos medicamentos, como hidroxicloroquina, indicada para o tratamento da malária. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro, defendem o remédio abertamente. Ele é eficiente?

RP. A hidroxicloroquina virou uma novela internacional em relação ao uso dos pacientes com coronavírus. A resposta curta é simplesmente não. A hidroxicloroquina não se provou efetiva contra a doença, e não existe nenhum estudo que é respeitado até agora que demonstre que a hidroxicloroquina deva ser usada de maneira geral para pacientes com a doença. Os estudos até agora são pequenos e estão cheios de problemas técnicos que impedem que a gente use eles para estabelecer com certeza se a hidroxicloroquina funciona. Então, do ponto de vista de recomendação generalizada, não existe nenhuma. O que acontece? Quando o paciente fica mais grave e vem para o hospital, como a gente sabe que a chance dele de ter complicações e vir a morrer é muito alta, alguns centros começam a usar de forma pragmática a hidroxicloroquina, assim como usam outros retrovirais, assim como antiinflamatórios, de uma forma pragmática, porque realmente não existe outro tipo de alternativa. Agora, a ideia de extrapolar isso e dizer que toda a população tem que usar a hidroxicloroquina, ou qualquer pessoa em casa com um pouco de sintoma tem que começa a usar a medicação, é muito perigosa, porque a hidroxicloroquina não é uma medicação totalmente isenta de efeitos colaterais. Pelo contrário, pode até causar morte em si com arritmias cardíacas. É muito importante a gente ser responsável agora e dizer para a população não tentar tomar a hidroxicloroquina e não ficar muito entusiasmada com a ideia de começar a tomar esse medicação se os sintomas forem leves e deixarem essa decisão para o médico, em um hospital, se for necessário, se for julgado correto a administração da hidroxicloroquina para paciente grave. Eu entendo o posicionamento dos presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, mas, infelizmente, eles não têm nenhum capacidade técnica, nenhum background técnico como pesquisadores ou médicos para dar opinião sobre o assunto. Então, é muito importante agora a gente ouvir aquelas pessoas que sabem: infectologistas de renome, pesquisadores, virologistas, epidemiologistas. E não dar bola para político, porque, nessa hora, o importante é seguir a linha da ciência, e não a linha do entusiasmo ou da política.

 

O isolamento social em massa  é a única maneira realmente de tentar estancar a propagação do Coronavírus, diz o cardiologista Ricardo Pettraca.
O isolamento social em massa é a única maneira realmente de tentar estancar a propagação do Coronavírus, diz o cardiologista Ricardo Pettraca. © Arquivo Pessoal

- Qual é a melhor maneira de prevenir a contaminação pelo novo coronavírus?

RP- A gente entende que o coronavírus é transmitido por aerossóis e por perdigotos, quando o paciente respira ou fala. Essas partículas de saliva podem ficar no ar circulando, ou vão cair em estruturas sólidas como uma mesa, um plástico e na rua do paciente. Obviamente, a melhor maneira de evitar a contaminação de outro paciente é o isolamento. É se distanciar de um indivíduo que está potencialmente infectado. A gente usa a regra de mais de dois metros, mas, se você quiser ser bastante cauteloso, cinco a seis metros de distância de indivíduos contaminados seria o ideal. Do ponto de vista funcional, a melhor maneira de fazer isso para a população é fazer exatamente o que se tem recomendado aqui na Inglaterra e no Brasil, que é a quarentena, o isolamento social em massa, que é única maneira realmente de tentar estancar a propagação da doença. E, obviamente, como é um vírus respiratório, que entra através da nossa via aérea, o uso de máscara é recomendado, quando a gente vai para a rua, e quando a gente entra em alguma situação de mais contato social mais próximo. E o importante é que o uso da máscara também evita que a gente se tiver o vírus, mesmo que de forma assintomática, transmitir isso para outras pessoas. A recomendação pragmática seria : se precisar sair para a rua, fique distante de outros indivíduos. Se tiver que entrar em ambientes fechados com outras pessoas, use a máscara e tente evitar contato com superfícies potencialmente contaminadas. A gente sabe que o coronavírus odeia sabão. Então, lavar a mão com água e sabão por 20 segundos é muito efetivo. Não necessariamente precisa usar álcool. Água e sabão é uma maneira muito efetiva de eliminar a doença também.

 

 

- Que lição podemos tirar desta pandemia?

 

RP. É uma pandemia que vai deixar uma marca na nossa memória por muito tempo. E um legado comportamental, eu acho, da maneira que a gente encarou ela desta vez. Primeiro, eu acho que a gente entendeu a importância do isolamento social e da quarentena. Eu acho que, a próxima vez que acontecer um evento muito parecido, a gente vai muito mais cedo aceitar isso como sendo uma coisa importante. Segundo, que a gente entendeu um pouco mais agora sobre o mecanismo de transmissão dessas doenças virais e como é importante a higiene da mão, o uso da máscara, e o relativo isolamento social entre indivíduos em uma situação como essa. E, terceiro, eu acho que aprendemos bastante também a como lidar com informações. Eu acho que as discussões sobre terapia, diagnósticos e sobre como a doença ser espalha, fez com que as pessoas lessem muito na internet e, pelo menos a minha expectativa, é que tenha algum aprendizado de análise crítica, de o que ler e o que não ler no futuro e aprender que nem todas as fontes de informações são confiáveis. E obviamente alguma pandemia como essa voltar no futuro, a gente vai saber como se comportar do ponto de vista social e do ponto de vista intelectual, e não ir lendo tudo o que se publica nesta vasta fonte de informação que é a internet.  

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.