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Esporte em foco

Combate a homofobia no futebol gera polêmica na França

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Cantos, cartazes, gestos, insultos. Nos estádios de futebol da França, atos homofóbicos não ficarão mais impunes. Desde o início desta nova temporada de futebol, entrou em vigor novas regras adotadas pela Liga francesa de futebol e a Direção de Arbitragem para interromper as partidas quando insultos nas arquibancadas forem identificados.

Faixa de protesto dos torcedores em relação ao tema homofobia no futebol durante jogo entre Montpellier e Nantes, em 31 agosto 2019.
Faixa de protesto dos torcedores em relação ao tema homofobia no futebol durante jogo entre Montpellier e Nantes, em 31 agosto 2019. LOIC VENANCE / AFP
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No dia 16 de agosto, o jogo entre Nancy e Le Mans, pela 2ª divisão, foi interrompido devido a insultos racistas, uma decisão histórica e inédita em um jogo profissional na França. Os jogadores do Nancy pediram aos torcedores pararem os cantos e o jogo foi retomado.

Outros casos se sucederam em jogos também da 1ª divisão e dois clubes, Nancy e Ajaccio, foram punidos com jogos a portas fechadas, sem torcedores nas arquibancadas.  

A polêmica sobre atos homofóbicos no futebol francês voltou à tona na semana passada, com uma declaração polêmica do presidente da Federação Francesa. Noel Le Graët disse ser a favor de interrupções em casos de racismo, mas não de homofobia, diferenciando os temas. 

A ministra francesa dos Esportes, Roxana Maracineanu, se irritou e considerou a declaração “errônea”. Depois de um encontro no meio da semana, a federação e o ministério dos Esportes publicaram uma declaração conjunta de apoio à luta contra a homofobia e confiança nos juízes e comissões de disciplina para tomarem as decisões adequadas. 

Luta antiga

A luta da comunidade LGBT contra a homofobia no futebol francês é antiga. A pedido da Associação FootGay, em 2008, a Liga de futebol do país criou uma Declaração contra a Homofobia. Até 2013, uma dezena de clubes profissionais assinaram o documento. 

No mesmo ano, uma sondagem revelou uma situação alarmante: 41% dos jogadores profissionais de futebol e 50% dos jovens de centros de formação tinham uma opinião hostil em relação aos homossexuais.  

“Constatamos que não havia uma disposição de lutar contra o problema de homofobia no futebol por parte da federação e dos presidentes dos clubes. Assinar uma Declaração sem obrigações, tudo bem, mas passar a um plano de ação, que seria o caso na época, ninguém quis se envolver”, lamenta Julien Pontes, ex-presidente da FootGay e atualmente porta-voz do coletivo Rouge Direct.

Interromper os jogos é a melhor forma de lutar contra os cantos e insultos homofóbicos nos estádios? As sanções devem ser as mesmas adotadas contra os casos de racismo?

“Não há dois pesos e duas medidas entre o racismo e a homofobia. O problema é que parar o jogo e privar um estádio inteiro e os espectadores de um espetáculo, incomoda os jogadores, mas é claro que é necessário. É preciso entender que é preciso chamar a atenção contra a homofobia. Sim, a cada insulto a gente para o jogo. Mas não é uma solução de longo prazo. É preciso identificar as pessoas que promovem esses insultos homofóbicos e expulsá-los dos estádios como acontece na Inglaterra”, defende Pontes.

Ele se refere à medida adotada com sucesso na Inglaterra quando um torcedor do Chelsea foi expulso de um jogo contra o Brighton após insultos homofóbicos. O jovem de 20 anos foi condenado pela justiça a pagar uma multa equivalente a R$ 4.800 e está proibido de entrar em um estádio por três anos.

“É possível excluir os torcedores homofóbicos dos estádios. Os clubes têm os meios por meio dos sistemas de vídeo para fazê-lo. Nosso coletivo pede que sejam instaurados de maneira generalizada comitês de observação a cada jogo da 1ª e 2 divisão para identificar atos racistas e de homofobia e para ajudar a identificar seus autores e puni-los, inclusive na justiça penal”, afirma.

Reações de jogadores e torcedores

Esperar que um jogador que escuta injúrias homofóbicas peça para interromper um jogo é difícil, reconhece Pontes. No entanto, um jogador Antoine Griezmann, saiu em defesa das interrupções dos jogos. Por outro lado, o goleiro e capitão da seleção francesa, Hugo Lloris diz ser contra.

Ex-jogador de futebol do PSG, Eric Rabesandatrana defende ainda que os clubes percam pontos em casos de homofobia de seus torcedores: “Vai ser preciso manter o aspecto esportivo no gramado e expulsar a pessoa que insulta do estádio. Este já é o caso na Inglaterra, onde os clubes podem identificar os torcedores. O clube deve ter mais responsabilidade. Se forem retirados pontos dos clubes por causa dos insultos, eles vão ter que tomar decisões para evitar perder pontos. Pode ser uma medida radical, mas talvez permitirá trazer mais serenidade nos estádios”.

As torcidas organizadas na França receberam mal as novas regras. Bandeiras irônicas já foram vistas em estádios criticando as sanções.

Ronan Evain diretor executivo da associação Torcedores de Futebol da Europa, que reúne torcedores de 48 países, critica a abordagem do tema. Ele diz que nos estádios não existem mais ou menos torcedores homofóbicos do que na própria sociedade. Segundo Ronan, os incidentes são pontuais nos estádios franceses. Houve uma rejeição geral porque foi feita uma a acusação generalista dos torcedores como sendo homofóbicos.

“Quiseram resolver um problema que até meses atrás não existia. Sem identificá-lo, sem defini-lo e sem nenhum dado concreto sobre a extensão do problema. E quiserem resolver rapidamente. É preciso que todos reflitam com mais distanciamento. É um problema sério. O futebol tem um problema global com a homossexualidade, longe de ser específico das arquibancadas. É um problema que envolve patrocinadores, clubes, jogadores, e o resto dos atores desse meio, e somente uma visão global, que integre o conjunto dos atores e problemas, é que pode levar a algum resultado satisfatório. Juntos é que poderemos eliminar uma homofobia que é sistêmica no esporte, no futebol para criar um ambiente mais favorável para todos, incluindo jogadores e torcedores”, afirma.  

Colaboração dos jornalistas Thomas de Saint-Léger e Martin Guez da redação de Esportes da RFI

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