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“Como eu sempre digo, nunca foi só uma gripezinha”, diz médica sobre sintomas pós-Covid

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Melania Amorim criou um grupo de apoio para pacientes com sintomas persistentes após a infecção por Covid-19 quando ela mesma teve suas queixas desvalorizadas. A médica tem usado as suas páginas pessoais para esclarecer dúvidas sobre a doença desde o início da pandemia, em março, mas decidiu recentemente dedicar-se aos sintomas pós-Covid.

Melania Amorim, médica ginecologista e obstreta
Melania Amorim, médica ginecologista e obstreta © Arquivo Pessoal
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Melania Amorim é médica ginecologista e obstreta, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Campina Grande e do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), em Recife. Ativa nas redes sociais - onde se apresenta como “feminista, médica, pesquisadora, ativista dos direitos sexuais e reprodutivos. Mãe de André e Joaquim, ambos autistas” -, Melania, que trabalha na saúde pública, foi infectada pela Covid-19.

Recuperou-se, voltou a trabalhar depois de duas semanas, mas se deparou com sintomas pós-Covid, notadamente fadiga e dispneia. Melania criou então uma página no Instagram, chamada @sindrome_pos_Covid, para reunir médicos e pacientes para discutirem e aprenderem sobre o tema.

A médica contou o que a levou a criar a página: “Primeiro, toda a história dos sintomas persistentes que eu tinha e o fato de eles não estarem sendo valorizados. Muita gente me dizendo que eu tinha ansiedade ou estresse. Eu passei a vida toda tendo motivos para me estressar e eu nunca tinha tido esses sintomas, que nitidamente guardam uma relação temporal com a Covid”, desabafa.

“Mas tudo isso se acentuou quando eu resolvi fazer um vídeo para compartilhar aqueles sintomas com a população e dizer que existe, sim, essa síndrome pós-Covid que alguns grupos de pacientes relatam. Quando eu comecei a compartilhar o vídeo, veio um médico oftalmologista - que não trabalha com atendimentos a pacientes Covid nem se baseia em evidências -, nitidamente numa mistura de mansplaining e gaslighting médico, insinuando que todos estes problemas eram psicológicos e que eu estaria com um quadro de dispneia suspirosa (que, segundo ele, eu já teria desde quando ele foi meu aluno na graduação)”, relata.

“Só que, quando ele foi meu aluno, eu estava grávida e toda grávida fica com taquidispneia (respiração difícil). Quem não sabe disso eu acho que realmente não assistiu às aulas de ginecologia e obstetrícia”, explica.

Sintomas negligenciados

O fato de ter os sintomas negados até por colegas médicos a deixou ainda mais instigada a pesquisar sobre o assunto e a levar as informações da literatura médica para pacientes leigos que também relatam sintomas persistentes após terem se curado da Covid-19.

“Se eu, que sou médica, que consigo pesquisar e ir atrás das evidências porque eu tenho as ferramentas à minha disposição, que tenho um nome conhecido nacional e internacionalmente, tenho o privilégio de poder escolher os médicos e profissionais de saúde que me tratam, tenho meus sintomas desvalorizados, minhas queixas não são levadas em consideração e desacreditam o que eu estou dizendo, imagine outros pacientes, que não têm os mesmos privilégios”, constata.

O efeito do vídeo foi imediato. As pessoas começaram a escrever para a médica contando que também apresentam sintomas persistentes após terem sido infectadas pela Covid-19, sendo os mais comuns fadiga e dispneia, mas também problemas de concentração, dor de cabeça e perda de olfato, entre outros.

“Desde que eu postei este vídeo, vários pacientes vêm me contar a mesma coisa: que estão peregrinando de médico em médico com esses sintomas, muitos estão sendo tratados com ansiolíticos, porque tem sido padrão não valorizar este tipo de queixa. Eu disse que era hora de a gente se organizar e criar um grupo de apoio não somente para dizer que existe esta persistência de sintomas após a Covid, mas colocar isso de uma forma que seja acessível ao público em geral e ao mesmo tempo disponibilizar as evidências científicas”, diz.

“Informação é poder”

“Eu acho que informação é poder e que pacientes têm direito a ter acesso a todas as evidências científicas, porque eles se fortalecem, eles passam a reivindicar mais cuidado, mais atenção”, afirma.

Segundo ela, a proposta deste seu novo canal no Instagram é fazer lives periódicas com profissionais de saúde que trabalham nesta linha, que têm atendido esse tipo de paciente, “para que a gente possa abrir para o debate e saber como conduzir, como manejar este tipo de sintomas. Isso eu não tinha visto em nenhum grupo em português”.

“A gente tem que aproveitar este espaço para exigir políticas públicas de saúde que incluam o seguimento e a reabilitação para as pessoas pós-Covid. Como eu sempre digo, nunca foi só uma gripezinha.”

Infelizmente, diz Melania, a Covid-19, mesmo quando não apresenta uma forma grave, não parece se resolver somente em 15 dias e há a persistência desses sintomas por uma duração de tempo variável.

Melania cita um estudo italiano que identificou persistência dos sintomas de Covid após 60 dias em 87% dos pacientes que haviam sido internados. Os sintomas mais frequentes foram fadiga e dispneia. Outros estudos mostram que a frequência disso varia se a forma inicial foi uma forma leve ou grave, e indicam como manejar os sintomas na atenção primária.

Brasil ainda não produziu estudo sobre a síndrome

"Ainda não há um estudo brasileiro sobre a frequência e formas de monitoramento destes pacientes. E não estamos falando de sequelas ou complicações estruturais, quando um órgão foi afetado. Mesmo pacientes que têm exames normais continuam com sintomas. É como se fosse em decorrência de uma destruição celular de alterações teciduais provocadas pelo vírus ou partículas virais persistentes que não chegam a ser detectadas pelos testes", relata.

A médica afirma ainda que não existe ainda uma definição oficial de uma síndrome pós-Covid, mas que, na prática, médicos e cientistas estão utilizando esta nomenclatura.

Melania cita a definição de uma cientista e pesquisadora inglesa para a síndrome: uma Covid pós-aguda é quando os sintomas persistem por três semanas após o quadro inicial. E uma Covid crônica, quando há persistência dos sintomas por 12 semanas ou mais.

O grupo criado por Melania é aberto a todos os pacientes com sintomas persistentes de Covid-19 e a profissionais, "para que a gente possa trocar ideias e discutir com a população". Ela disponibiliza artigos científicos originais (em inglês) sobre o tema, baseados em evidências científicas.

Além disso, continua Melania, há lives programadas com fisioterapeuta e médica da atenção básica já programadas. "E pretendo também escutar os especialistas: pneumologistas, cardiologistas, infectologistas, todos aqueles que estão envolvidos no acompanhamento destes pacientes".

"Eu acho que cabe aos centros que estão atendendo pacientes Covid programar este seguimento em médio e longo prazo para termos mais informações sobre frequência e duração dos sintomas e ter um prognóstico. Porque dá uma angústia muito grande não saber o que você tem. Até agora, não há um tratamento medicamentoso para estes sintomas", diz a pesquisadora.

Gravidez e morte por Covid no Brasil

Por fim, Melania comenta o estudo que ela faz em sete hospitais brasileiros sobre os efeitos da Covid-19 em gestantes e puérperas. 

"Embora se dissesse, no início da pandemia, que não havia um risco maior, hoje há muitos estudos provando que gestantes têm maior frequência de complicações, maior chance de ser admitidas em UTI, maior risco de precisar de ventilação mecânica. Isso foi corroborado em estudos da literatura internacional, mas o que eles têm em comum é que, apesar de haver maior risco de complicações em gestantes com Covid, não há maior risco de morte materna", explica.

"Então as mortes no Brasil são explicadas por falhas graves de assistência. Estas falhas têm determinantes raciais e sociais, tanto que a gente mostrou que o risco era maior em mulheres negras que em mulheres brancas", finaliza.

 

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